Recepção ao presidente-candidato na fronteira mistura militantes do PCB e PCdoB de Rondônia e partidários do oposicionista Reyes, de centro-direita. Agricultores brasileiros só deixam terras no Pando em 2010.
XICO NERY
Agência Amazônia
GUAYARAMERÍN, Beni, Bolívia – A possibilidade de ser reeleito já no primeiro turno, depois da renúncia de três adversários nas cidades que formam o "Trópico de Cochambamba", na região central do país, entusiasma o presidente Evo Morales. Em discurso efusivo no Coliseu (ginásio de esportes municipal), nesta cidade, ele viu neste domingo aumentar o número de adesões nas sedes das províncias e vilarejos de predominância Camba e Colla, mais à direita do atual governo.
País de maior fronteira com o Brasil – ao todo, são 3.423 km de extensão –, a Bolívia é composta por múltiplas etnias. O grande entrave ideológico, geográfico e cultural é entre collas e cambas. A população colla, originária da região alta do país, chamada de Ocidente ou Altiplano, é formada majoritariamente por indígenas. A população camba, proveniente da região baixa, conhecida por Oriente ou Meia-Lua, é constituída em boa medida por mestiços e descendentes europeus.
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No ginásio de esportes, a recepção ao presidente candidato reuniu lideranças regionais e até militantes comunistas de Rondônia, Estado vizinho ao Beni /XICO NERY
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Na semana passada, Evo foi um dos presidentes sul-americanos ausentes na conferência sobre mudanças climáticas, em Manaus (AM). O presidente Lula reclamou, mas ele justificou que não deixaria a Bolívia às vésperas das eleições do dia seis de dezembro.
As mudanças na reta final das eleições de dezembro foram sentidas após o desembarque no novo aeroporto internacional, a cinco quilômetros desta cidade. Misturados a seguidores de Evo estavam simpatizantes do também presidenciável Manfred Reyes Villa, ex-governador de Cochabamba, de tendência centro-direita e principal concorrente do presidente candidato. Foi uma festa de convivência democrática, com abraços e diálogo.
Apoio de trabalhadores
Além da presença das Organizações de Trabalhadores de Base (OTB), com forte atuação política, social, sindical e cultural, lideranças ligadas à Central Obreira de Trabalhadores Bolivianos manifestaram apoio à candidatura de Evo para um segundo mandato. Essa central teria liderado, há seis meses, a resistência contra o presidente, impedindo o pouso do avião presidencial em solo boliviano, que se viu obrigado a desembarcar em Guajará-Mirim.
A candidata a deputada uninominal pelo Beni, Iris Siles, que tem base política em Riberalta e Guayaramerín, puxou a multidão. Ela é advogada do Movimento ao Socialismo (M.A.S) e reafirmou o apoio à candidatura de Evo. Ela e o cubano Santiago Martinez, 44 anos, membro do Comitê Central do Partido Comunista Cubano (PCC), vêem menos rejeição ao presidente.
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Inácio Sanches (c) morou em São Paulo, fixou-se em Guajará-Mirim, onde fortalece o apoio comunista da região ao presidente Evo Morales / XICO NERY
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– O quadro cai a cada dia que o povo fica diante do presidente Evo Morales e seus ministros, que vão aos quarteirões onde a maioria, desde o último século, vivia abaixo da linha de pobreza estabelecida pela ONU – analisa Martinez.
Presença mais constante
Guayaramerin estava acostumada a ver o presidente da República apenas nos finais de campanhas. Da mesma forma, isso ocorria com seus deputados e senadores, conforme Iris Siles, que milita em defesa dos direitos humanos nos dois lados da fronteira. Ela pediu a Evo que interceda com o presidente Lula “para que acabem com as barreiras sanitárias e alfandegárias que continuam impedindo o desenvolvimento na fronteira".
A queixa da advogada para os comunistas e petistas que engossaram o cordão de apoio à reeleição foi para que os dois presidentes flexibilizem a legislação dos dois países.
– É um pedido de empresários com negócios nos dois lados da fronteira – argumentou Siles.
Carta de apoio
Inácio Furtado Sanches, 67 anos, ex-representante comercial em São Paulo e no Rio de Janeiro, liderou a comitiva do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Radicado em Guajará-Mirim, ele entregou uma carta ao presidente boliviano, na qual reafirma apoio à linha de ações programáticas por ele adotadas.
– Elas coincidem um pouco com as defendidas por Tiradentes, que deu a vida por seus companheiros diante da repressão a cidadãos que lutavam no Brasil Imperial. Assim acontece com Evo na Bolívia que ousou nacionalizar empresas e restringir o comércio de matérias-primas ao estrangeiro.
