PEC de autoria do deputado Manoel Júnior beneficiaria três milhões de pessoas que vivem e trabalham em países estrangeiros. Desse total, apenas 80 mil votaram para presidente no último pleito.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
BRASÍLIA – Cerca de três milhões de brasileiros que residem e trabalham no exterior, responsáveis pela remessa de mais de US$ 7 bilhões anuais (números de 2007) para a economia nacional, devem ter representação no Congresso Nacional. Esta é a posição do deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), membro da Mesa Diretora da Câmara, que apresentou esta semana, no plenário, a Proposta de Emenda à Constituição nº 436, acrescentando o parágrafo § 3º ao art. 45, para conceder aos brasileiros residentes no exterior o direito de eleger seus representantes.
A maior parte do dinheiro por eles injetados no País provém dos Estados Unidos. De acordo com o “Financial Times”, esses recursos representam decréscimo, prenúncio da crise globalizada, mais grave nos EUA, em relação a 2006, quando os brasileiros enviaram US$ 7,4 bilhões. Apenas o México, face à proximidade e ao número de imigrantes, enviam mais.
A PEC, que recebeu o apoio de 171 parlamentares, inspirou-se também no estudo do jornalista e ex-assessor parlamentar da Câmara, Samuel Sales Saraiva, e do ativista comunitário Dario Santos, ambos moradores em Washington, DC (EUA) e portadores de dupla cidadania.
Na sua justificativa, o deputado Manoel Júnior disse que a representação “é da essência da Democracia”. “O foro onde se decidem questões de interesse de todos e que a todos afetam deve ter representantes das comunidades envolvidas”, defendeu.
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Deputado Manoel Júnior: direito a representação em Brasília deve se estender a todos os que vivem e trabalham no estrangeiro /DIVULGAÇÃO
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Portugal, Itália e EUA permitem
Não há pioneirismo na medida. Portugal, Itália e os próprios EUA já permitem que seus respectivos cidadãos espalhados mundo afora votem também para eleger seus representantes no Legislativo. Desde 2001, os italianos residentes fora do país têm direito de eleger 12 deputados e seis senadores. Os representantes são divididos em quatro circunscrições — Europa, Rússia e Turquia; América do Sul; América do Norte e Central; África, Ásia, Oceania e Antártica.
Pelo sistema português, os emigrantes podem votar em dois blocos eleitorais (Europa e outros continentes), para escolher quatro deputados, que legislam e editam projetos de lei no Parlamento. No caso francês, quem mora no exterior elege um conselho, que, por votação indireta, indica alguns senadores.
Estados brasileiros com população bem inferior possuem representação mínima de oito deputados. “Por que negar representantes a essa gente que vota para eleger o presidente da República, mas é impedida de eleger seu deputado, um que seja?”, ele questiona.
A PEC 436 defende pelo sistema proporcional a instituição de circunscrições eleitorais extraordinárias para eleição, por brasileiros residentes no exterior, de representantes à Câmara dos Deputados. Outra PEC, a 05/2005, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), não prevê um número exato de parlamentares. Quando a apresentou no Senado, ele sugeriu a criação de quatro postos na Câmara – para representar os residentes nos EUA, na Europa, no Japão e na África e América Latina. “Essas modificações não custariam mais do que 0,12% de todo o orçamento do Congresso”, justificou.
Tributação com representação
O parlamentar lembrou que movimento inercial de Independência das Colônias Americanas “cavalgou o princípio expresso na frase criada pelo Reverendo Jonathan Mayhew em 1750 de que não pode haver tributação sem representação”. Segundo explicou, os colonos queriam representantes no Parlamento inglês. A frase foi modificada e usada politicamente por Jonas Otis em 1765: “Tributação sem representação é tirania”.
Parlamentares para estrangeiros não seria concessão ou privilégio. “O custo dos novos representantes seriam ínfimos, considerando-se o montante de capital que eles injetam na economia brasileira. Quem contribui merece ter quem o represente diretamente; merece ter voz, não apenas a voz difusa do interesse geral, vez que os migrantes têm interesses especiais e específicos”, opinou Saraiva, que mora nos Estados Unidos há quase 20 anos.
