Quinta-feira, 29 de dezembro de 2022 - 10h23
A Amazônia como celeiro do mundo,
graças à sua riqueza natural e à industrialização de alimentos. Muitos opinam e
criticam, mas poucos acenam com soluções estruturais. Foi esse o mote da carta
encaminhada esta semana pelo ex-suplente de deputado federal de Rondônia Samuel
Sales Saraiva ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e à ministra
indicada para o meio ambiente, Marina Silva.
"Para alcançarmos esse
desenvolvimento sustentável, não será preciso derrubar uma só árvore para
implementar esse plano", ele garantiu.
Há quase três décadas na Capital dos
Estados Unidos, Saraiva já havia feito semelhante sugestão ao governo
brasileiro em 2008, com Lula presidente. [Leia fotos no final do
texto].
"Tenho consciência do dever de
minha contribuição cidadã, e mesmo morando em Washington, D.C., nunca abri mão
de me preocupar todos os anos, dedicando gratuitamente o meu tempo a serviço
dela", justifica.
A população mundial ultrapassou os 8
bilhões segundo a ONU, que projeta um pico de 10,4 bilhões na década de 2080.
"É passada a hora de os países liderados pela ONU agirem em um amplo
programa de cooperação contra uma guerra mundial inevitável e urgente: a guerra
contra a fome", alerta Saraiva.
Em 2020, o senador Álvaro Dias
(Podemos) fez chegar ao então ministro do meio ambiente Ricardo Salles outra
sugestão de Saraiva: a alteração da Lei nº 6.938, de 1981, que dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, como pré-requisito para o acesso a linhas
de financiamentos e empréstimos das instituições oficiais
Isso permitiria a tomadores de
empréstimos a participação em cursos a respeito da preservação ambiental.
Salles não respondeu a Saraiva.
"O que trava o desenvolvimento
sustentável e a elaboração de políticas públicas estratégicas é a mentalidade
imediatista e perdulária herdada da cultura dos colonizadores e da
servidão", adverte Saraiva.
Ele diz a Lula: "Se esta proposta for realmente examinada com sensibilidade e vontade política, estou seguro que seu governo terá amplo apoio interno e externo. V. Exa. estará salvando a Amazônia e de passo fortalecendo a economia nacional através de um projeto de grande alcance social e político que poderá reverter a absurda, cruel e irresponsável destruição do maior patrimônio biológico do planeta, do qual dependerá em grande parte a nossa sobrevivência na Terra."
Copaíba rende um dos mais famosos óleos do mundo; no Brasil ela é comum na Amazônia e no Centro-Oeste
Inspirado na promessa reiterada durante
a campanha eleitoral pelo presidente eleito, no sentido de eliminar o problema
da fome no País, Saraiva confiou o encaminhamento da carta aos senadores
Randolfe (Rede Sustentabilidade-AP) e Álvaro Dias (Podemos-PR).
Saraiva sugere a criação de de uma
comissão científico-governamental, multidisciplinar, com a participação do
estado e da sociedade, incluindo representantes de segmentos sociais e povos
nativos, além de dois representantes indicados por cada país membro do Fundo Amazônico.
"Ela visaria à elaboração de
estudos estratégicos necessários à implementação das quatro vertentes desta
proposta: 1) ampliação da produção sustentável de alimentos nativos da
Amazônia; 2) ampliação do extrativismo sustentável de matérias-primas amazônicas
para a indústria de cosméticos; 3) revitalização dos seringais; e 4)
recuperação de áreas degradadas com o assentamento de trabalhadores sem-terra e
a implementação de agroflorestas.
"Na prática, significa ampliar o
aproveitamento racional dos alimentos e outros produtos vegetais naturais da
Amazônia, utilizando métodos com certificação socioambiental, que permitam
parcerias com comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas e núcleos de
agricultura familiar", lembra Saraiva.
Pupunha do Sítio Planalto, em Monte Negro, no Vale do Jamari, é item essencial para a industrialização de alimentos
Segundo ele, a rastreabilidade das
matérias-primas já é possível há anos, "com respeito às métricas de
impacto e mantendo a transparência da cadeia produtiva". O ponto alto
seria a construção de um polo industrial para transformação em pequena escala,
dentro do território brasileiro, de 20 espécies vegetais, entre elas, açaí,
andiroba, babalu, buriti, castanha, copaíba, cupuaçu, guaraná, murumuru,
pracaxi, buriti, óleos, manteigas e essências.
O empresário Francisco Aguiar, da
Amazon Green, considera o óleo de açaí, ainda não explorado comercialmente,
440% mais rentável do que a manteiga de karité, proveniente da África.
