Quinta-feira, 10 de junho de 2010 - 04h36
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
BRASÍLIA — Provavelmente em conseqüência da memória seletiva brasileira, o que produz algum desligamento em relação a nomes, imagens e pessoas, só no final do mês passado soubemos da morte do engenheiro, jornalista e escritor Manoel Rodrigues Ferreira, aos 94 anos, dia 21 de maio, em São Paulo. Ele escreveu “A Ferrovia do Diabo”, a obra mais citada no País quando se fala da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM).
Idealizador e fundador da Sociedade Geográfica Brasileira. Um dos mais notáveis paulistas em terras do Brasil Central e da Amazônia, Ferreira produziu também “Aspectos do Alto Xingu”. Esse filme é mudo e entrou no rol dos primeiros documentários coloridos do Brasil. Foi apresentado em escolas. Durante as exibições Ferreira lia um texto e tocava um disco como trilha sonora.
Em 1944, ainda estudante do quarto ano de engenharia, conseguiu uma viagem para ver obras da EFMM. No ano seguinte, encontrou-se com o sertanista Orlando Villas-Bôas no Rio das Mortes, a quem auxiliou num tempo em que não havia ONGs (organizações não-governamentais). Não apenas tinha consciência do seu trabalho profissional, queria ir além.
Exemplo para o futuro
Ferreira, entre o Valmi Dawis de Morae e o ferroviário Silas Shockness, descendente de antilhanos que trabalharam na construção da ferrovia /ROMEU CICCONE |
Talvez esse gesto inspirasse outros jornalistas que duas ou três décadas depois chegaram aos confins de Mato Grosso e de Rondônia, firmando saudáveis parcerias com sertanistas da Fundação Nacional do Índio e, mais tarde, com o Conselho Indigenista Missionário.
Em 1959, a convite do então governador de Rondônia, Paulo Nunes Leal, Ferreira visitou o então território federal. Mergulhou fundo na farta documentação mantida desde a vinda de Percival Farquhar à Amazônia Ocidental. Nascido na Pensilvânia, Farquhar estudou na Universidade de Yale (EUA), formando-se engenheiro. Veio construir a EFMM.
Os arquivos da EFMM abasteceram o escritor. Neles constavam até mesmo cópias de certidões de óbito do Hospital da Candelária.
Capa da primeira edição do livro que notabilizou o escritor entre os rondonienses e amazônidas /ARQUIVO DA EDITORA |
Salvando a sucata
Há fatos notáveis na história de amor entre Ferreira e a lendária ferrovia. Em 1971, por exemplo, ele foi procurado por um caminhoneiro que lhe pedia um exemplar do livro, já esgotado. O escritor tinha à frente dele um homem que ajudara a transportar e vender como sucata parte do acervo da EFMM, cuja erradicação aos poucos se consumava.
O caminhoneiro contou-lhe que não obteve apoio para salvar o material. Missão quase impossível naquele ano, quando o País vivia sob o regime militar.
Restou a Ferreira transmitir a notícia ao jornal "O Estado de S. Paulo". Com isso, conseguiu impedir a total destruição da mais famosa ferrovia da Amazônia e uma das mais conhecidas no mundo.
Um motor para o missionário no Acre
BRASÍLIA — Nas suas andanças pioneiras pelo País, além de jornalista e escritor, Ferreira também foi historiador, documentarista e fotógrafo. Em Janeiro de 1941 lera notícias de que, no Território do Acre, ao fazer o recenseamento no ano anterior, o missionário Frei José Carneiro de Lima fora atacado na floresta pela terrível serpente surucucu (pico-de-jaca). Escreveu-lhe pedindo informações sobre essa cobra, desconhecida no Sul do País.
— Tornei-me jornalista ao ajudar esse missionário no Território do Acre.
O trem da EFMM, puxado pela maria-fumaça "Barão do Rio Branco" /ARQUIVO IBGE |
O frei contou-lhe tudo e também lhe relatou que seu barco naufragara num rio do interior e assim necessitava de um novo motor. Condoído da situação, pensou em ajudá-lo. Como? Ferreira era um professor, não tinha relacionamentos com ninguém fora do meu estreito, limitado mundo de trabalho,
Procurou o vespertino “A Gazeta” (da Fundação Casper Líbero). “Temeroso de nem ser recebido”, registrou ele. Os porteiros o encaminharam ao secretário do jornal, Américo Bologna, que decidiu publicar a carta do frei na edição do dia 23/03/1941, com o título “Nos Sertões do Acre”.
