Quarta-feira, 15 de maio de 2024 - 11h48
Ao adotar o tema Direitos Humanos a OABRO tomou-o também para si, pois alguns de seus membros foram vítimas até de assassinatos. “A OAB jamais se omitiu diante de situações que envolvessem esse tipo de debate”, disse o seu ex-presidente Pedro Origa Neto [1981-1983 e 1991-1993].
A classe dos advogados seguia pressionada de norte a sul do
País, tanto que, em 2 de dezembro de 1981, os presidentes das Seccionais do
Amapá, Rondônia e Roraima decidiram no encontro de Fortaleza (CE) a não
festejar a data comemorativa.
“Naquela ocasião protestamos contra a prioridade dada pelo
Tribunal de Justiça do DF a outras circunscrições, em prejuízo dos territórios
federais” – lembra Origa.
O advogado Agenor Martins de Carvalho, secretário geral do
Diretório do MDB, foi morto com um tiro no coração [próxima reportagem]
disparado da janela de seu quarto, no início da madrugada de 9 de novembro de
1980. Defendia posseiros no interior do extinto território federal, e na
Capital recolhia procurações de moradores periféricos para abrir os bairros
Floresta e Nova Porto Velho.
O advogado Juscelino do Amaral lembra dos advogados mortos. Após a gravação da entrevista, ele acrescentou à lista o advogado Aparício Paixão, assassinado numa churrascaria em Jaru. O filho dele é procurador do Estado.
Outras situações
O ex-presidente da Seccional, Francisco Arquilau de Paula, recebeu um sonoro “não” do general comandante do 3º Grupamento de Fronteira, Oswaldo Muniz Oliva, referente ao requerimento impetrado pelo advogado Edgar Bernardes, do Rio de Janeiro, que defendia o direito da família de um soldado morto na Guerrilha do Araguaia.
A família queria visitar o irmão do soldado morto, que também era militar e servia no 5º Batalhão de Engenharia de Construção, no interior do município de Porto Velho.
As relações entre o Exército e a OAB foram conturbadas. Da mesma forma, esse mesmo general, à paisana, adentrou certa vez à Biblioteca Pública Francisco Meireles, gritando: “Comunistas!” – quando assistia a uma apresentação teatral. Nem OAB, nem cultura, nem políticos daquele período tinham chance de dialogar calmamente com o general Oliva.
Esse foi o retrato da Rondônia que respirava o começo de uma abertura política regada a bombas contra bancas de jornais e revistas, e ao atentado terrorista do Exército e da Polícia Militar do Rio de Janeiro contra o Centro de Convenções Riocentro, lotado, na noite de 30 de abril de 1981, véspera do feriado do Dia do Trabalhador, com o objetivo de incriminar grupos que se opunham à ditadura militar no Brasil.
Entre artistas e público em geral, muitos morreriam, mas “o tiro saiu pela culatra”, pois uma das bombas explodiu longe de seu alvo e outra detonou prematuramente, danificando os explosivos restantes.
Foi um corre-corre enorme, a partir do momento em que o comando terrorista militar atingia o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morrera instantaneamente, enquanto o capitão Wilson Dias Machado saía gravemente ferido. Discreta e cinicamente, outros militares removeram os explosivos instalados no palco do show, antes que explodissem.
Pelo menos duzentas pessoas em Porto Velho souberam dos detalhes desse ataque ao lerem a edição semanal do extinto jornal Movimento, que chegava a Porto Velho pelos voos da Varig e aqui era distribuída por este repórter.
A farsa em torno das investigações do atentado ao Riocentro teve consequências severas. Alguns militares realistas exigiam justiça contra os terroristas e a renúncia do general Golbery do Couto e Silva, então chefe da Casa Civil e guru do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo.
Sob vigorosa pressão da sociedade, de setores das Forças Armadas e de políticos oposicionistas, o governo Figueiredo perdeu as rédeas, mesmo o general tendo declarado: “Eu prendo e arrebento quem for contra a abertura política”.
Sem chance de eleger um sucessor, Figueiredo demonstrou vivamente que a ditadura militar se esgotava, dando lugar em seguida à chamada Nova República.
Assassinatos por causa do ouro
A ambição do homem na exploração e comercialização do ouro também faz parte dos capítulos da violência na região. Lembranças do advogado Juscelino Amaral, que também foi chefe da Casa Civil do Governo de Rondônia: na década de 1990 o advogado Hilário Nestor Bech foi morto exatamente por causa do metal.
Bech era sobrinho do então ministro da Justiça Saulo Ramos [no cargo entre 1989 e 1990].
Gaúcho de Santa Maria, a 290 Km de Porto Alegre, Bech veio a Porto Velho contratado pelo seu cliente Joel da Silva. Este possuía negócios com empresários locais ligados ao comércio de compra e venda de ouro, balsas e dragas.
"Num determinado momento, ele vai até a 4ª Delegacia de Polícia, na zona sul, e ali foi sequestrado, juntamente com seu cliente, próximo ao Hospital Pronto Socorro João Paulo II” – lembra Juscelino.
“Ao que consta, o empresário já havia resolvido sua demanda e seguia para o aeroporto quando foi interceptado por um agente nas proximidades do Parque Circuito” – conta.
Pare! Pediu-lhe o policial dizendo que ‘o delegado queria falar com ele’. Mas em vez de seguir para a delegacia, o policial entregou Joel a um grupo de desafetos, os empresários que se sentiram prejudicados pela ação dele.” Juscelino não menciona nomes.
O sequestro foi comunicado dias depois à OAB pelo consultor da República Saulo Ramos, tio do advogado morto. “Isso causou um alvoroço na Seccional, na sociedade e na polícia rondoniense; o presidente da OAB, Heitor Magalhães Lopes esteve na residência do diretor geral de Polícia Civil, Paulo Morais, e do delegado de homicídios, Ferraciolli, para saber como o fato aconteceu, e dias depois, o corpo do advogado Hilário Nestor Bech apareceu boiando no Rio Candeias com uma pedra no estômago, e o corpo do cliente dele (Joel da Silva) apareceu boiando no Rio Bate Estaca” – relata.
No IML, o advogado Anísio Feliciano da Silva, designado pela OAB para acompanhar o caso, identificou o corpo do doutor Hilário Bech através de uma informação da esposa dele: ele usava um anel maçônico.
O caso repercutiu. Na ocasião, o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Márcio Tomás Bastos, veio a Porto Velho, encontrando-se com o então presidente da Seccional de Rondônia, advogado Heitor Lopes.
Ouro e polícia, tudo a ver. Da mesma forma que o total envolvimento de quatro delegados de polícia e alguns agentes no assassinato do garimpeiro Francisco Veras de Araújo, o Assis, em 1982 a violência se repetiu, conforme relata Juscelino.
Da mesma forma morria o advogado Ademir Scatamburlo, em seu apartamento-escritório, no Edifício Rio Madeira,
No início dos anos 1980 aconteciam assassinatos torpes e violentos. Nos anos 2000, também. Se a OABRO relacionar as vítimas já tem matéria para debate em suas comissões profissionais.
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Fotos: Família Tourinho, ESG, Jornal do Brasil e Conjur
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