Semente de jarina sai da floresta a R$ 2 o quilo e chega em São Paulo a R$ 90
MONTEZUMA CRUZ
AGÊNCIA AMAZÔNIA
BOCA DO ACRE, Amazonas– Sentado no banco de madeira do Terminal de Passageiros e Cargas, o caboclo Gentil Coitinho dos Santos, 50 anos, aguarda a pessoa que vai lhe oferecer um serviço extra. Está fora de casa há oito dias para acompanhar a mulher dele, Natália Ferreira de Souza, 39, até o Hospital Regional Maria Geny Lima.
O casal espera o oitavo filho. Gentil trouxe Jorge, 8. Os dois pescam para se alimentar. Pai e filho não denotam cansaço, mas alguma expectativa com o parto de que deve ocorrer a qualquer momento. Do Seringal Liege até a barranca do Rio Purus, em Boca do Acre, a viagem dura um dia. Num pequeno lote de terra, ele cultiva um pouco de banana, milho e mandioca. Vende a produção na cidade. Quanto custa uma viagem de lá para cá? – pergunta-lhe o jornalista Elson Martins, com quem o repórter da Agência Amazônia viajou à região. "Uns R$ 70", ele responde. O motor de 5,5HP consome 20 litros de gasolina mais nove litros de óleo lubrificante.
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Gentil (com o filho Jorge) procura um "bico" até a mulher ganhar criança /M.CRUZ |
Marfin Vegetal
Gentil conta que costuma colher sementes nativas no interior da Reserva Extrativista Arapixi, criada em 2006. Guarda tudo em casa e vende a semente de jarina por apenas R$ 2 o quilo ao primeiro que aparecer. Segundo registro do Museu Goeldi, de Belém (PA), atualmente vêm sendo estudadas 486 qualidades de sementes. A região amazônica deve ter cerca de 170 mil variedades de plantas.
Há três anos, uma garrafa de um litro cheia de jarina custava R$ 1 nas ruas de Belém. Hoje, uma semente está sendo vendida a R$ 20. O produto sai da Amazônia como commodity e volta com alto valor agregado – remédio, cosmético ou outro produto. Da mesma forma, vai parar em São Paulo, a 3,8 mil quilômetros de distância, onde sustenta o milionário comércio de biojóias, que compõem anéis, brincos, colares, pulseiras, braceletes e outras peças vendidas no Brasil e o Exterior.
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Boca do Acre, ponto de encontro de seringueiros do Purus /M.CRUZ |
É um colono sem título agrário que pouco sabe sobre o mercado verde no qual a semente de jarina, conhecida por marfim vegetal, se tornou uma das mais apreciadas. Ao lado dela, a andiroba e a copaíba são igualmente contrabandeadas da selva para os laboratórios de Goiânia, Belo Horizonte e São Paulo.
Gentil e tantos outros são enganados por espertos atravessadores vindos de diferentes regiões. "A jarina leva quatro anos para germinar e eu ouvi dizer que está se acabando", comenta o caboclo. Está mesmo, por um motivo simples: o preço dessa matéria-prima aumentou mais de 20 vezes e, conseqüentemente, a exploração vem ocorrendo em grandes quantidades. Não há estatística disponível, mas sabe-se que, além do artesanato, as sementes são vendidas também para projetos de reflorestamento.
Elson Martins, atualmente um dos responsáveis pelo site da Biblioteca da Floresta, em Rio Branco, aconselhou Gentil a armazenar sua produção em saco plástico e só vendê-la, a um preço mais justo, quando for à capital acreana. A biblioteca exibe sacos com sementes nativas, a maioria conhecida por comunidades indígenas acreanas.
Certificação
O Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) criou o Grupo de Trabalho de Certificação de Sementes e Produtos Artesanais, do qual fazem parte representantes do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, a Embrapa, a Universidade Federal Rural do Amazonas, o Museu Goeldi, de Belém, o Museu S.J. Liberto, da Secretaria Executiva de Trabalho e Promoção Social do Pará, o IBGE e do Centro de Educação Tecnológico e de Negócios de Rondônia.
