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Montezuma Cruz

Agentes de endemias do Juruá protestam contra a extinção


 

 

Maior vítima da malária na Amazônia, Cruzeiro do Sul defende servidores

MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br  

CRUZEIRO DO SUL, AC – A enorme parede de vidro que separa o público dos vereadores não impediu a ruidosa manifestação de agentes de endemias em atividade na maior região malária da Amazônia, durante a sessão ordinária noturna da Câmara de Vereadores. Apesar do sentimento de indignação de cada um, os servidores do Vale do Juruá não vaiaram ninguém, mas se acharam no direito de aplaudir o tempo todo, em voz alta, algumas vezes com gritos, as manifestações a respeito da situação da categoria.

A Saúde Estadual vem cortando o ponto desses servidores, sob alegação de que eles “não são agentes”. E os substituem por pessoas sem experiência alguma no setor. O mais novo exonerado é Valdemilson Maia, que se viu obrigado a deixar a função este mês. Ele é o vice-presidente da Associação dos Servidores de Endemias do Vale do Juruá. Outro demitido, Roberto de Souza Lopes, 39, recebeu uma carta de recomendação. Para trabalhar aonde? Lopes saiu numa leva de 80 e não mais pôde retornar. O motorista Weligton da Silva, duas filhas, demitido há um ano, quer voltar já. 

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Na Câmara Municipal, o desabafo: profissão está ameaçada


Agentes de endemia dedicam-se a promover a saúde preventiva dos moradores desta região brasileira na fronteira com o Peru. A sorte e os direitos de 432 deles continua nas mãos da chefe da Divisão de Endemias, Isanelda Magalhães. No entanto, ela está irredutível na função de exigir deles o máximo empenho – examinar 30 lâminas por dia –, sem levar em consideração as precárias condições de atuação dessa categoria, que não ainda não teve direito ao adicional por insalubridade. Segundo os agentes, Isanelda “parece mandar mais que o secretário de saúde”.

Os agentes atendem a cerca de duzentas mil pessoas nos municípios de Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Porto Walter e Rodrigues Alves. Após a sessão de quinta-feira à noite, aconselhados eles decidiram suspender a greve que fariam a partir desta segunda-feira, na expectativa de que o governo cesse as demissões no setor e reconduza os exonerados às funções. Se isso não ocorrer, eles paralisarão o atendimento. Pelo que constatou a Agência Amazônia, com o apoio do comércio e da população, que demonstram insatisfação com a atitude do governo estadual. O taxista José Firmino, 37, aposta: “O governo vai perde todos os eleitores dessas famílias prejudicadas”.



Cobaias

Em 2008, cobaias utilizadas em pesquisas de captura de anofelinos (mosquitos transmissores da malária) denunciaram a falta de equipamentos de proteção, jornadas excessivas, noite e madrugada adentro, e o pior: foram atacados pela doença. Teve início, então, uma série de perseguições políticas aos servidores que revelaram ser vítimas dessas experiências.

Concursos provisórios já duram dez anos. Os agentes, que recebem salários mensais em torno de R$ 400, reivindicam o cumprimento da Emenda 51, segundo a qual gestores locais do Sistema Único de Saúde poderão admitir agentes comunitários e de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. 

Agentes de endemias do Juruá protestam contra a extinção  - Gente de Opinião
Deputados Gladson Cameli, Fernando Melo e Idalina Onofre ouvem o relato dos servidores

“Eles podem ser efetivados sim, desde que respondam a prova oral, obedecendo ao processo seletivo”, defendeu a deputada Idalina. Com ela, também participaram da sessão os deputados federais Gladson Cameli (PP-AC) e Fernando Melo (PT-AC). Todos se dispuseram a conversar esta semana com os procuradores-chefes do Ministério Público Estadual, do Ministério Público Federal, e o secretário estadual de saúde, Osvaldo Lea, em busca de uma saída para o impasse.

A Associação dos Servidores queixa-se também aos parlamentares da postura da subsecretária de Saúde na região, Kátia Cristina Messias. Segundo eles, ela é omissa. “Ela poderia evitar o desemprego no setor, analisando caso a caso para evitar injustiças”. O desaparecimento de duas peças de microscópio transformou-se em inquérito policial. Agentes foram acusados, mas adiantaram aos vereadores que pedirão provas à subsecretária e não descartam um processo judicial contra a Saúde.

“Na Justiça Federal não se consegue nada, mesmo quando está claríssima a atitude ilegal da Saúde, ao obrigar esses servidores a assinar documentos em branco”, lamenta a advogada dos exonerados, Cecília Lanza. “Tanto quanto pior são os salários rebaixados”, diz.



