Segunda-feira, 2 de junho de 2008 - 22h36
CHICO ARAÚJO e
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
BRASÍLIA — O uso de cobaias humanas em pesquisas de malária no Acre é bem mais antigo do que se pensa. A prática vem ocorrendo desde o ano 2000 em várias localidades do Juruá. A revelação foi feita hoje à Agência Amazônia por Carlos Sérgio de Moura, presidente da Associação dos Servidores em Endemias do Vale do Juruá. "Muita gente foi contratada naquele ano para capturar (ser cobaia) o mosquito anofelino", disse. Segundo Moura, os salários variam de R$ 550 a R$ 806. As jornadas variam de 30 a 44 horas semanais. Faz oito anos que Carlos
Moura trabalha como agente de endemias na região do Juruá. Quatro agentes confirmam à Defensoria Pública, em Cruzeiro do Sul, que foram usados como 'iscas humanas'. Um deles entregou ao defensor Jonathan Xavier fotos das experiências. Os agentes também contaram que recebiam uma média 300 picadas por dia no corpo, o equivalente a 6, 6 mil ao mês. Uma equipe de TV fez extensa reportagem sobre o caso, mas até hoje não levou ao ar.
Por iniciativa da Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos da Pesquisa Clínica (Abraspec) o caso foi parar na Justiça Federal. Desde sexta-feira, 30, o caso é estudado pelo juiz da 3ª Vara Federal do Acre, Jair Araújo Facundes. A partir de hoje, Facundes dará 72 horas de prazo para que o governo acreano se explicar sobre as experiências. Pelos cálculos da Abraspec, a condenação pelo uso de cobaias poderá chegar a R$ 774 milhões.
6,6 mil picadas por mês
Para contratar os agentes em endemias (cobaias), Moura conta que o governo do Acre lança mão dos chamados 'contratos provisórios'. "Eles fazem um concurso simples. Quando os agentes adoecem, não servem mais para o serviço, eles os demitem como ocorreu agora", diz. Desta vez, explica Moura, os agentes resolveram denunciar a prática e exigir na Justiça a reintegração ao serviço. A decisão de tornar público o caso aconteceu com a ajuda da tecnologia. Um dos agentes pesquisou na internet e descobriu que o trabalho que ele e os colegas desempenhavam era ilegal, criminoso.
Estudo sobre mosquitos
Marcílio da Silva Ferreira é um desses agentes. Ele foi contratado em 2003 pelo governo do Acre na com o auxiliar de entomologia (parte da Zoologia que trata dos insetos; insetologia). A tarefa de Ferreira era estudar os tipos de mosquitos responsáveis pela transmissão da malária no Vale do Juruá. Para alcançar seu objetivo, Ferreira tinha que se submeter a um sacrifício. Ficava entre seis e 12 horas com o corpo nu e exposto às picadas dos insetos. A exposição acontecia em locais de maior foco e nos horários de pico do ataque dos mosquitos.
De origem humilde, Ferreira diz que aceitou ser cobaia da malária por dinheiro. "Peguei 12 malárias, fiquei fraco e pedi para ser transferido de setor; não agüentava mais trabalhar para adoecer", conta ele. Ele relata: "Foram muitas madrugadas, noites de frio. Fiquei com as pernas expostas aos mosquitos. Fiz, infelizmente, porque precisava do dinheiro". Abateu-se em conseqüência das várias malárias que contraiu.
Entidade pede prisão de autoridades
BRASÍLIA – A Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos da Pesquisa Clínica (Abraspec) ingressou no Ministério Público Federal com pedido de prisão contra as pessoas que autorizaram o uso de cobaias humanas em pesquisas da malária no Acre. A entidade pede, ainda, proteção de vida aos agentes de endemias e demais testemunhas "contra qualquer mau tratamento ou intimidação em conseqüência da denúncia apresentada ou de qualquer depoimento prestado".
O pedido foi enviado hoje ao procurador da República no Acre, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, designado para o inquérito que investiga o caso. Quatro testemunhas já confirmaram à Defensoria Pública terem sido usadas como 'iscas humanas' na captura do mosquito anofelino — transmissor da malária — em áreas rurais de Cruzeiro do Sul, no Acre. Cinco dos oito deputados federais do Acre são da região. Até agora nenhum deles falou sobre o caso. Nem Ilderlei Cordeiro (PPS-AC) que, no início do mandato, fez vários discursos na Câmara abordando o avanço da malária no Juruá.
Com base nas denúncias, a Abraspec ingressou semana passada com Ação Civil Pública no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. A entidade pede a suspensão das experiências — a Abraspec as considera nazistas — e a indenização das vítimas. O valor da indenização pode chegar a R$ 774 milhões, de acordo com os cálculos da entidade.
Crime inafiançável
A Abraspec fundamenta seu pedido em dois instrumentos internacionais — o artigo 5º da Declaração de Direitos Humanos e no artigo 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — que determinam que "ninguém será sujeito a tratamento cruel, desumano e degradante". No pedido, a entidade também lembra que "é crime inafiançável agente público submeter alguém, sob seu poder ou autoridades, a intenso sofrimento físico ou mental e outros tratamentos desumanos ou degradantes que lhe pode resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima".
Em duas notas técnicas — uma da Secretaria de Saúde do Acre e outra da Secretaria Federal de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde — a Abraspec lembra que os autores das mesmas "afirmam textualmente que no Estado do Acre e na região amazônica podem ser praticadas pesquisas com seres humanos, em que estes podem ser iscas dos mosquitos transmissores da malária (doença que mata) para fins analíticos".
Segundo a Abraspec, as notas violam diversos dispositivos, entre os quais a Resolução 196/96, a Constituição Federal, o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964) e acordos de direitos civis e políticos chancelados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Como entidade de defesa do ser humano e da vida, a Abraspec pede ao Ministério Público a prisão de todos os envolvidos nas atrocidades contra os agentes.
Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião
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