A partir daí, o frei passou a escrever notícias da floresta e artigos pessoais. Transformou-se em jornalista, tal qual Ferreira, “capturado” da engenharia.
— Ele foi enviando-me os artigos com fotografias que iam sendo publicados aos sábados na “Gazeta Magazine”, o suplemento cultural do jornal — escreveu na autobiografia.
Frei José se tornou um correspondente atuante: falava de tudo sobre o Território Federal do Acre, a floresta, os animais, a gente, os índios, os seringueiros, enfim, tudo sobre a Amazônia. O frei tinha um irmão, frei Peregrino. Eram os únicos da Ordem dos Servos de Maria (servitas) na região.
Publicadas as matérias, os leitores recebiam o apelo para que “alguém enviasse ao Frei José o motor do qual ele necessitava”. Depois de muitos meses, uma leitora d’A Gazeta entrou em contato com Ferreira, pedindo-lhe todas as informações sobre o motor, o endereço do frei, e enviou-lhe um novo, possante motor de centro. Mandou-lhe ainda um gerador de eletricidade e outros implementos. (M.C.)
A capital rondoniense fez festa na chegada das máquinas para a construção da BR-29. /PEQUENA HISTÓRIA DE P.VELHO-AMIZAEL SILVA |
Caminhão Ford adquirido pelo governador do então Território Federal de Rondônia, Paulo Nunes Leal. Em pé, ao lado da faixa, vemos Manoel Ferreira, Walter Bártolo e o jornalista Euro Tourinho |
JK se inspira nas reportagens e abre a BR-29
BRASÍLIA — Quinze reportagens diárias de página inteira. Ao chegar em Rondônia, o governador Paulo Leal perguntou-lhe quanto custaria o seu trabalho? Eu lhe respondi: Nada! Absolutamente nada! Nunca cobrei nada por esses serviços, e não iria cobrar agora, quando me entusiasmei com esse projeto.
— Mas, de quê o senhor vive? — Vivo da minha profissão de engenheiro. Naquele momento, eu e o governador estabelecemos um acordo sobre o meu plano, ele disse-me: Hoje mesmo vou dar uma ordem de serviços para que todos durante sua viagem o considerem como hóspede do Governo do Estado de Rondônia, e lhe prestem toda a assistência.
Dois dias depois, Manoel Ferreira iniciava a viagem pela EFMM, num trole de linha, fotografando tudo que era possível. Foi dormir numa pensão em Abunã e no dia seguinte continuou a viagem até a noite, chegando em Guajará-Mirim, fim da ferrovia.
Dias depois, subiu o Rio Mamoré, depois o Guaporé e chegou ao Real Forte do Príncipe da Beira, onde, dias depois embarcou num avião procedente do Acre e com destino a São Paulo, aonde cheguei à véspera do Natal, com mais de seiscentas fotografias, uma média de 20, diariamente. No dia sete de janeiro de 1960 “A Gazeta” anunciava o “Roteiro da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré”. No dia seguinte o jornal publicava a primeira reportagem da série.
— Na reportagem n° 14, de 27 de janeiro, sob o título “Postos indígenas brasileiro e boliviano nas margens do Guaporé”, destaquei como, numa tribo indígena aculturada, no lado brasileiro, encontrei um pote que uma enchente desse rio fizera surgir — relata em sua autobiografia. Ferreira levou a peça para São Paulo, tornando-se desta maneira o descobridor da área arqueológica de Rondônia.
— Em todas as reportagens eu mostrava os mais diferentes aspectos do Território de Rondônia, de Porto Velho ao Real Forte do Príncipe da Beira, apelando ao presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira que mandasse construir imediatamente a Rodovia BR-29, pois ela seria a primeira a penetrar na Amazônia, inclusive chegando à fronteira do Acre com o Peru, alcançando os portos do Pacífico.
A última reportagem, de n° 21, foi publicada no dia quatro de fevereiro. Novamente, ele apelou presidente da República para que mandasse construir logo a BR-29. No dia seguinte, às dez horas da noite, JK foi à televisão e em rede nacional, enquanto apontava para um mapa na parede, onde uma linha grossa e preta ligava Porto Velho a Cuiabá declarou: Quero anunciar que em data de hoje mandei que a Rodovia BR-29 Porto Velho-Cuiabá seja construída imediatamente.
Ferreira descansava de uma luta que travara sozinho, de 20 de novembro de 1959 a quatro de fevereiro de 1960. Foram 76 dias, sem descanso. Uma luta na qual gastou dinheiro, sem nada pedir a ninguém. (M.C.)
Clique aqui para conhecer a vida de Manoel Rodrigues Ferreira.
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