“Governo não quer se corrigir”

Em Nova Iguaçu (RJ), a Justiça Federal e o Ministério Público decidiram aceitar a interpretação de análise de currículo para a efetivação do agente de endemia. A efetivação de servidores da área de endemias no quadro do funcionalismo público é uma luta antiga. Recentemente, em Cuiabá (MT), o desembargador Márcio Vidal manteve a decisão favorável para os agentes, determinando a formação de uma Comissão de Certificação para verificar as condições iniciais de efetivação. A Prefeitura não respeitou a decisão.

“O governo age como nazista; erra e não quer corrigir o erro”, criticou a deputada Idalina Onofre (PPS) na sessão ordinária da Câmara. “Já encontramos pessoas cegas depois de usarem o abate (larvicida para combater o mosquito). Emocionado na tribuna, o agente João Pedrosa Neto disse que a lei favorece a categoria e desafiou o senador e médico Tião Viana (PT-AC) a debater com eles a situação. “Como é possível uma lei exclusivamente criada para amparar agentes e, mesmo sabendo-se que é aplicada em outras regiões brasileiras, se auto-anula no Acre?”, questionou.

Região teve 886 casos de malária em maio 

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Luiz Lopes: 22 anos de trabalho, diz que agentes zelam pelo que fazem
CRUZEIRO DO SUL – Só neste município a malária falciparum fez 886 vítimas em maio deste ano. Em janeiro de 2006 somaram-se 6.941 casos. É raro encontrar grandes contingentes de resistentes à doença, porque ela ataca a todos, indistintamente.

“Quando a gente entra nos ramais fica sem acesso a nada. Visitamos todas as casas e conhecemos todas as famílias e vítimas da doença”, relata Luiz Lopes da Silva, 43 anos, há 22 nessa área. Ele trabalha desde os tempos das extintas Sucam e FNS. “Há dez anos esperamos que a situação melhorasse, não apenas no salário, mas no respeito ao nosso trabalho”, ele diz. Mesmo assim, tudo é feito com carinho. “A gente tenta mostrar que não basta examinar uma quantidade enorme de lâminas, mas apresentar a certeza do que os exames de cada uma representam para a estatística”, acrescenta.

A malária é a mais importante doença parasitária dos trópicos com uma população de
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Carlos Moura: "No exame de lâmina detectamos outras doenças"
risco que corresponde a 32% da população mundial. Estima-se em 300 milhões o número de pessoas infectadas, 120 milhões de casos novos e cerca de um a dois milhões de óbitos por ano.

“Aqui é todo tempo na peia”, queixa-se o presidente da Associação, Carlos Moura. Refere-se ao tratamento agressivo ao ser humano, um combinado de drogas à base de mefloquina e artesunato sódico. A diidro-artemisinina, o meio-éster do ácido succínico, forma o sal sódico conhecido como artesunato, que tem demonstrado efetividade em estudos clínicos feitos em diferentes países.
(M.C.)

Agentes ajudam a detectar 
elefantíase em Cruzeiro do Sul

CRUZEIRO DO SUL – Dez e meia da manhã de sexta-feira. O repórter vê uma mulher franzina com um inchaço gigantesco no pé direito. Ela está na frente do Hotel Plínio, perto de um vendedor de pastéis. Pergunto ao presidente da Associação, Carlos Sérgio de Moura, 32, o que é aquilo. “Elefantíase”, ele responde.

Carlos passa a relatar a importância do trabalho do agente de endemia: “O zelo e o conhecimento que adquirimos ao longo do tempo possibilita detectar outras doenças, num simples exame de lâmina”. Exemplificou: “A filariose linfática, causadora da elefantíase, é uma delas. Coloca em risco um bilhão de pessoas em todo o mundo”. No Brasil, ela é transmitida apenas pela picada da fêmea do mosquito Culex quinquefascitus.

Mais de 120 milhões de pessoas sofrem da doença, das quais, mais de 40 milhões se encontram gravemente incapacitados ou apresentam deformações. A filariose é causada por um helminto (verme) longo e delgado, a filaria Wuchereria bancrofti, do gênero Anopheles, único agente na África e nas Américas. Os outros agentes patogênicos são a Brugia malavi (na China, Sudeste Asiático, Indonésia, Filipinas e sul da Índia) e a Brugia timori (na ilha do Timor) são do gênero Mansonia.

O agente Pedrosa Neto demonstrou o funil em que se encontram os agentes de endemia do Juruá, considerados por diversos médicos e pesquisadores, “verdadeiros especialistas em malária”. “Com relação ao sistema, estamos sendo extintos; com relação ao social, somos discriminados”, protesta. “A duras penas combatemos uma peste que assola a nossa sociedade, mas vemos os nossos valores diminuídos, a ponto de desaparecerem”, lamenta. (M.C.)

Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião e do OpiniãoTV.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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