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A canoa é o carro do seringueiro nos confins da Amazônia /M.CRUZ |
Em São Luís do Remanso (AC), a semente é extraída a partir de critérios ecológicos que asseguram a preservação da espécie. Desde 1998, ali está uma das primeiras experiências de manejo florestal de uso múltiplo da Amazônia, no qual o conhecimento tradicional dos extrativistas se une ao aprendizado técnico.
Não apenas Gentil ignora quantas anda o tal mercado verde. Ninguém até agora revelou com exatidão quantas toneladas de sementes por ano são coletadas. A falta de dados confiáveis sobre esse insumo tão especial e a inexistência de marco regulatório para o uso econômico das matérias-primas no País exigem a criação de políticas públicas e processo de certificação, a fim de garantir a sustentabilidade do artesanato feito de sementes e dos produtos florestais não-madeireiros.
70 toneladas por ano
Segundo estimativa do Sebrae no Acre, cerca de 70 toneladas por ano de sementes saem do Estado para o mercado interno e externo. Aproximadamente 4 mil famílias trabalham na coleta de jarina, açaí e paxiubão. A maior ocorrência da jarina é no Acre, responsável por 90% das sementes que estão nas biojóias.
A conversa com o caboclo é enriquecedora. Colhendo, pescando e caçando para o sustento, esse amazônida nascido no Seringal Montevidéu, no Rio Pauini, merece dias melhores. E dias melhores virão, agora que ele sabe ser parte de um mundo consumista no qual já pontificam as sementes e o artesanato produzidos na Floresta Amazônica.
Resex estadual ou federal, a dúvida amazonense
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Um verde exuberante cobre as reservas extrativistas do Sudoeste do Amazonas /M.CRUZ |
A Resex Arapixi é um caso de isolamento total. Resolveria o drama da posse da terra, da conservação e do manejo adequado dos recursos naturais. "Quem conhece a realidade do interior da Amazônia não poderia jamais discordar ou deixar de apoiar movimentos voltados para a criação de reservas extrativistas, não importa se estaduais ou federais"., lamenta o pesquisador Evandro Ferreira, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre.
Ele classifica de "capricho político" a morosidade do Governo do Amazonas em fazer funcionar as Resex de Arapixi e Unini, a pedido de 460 famílias de extrativistas do sul daquele estado.
A Reserva Arapixi, ao longo do Rio Purus, entre a desembocadura do rio Iaco e a cidade de Boca do Acre, é exemplo disso. "Por que o governo amazonense não está muito preocupado com o assunto? Politicamente as 460 famílias representam, talvez, uns 2,5 mil votos. Não elegem um deputado, quem dirá um governador. Talvez não façam nem mesmo a diferença em uma decisão apertada".
Mais unidades de conservação
As críticas do professor Ferreira encontraram ressonância. Em nota oficial, o Governo do Amazonas afirma não ser contra a criação das Resex do Unini e Arapixi. "Pelo contrário, na atual gestão foram criadas as duas primeiras reservas extrativistas estaduais da história do estado: Catuá-Ipixuna e Guariba", assinala.
Lembra ainda o Governo do Amazonas que em 2002 existiam 7,4 milhões de hectares de unidades de conservação estaduais. Ao final de 2005 o total já havia alcançado 15,6 milhões. Ao que tudo indica, a extensão territorial fala mais alto. O governo afirma que está em fase de conclusão um processo de consultas para a criação de um novo mosaico de unidades de conservação com cerca de 2 milhões de hectares em terras estaduais sob ameaça de grilagem e desmatamento.
Movimentos sociais
A Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas diz que apóia as demandas e reivindicações das comunidades do Unini e Arapixi. Contudo, argumenta não poder contrariar entendimento da Procuradoria geral do Estado para tal. Assim, propôs aos movimentos sociais representados pelo GTA e CNS, ao Ibama e ao Ministério do meio Ambiente, a rediscussão da criação de uma Resex estadual.
O problema se resume ao impasse jurídico-administrativo, explica a secretaria. "Qual esfera de governo deve criar as Resex? Os maiores prejudicados com isso são as comunidades extrativistas". Pela nota, o Governo do Amazonas se mostra disposto a arcar com os custos de uma nova consulta pública para a criação de Resex estaduais. (M.C.)
Fonte: Montezuma Cruz: Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.