Em 2008, o jornalista Rui Martins, que vive fora do país há quase 40 anos — os últimos 29 na Suíça —, disse a idéia de reservar vagas no Congresso para os brasileiros residentes no exterior alia-se à importância crescente dessa comunidade. “Não queremos mais uma política assistencialista para o emigrante, mas assumir a nossa história, criar uma identidade que não seja desvinculada do Brasil”, disse.
Martins lidera o movimento Brasileirinhos Apátridas (em favor dos brasileiros nascidos no exterior). Ele defende que a PEC 05/2005, do senador Cristovam Buarque deve ser discutida com o chamado “Estado do Emigrante”, que incluiria um representante direto no Poder Executivo, separado do MRE. “É preciso diferenciar o que é de interesse do emigrante e o que é interesse das relações exteriores do país”, explicou.
“Representantes da diáspora brasileira”
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Samuel Saraiva: "PEC deve atender apenas ao interesse dos cidadãos que vivem longe, com saudades da Pátria, muitas vezes a chorar como os hebreus no Exílio babilônico, lembrados no poema de Camões" /ÁLBUM DE FAMÍLIA |
WASHINGTON, DC (EUA) – Nascido em Porto Velho (RO), Samuel Saraiva já encontrou amazônidas nos Estados Unidos. “Esses brasileiros não deixaram de serem cidadãos porque emigraram em meio a crises mais agudas na economia de seu País em anos passados. Eles mantêm estreitos laços com suas origens. A remessa de US$ 7,08 bilhões 2007 é testemunha eloqüente”, disse.
A lei abre a possibilidade de criação de Circunscrições Eleitorais extraordinárias nas quais os brasileiros poderão votar e ser votados, inovando-se quanto à extraterritorialidade, com os mesmos critérios de representação adotados em nosso Código Eleitoral.
– Deve visar apenas ao interesse dos cidadãos que vivem longe, com saudades da Pátria, muitas vezes a chorar como os hebreus no Exílio babilônico, lembrados no poema de Camões “Sôbolos Rios” – disse. O poema fala das lágrimas de saudade de Sião dos israelitas às margens dos rios “que vão por Babilônia”.
Saraiva elogia “o dinâmico e socialmente sensível embaixador Oto Agripino Maia pelo que já, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, para facilitar a vida dos brasileiros que vivem e trabalham nos EUA”. Foi Maia quem criou a Carteira de Matrícula Consular, obtida gratuitamente em qualquer dos dez consulados no país.
Essa carteira é um documento de grande utilidade, pode ser instrumento para elevar substancialmente a inscrição eleitoral dos seus portadores. Dos cerca de três milhões de brasileiros residentes no Exterior, apenas 80 mil votaram nas eleições para Presidente da República.
– Como o poder dos deputados vem do povo, através do voto, certamente todos os parlamentares apoiarão essa PEC, que deve prosperar com rapidez para que a Justiça aos nossos compatriotas que residem fora do Brasil chegue o mais rápido possível. Como acentuou o incomparável Ruy Barbosa, justiça tardia é injustiça.
O QUE É DIÁSPORA
● O termo diáspora (traduzido do grego, dispersão) define o deslocamento, normalmente forçado ou incentivado, de grandes massas populacionais originárias de uma zona determinada para várias áreas de acolhimento distintas.
● O termo "diáspora" é usado com muita freqüência para fazer referência à dispersão do povo hebreu no mundo antigo, a partir do exílio na Babilônia no século VI a.C. e, especialmente, depois da destruição de Jerusalém em 135 d.C.
● Em termos gerais, diáspora pode significar a dispersão de qualquer povo ou etnia pelo mundo. Todavia o termo foi originalmente cunhado para designar à migração e colonização, por parte dos gregos, de diversos locais ao longo da Ásia Menor e Mediterrâneo, de 800 a 600 a.C.