– E fazer valer o direito dos nacionais bolivianos de competirem no mercado internacional em igualdade de condições e sem serem saqueados, arrematou.
“Acordos multilaterais serão mantidos”
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Líderes comunistas e moradores do Beni / XICO NERY
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GUAYARAMERÍN – Em entrevista à Agência Amazônia, o presidente Evo Morales reiterou a manutenção dos acordos multilaterais assinados com o Brasil, Venezuela, Cuba e agora, o Irã. Durante o encontro com Morales, o presidente Mahmoud Ahmadinejad confirmou investimentos de US$ 300 milhões na região do Platô Boliviano, nas áreas da indústria de base, de transporte de massa e aquisição de minérios, gás e petróleo.
O presidente minimizou o impacto da saída de agricultores, seringueiros e castanheiros brasileiros da faixa de 50 quilômetros de fronteira, no Departamento de Pando, entre Cobija e Brasiléia (Acre).
– Não vejo maiores entraves para se que se chegar a uma solução aos irmãos brasileiros. Eles deverão sair sim. Aqueles que quiserem sair, espontaneamente ou por força de lei, serão indenizados com valores justos por suas propriedades e esse processo deve ser acompanhado pelo governo brasileiro, bem como pelos consulados, através do Itamaraty. Já funciona um consulado sazonal em Plácido de Castro (AC).
Retomada fundiária
Evo garantiu que a maioria “quer permanecer em solo boliviano”:
– Eles serão obrigados a cumprir a Constituição e as regras fundiárias além dos limites da fronteira.
Segundo o presidente, ainda não foi estabelecida uma data para que os brasileiros deixem as áreas ocupadas, no entanto, uma vez mais foi claro: todos sairão. Para tanto, o governo boliviano nomeou uma comissão de acompanhamento da situação e ao final do censo, agora previsto para janeiro de 2010, o governo não abrirá mão da regularização fundiária e retomará as propriedades inseridas no sistema de reocupação das áreas de fronteira. Para lá irão agricultores bolivianos, os conhecidos cocaleros da região do Altiplano.
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Jovens militantes e representantes de centrais de trabalhadores foram ao aeroporto e ao ginásio de esportes prestigiar o candidato à reeleição / XICO NERY
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“Não cometemos injustiças”
Evo disse não temer a intervenção de algum organismo internacional nos assuntos internos do seu país, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU).
– Em primeiro lugar, não estamos cometendo nenhuma injustiça. Em segundo, reconhecemos, sim, a forte contribuição dada por brasileiros no desenvolvimento das áreas que ocupam no Pando e em qualquer faixa de fronteira com o Brasil.
E a reeleição?
– Por que não? Não descarto voltar o ocupar outra vez o governo do meu país. Na campanha passada precisei comprar roupas para continuar a caminhada até aos grotões – disse, referindo-se aos vilarejos afastados e mais centrais do Platô Boliviano e da região de Cochabamba.
Projeto político para o próximo mandato?
– Nosso projeto está fundamentado na transformação da Bolívia em um centro produtivo industrial e energético da América do Sul. Nosso projeto político vem dignificar e libertar a todos os bolivianos enganados pelos neoliberais.
Evo enalteceu seu governo e cutucou novamente os americanos:
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E os jovens militantes do candidato Manfredo Reyes, ex-governador de Cochabamba, que disputará com Evo as eleições do dia seis / XICO NERY
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– Hoje não só temos meios pessoais como autoridade e como pessoa humana, para levar créditos diferenciados aos campesinos e ao empresariado. Estamos mais próximos dos cidadãos e das faixas sociais mais carentes. Compartilhamos a riqueza do país com os mais pobres. Isso não acontecia desde o século passado, quando a direita mandava em tudo na Bolívia junto com os norte-americanos.
MAIS
● O candidato à vice-presidência da Bolívia pelo partido Movimento de Unidade Social Patriótica (Muspa), Michiaki Nagatani, anunciou que desistiu de concorrer no pleito. Ele integrava a chapa de Ana María Flores, única mulher candidata à presidência nas eleições marcadas para o próximo dia 6.
● O ex-vice-candidato explicou que tomou esta decisão depois de realizar "uma serena reflexão pessoal", motivada por divergências com Flores.
● Evo Morales conta com o apoio de 52% dos eleitores, uma ampla margem de 34 pontos percentuais sobre o principal candidato da oposição, Manfred Reyes Villa. A pesquisa é da Equipos Mori, que ouviu há um mês 1007 pessoas. Foi divulgada nos jornais "La Prensa", "Los Tiempos" e "El Deber".