Quarta-feira, 8 de maio de 2024 - 13h30
Presidente
Médici, na BR-364, a 400 quilômetros de Porto Velho, ficou seis meses sem
administrador, sem delegado, sem advogado e com um único policial. Tinha sete
mil habitantes em 1978, quando não passava de distrito. Não fosse um enfermeiro
eleito vereador chamado Noé Inácio dos Santos, a situação se prolongaria.
Noé Inácio denunciava esse clima de abandono no Plenário Bohemundo Alvares
Afonso, na Câmara Municipal de Porto Velho. E pedia duas vezes a designação de
policiais para a cidade.
Era o
jeito, pois não havia maior ressonância das barbaridades cometidas contra as
pessoas – posseiros e acusados de crimes diversos.
Direitos
Humanos? Nem para um, nem para outro. A palavra só viria a ser conhecida em
Rondônia alguns anos depois da sua fase de colonização.
O
jaguncismo fez morada em Médici. Pequenos comerciantes ficavam temerosos e
queriam ir embora do lugar por causa da criminalidade. O dono do Bar Esportivo,
Gerson Gomes, era um deles. Chegou a arrumar malas e bagagem, desacreditando em
providências das autoridades.
O último
delegado de polícia então nomeado para o distrito era Manoel Menacho.
Constatadas suas ações com requintes de violência, a Secretaria de Segurança
Pública do território afastou-o do cargo. Contava-se na subdelegacia de madeira
uma sucessão de espancamentos e torturas. “Suas vítimas apanhavam tanto que
soltavam sangue pela boca”, denunciava Noé Inácio.
Naquele
período Médici “hospedava” pistoleiros de diversas regiões, entre os quais,
Nivaldo Tenório Cavalcanti, cuja prisão havia sido expedida por carta
precatória pela Justiça do Rio de Janeiro.
O ex-administrador distrital, Fábio Coelho, era acusado por crime de assassinato e deixou a vila. O prédio da subdelegacia fora alugado a particulares e só meses depois a situação seria solucionada, paralelamente à nomeação de agentes policiais e militares.
O colono gaúcho João Cecílio Perez, coitado, não sabia “onde amarrava o cavalo” ao inteirar 46 anos em 1977 e deixar o Rio Grande do Sul, passando a morar em Chopinzinho (PR), depois em Jardim (MS), até chegar a Ji-Paraná, onde quis ser dono de um lote.
– Tava lavando umas verduras pro almoço quando recebi o primeiro tiro. A bala veio pela janela, de algum lugar aí da mata. Pegou no peito, mas não me derrubou, ardia que só. Pensei em sair correndo e fugir – ele relatou ao repórter numa cama do antigo Hospital São José (atual Astir), em Porto Velho.
A história de João Cecílio se passa no Lote Bela Vista, numa gleba comercializada pela Colonizadora Calama, em Ji-Paraná, a 367 quilômetros de Porto Velho. A Calama foi uma das empresas denunciadas por grilagem na CPI da Terra na Câmara dos Deputados, em 1977.
Em 2007, 30 anos depois do ocorrido, eu lembrava a situação desse gaúcho:
Ele passava a morar com o sogro, desde que fora abandonado pela mulher, havia 20 anos. Durante seis anos, João Cecílio derrubou mato, plantou arroz, milho, café e contraiu malária. Passou fome.
No terreiro, mais três homens lhe apontaram armas. Numa embalada, saiu de casa e passou por eles. Queria alcançar o córrego próximo. Mais tiros. Dois acertaram a barriga e o peito, o terceiro atingiu-lhe a coxa. Caiu.
– O corpo ficou amortecido. O que me tocaiou se aproximou e eu o reconheci. Era um tal de Chico, empregado da Calama. Mas por que querem me matar, se eu nunca fiz mal a vocês, nem lhes conheço direito? – perguntava a si mesmo.
Calama era a maior empresa de terras de Ji-Paraná e ali iniciara suas atividades quando a cidade ainda se denominava Vila Rondônia. Seu dono era João dos Santos Filho, o conhecido João da Calama, de Londrina.
Coincidentemente, 15 dias antes do atentado, o colono fora procurado por três homens, um dos quais, Chico. Ele imaginava que eles eram “os homens do Incra”, respondeu a todas as perguntas sobre seus hábitos, se morava mesmo sozinho, se tinha arma em casa. Entregara o mapa da mina. Tinha sim, uma velha Flaubert, espingarda que nunca teve uso no seu pedaço de terra na gleba.
Chegara ao Território Federal munido da esperança, sem conferir se a propaganda do verde Eldorado espalhada pelo Paraná tinha alguma veracidade. Só entrou na realidade quando notou que, ao contrário disso, o Incra não dava lotes. Procurou então a Calama, que vendia terras, mas não garantia a escritura. Tomou posse de 40 alqueires, a 13 quilômetros da BR-364. Para quê? A mesma terra fora vendida pela colonizadora a uma mulher conhecida por Helena.
– Você precisa morrer pra não incomodar mais o seu João — lhe disse Chico.
João Cecílio não viu mais nada. Com um revólver encostado atrás da orelha. Arrastaram-no uns 50 metros e o jogaram, desacordado, no mato.
– Quando eu acordei, meu peito estava assim de formiga por cima do sangue (coagulado). E eles ainda estavam por perto. Eles falavam que iam me enterrar. De vez em quando vinha um e me pisava na barriga. Eu não mexia um músculo, pra formigada não morder e eles pensarem que eu tava mesmo morto.
Mexeram na boca do colono e viram alguns dentes de ouro. Ameaçaram arrancá-los. Foram embora. Nem que quisesse procurar socorro, dificilmente sairia dali. Estava paralisado. Rezava para aparecer algum vizinho ou algum dos peões que iam ajudá-lo na limpeza do cafezal.
– E se aparecesse alguma onça ou cateto? Os bichos são bravos – ainda conseguia raciocinar.
Lá pelas oito horas da noite, os homens voltavam ao local, levando um rapaz. Deitou-se do mesmo jeito em que se encontrava anteriormente, imóvel, e um deles jogou a luz da lanterna sobre o seu corpo. Pisaram-lhe novamente a barriga, sacudiram o corpo. João Cecílio arrepiou-se ao ouvir frases: “Esse aí tá morto mesmo”, “Vamos enterrar ele”, “Deixa do jeito que tá, os bichos acabam com ele”.
As formigas continuaram passeando sobre o corpo do colono. Os homens foram embora, a madrugada passou, o rol raiou, e ele exclamou: “Estou salvo, meu Deus!”.
Submetido a quatro cirurgias pelo médico Ovídio Tucunduva Neto, finalmente, nosso personagem ficou fora de perigo. Quer dizer, apenas não morreu. Mas perdeu o baço, ficou surdo de um ouvido, com paralisia em uma face e, dadas a infecções do ferimento na cabeça – de onde foram centenas de insetos – perdeu uma vista.
Em 1980, João dos Santos Filho foi à festa de São João, e ali um jagunço conhecido por Neguinho da Calama o matou a tiros.
A juíza Maria Rita Capone examinava depoimentos de outros jagunços a respeito de outros crimes praticados na região. E as irregularidades na posse e nos negócios com terras seguiram inalterados por alguns anos até a instalação do Estado de Rondônia.
O caso de João Cecílio faz parte do tétrico panorama daquele período.
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Fotos: Reprodução de jornais e Montezuma Cruz
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