A pesquisa de Aguiar revelou também a força da pupunha que atualmente chega aos Estados Unidos na forma de conserva exportada pela Colômbia a US$ 10 o frasco contendo dez frutos.
INCONCEBÍVEL DESCASO
Citou a tabela de composição de
alimentos amazônicos (1996), do especialista em nutrição e ciência dos
alimentos, Jaime Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA)
para lembrar que além de dezenas de frutos comestíveis, também existem algumas
hortaliças e raízes "vítimas de inconcebível" o descaso.
"Se respeitarmos e aproveitarmos
essa que é a real vocação econômica da Amazônia, podemos deixar de ser o
"potencial celeiro do mundo" para nos transformarmos, de fato, no
maior exportador de alimentos para o mercado internacional", assinalou.
De acordo com o rondoniense, esse
aspecto contribui para o combate à fome no Brasil e no mundo, na medida em que
ampliaria bancos de alimentos desidratados, imprescindíveis à segurança
alimentar e ao atendimento emergencial de regiões do planeta afetadas por
catástrofes naturais, conflitos militares, e instabilidade social e econômica.
Na Resex Rio Cautário, seringueiras nativas voltam a sangrar. Estima-se que Rondônia obtenha 200 t/ano
LÁTEX DE SERINGUEIRAS NATIVAS
Samuel "linkou" em sua carta
a Lula texto deste repórter em 2020 mostrando a extração do látex na região do
Guaporé. A reportagem informa que antigos extrativistas em sete comunidades do
interior de reservas extrativistas em Costa Marques e Guajará-Mirim alcançaram
20 toneladas na "safra da borracha" antes da pandemia do coronavírus,
com preço justo.
"Ela é fonte extraordinária para
revitalização da economia regional e nacional, visando atender à demanda
mundial hoje suprida pela pequena Malásia; o leite das seringueiras é o ouro
branco da Amazônia, e hoje sangra para o desperdício, enquanto perdemos tempo e
oportunidades preciosos", analisou.
"Numa estimativa conservadora, apenas o Estado de Rondônia tem capacidade para produzir duzentas toneladas de borracha por ano, que equivaleriam a um total de R$ 2,52 milhões, conforme matéria", acrescentou.
"CAUSA DOS SEM-TERRA"
Para Saraiva, a proposta da
industrialização de alimentos, plantas e óleos naturais abundantes em Rondônia
integra-se à causa dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra no que diz respeito
ao êxito da agrofloresta defendida pelo educador e consultor Namastê
Messerschmidt, cuja técnica alia a produção de alimentos ao reflorestamento.
Nessa área também trabalha o
agroecologista suíço Ernst Gotsch, que tem largo trabalho em áreas da Bahia e
no Centro-Oeste brasileiro.
Se fossem assentados em áreas degradadas na Amazônia, os sem-terra poderiam recuperará-las. "Não apresento uma invenção da roda, mas sei que a realidade desafia atualmente nossa competência e vontade política para garantia da nossa redenção como nação e melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro tão necessitado de políticas públicas estruturais que permitam a recuperação da combalida economia."
SALVANDO A AMAZÔNIA
O chamado Fundo da Amazônia poderia ser
ampliado com a atração de outros países, conscientes de que o destino de cada
um está interligado ao destino dos demais. Um exemplo é mencionado pelo senador
Randolfe Rodrigues: a recente inclusão da Inglaterra, intermediada e fomentada
com êxito.
Parte da produção dos inúmeros
alimentos nutritivos amazônicos poderia ser desidratada e empacotada a vácuo
utilizando tecnologia disponível em países desenvolvidos, a fim de evitar o
deterioramento e aumentar o prazo de duração dos estoques em bancos
alimentares. Entre outros países, os EUA já utilizam há décadas esse tipo de
produto para alimentar suas tropas em diferentes regiões de conflitos.
"Temos a obrigação moral e a
inteligência necessária para vencer o inimigo comum: a fome que castiga
indiscriminadamente seres humanos, sobretudo os excluídos e os mais
vulneráveis, como idosos, mulheres e crianças", assinala Saraiva.
Catorze anos após a sua primeira proposta, ele vê a oportunidade de Lula "confirmar sua sinceridade de propósito e projetar visão e postura de estadista": "V. Exa. poderá consolidar sua liderança internacional pelo caminho da paz, da economia sustentável, da geração de empregos, e da solução ao problema agrário, armando o povo brasileiro com tecnologia de ponta para desenvolver a Amazônia de forma sustentável, respeitando sua verdadeira vocação socioeconômica.
A carta sem resposta do
ex-ministro Ricardo Salles e outros documentos com propostas anteriores feitas
por Saraiva:
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