Quarta-feira, 10 de outubro de 2007 - 08h41
CPI mapeia os quistos fundiários. Jagunços despejam com violência mais de 60 posseiros de uma gleba em Rondônia.
MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br
BRASÍLIA — Dona Carmelita Maria Xavier, duas vezes despejada no mesmo local, desabafa: “Jogaram os nossos mantimentos no terreiro; meu marido levou um tiro no pé e foi preso em Pimenta Bueno. Deixei 40 galinhas perto do rancho”. Clóvis Pereira Atone, da linha 9: “Minha mulher estava sozinha com quatro crianças e eles tacaram fogo no barraco; tiramos alguma coisa, mas eles queimaram o arroz e o feijão”.
Em setembro de 1978, um ano após a conclusão da CPI da Terra, o clima de violência fervilhava na Gleba Prosperidade, em Cacoal, a 480 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. A serviço dos fazendeiros paulistas Sílvio Lázaro e Moacir Ravagnani, proprietários do Grupo Bonanza, José Joaquim dos Santos, Zé Bahia, facilitou a ação policial no despejo de 55 famílias. Há pelo menos dois anos Elas impediam a formação da fazenda desde 1976.
Houve dois despejos na Gleba Prosperidade. Num deles, depois de três dias e três noites presos numa cela fedorenta, Jovino de Souza, da linha 9, conta: “Não deu tempo para pegar nada: eles apareceram às 8h. Seis jagunços mandaram a gente pôr as mãos na cabeça e depois retirar os trens pra fora de casa. Depois, fomos saber que eles jogaram tudo no Rio Machado”.
“Catem tudo, que eu vou queimar a casa!”, gritou um policial, cercado por jagunços. O casal de posseiros Florivaldo Honório Xavier e Carmelita Xavier viu o casebre ir abaixo. Por trás desses jagunços estava um certo capitão-de-Exército Antônio Domingos Sanson, que teria vindo de São Paulo para desbravar terras em Rondônia. Posseiros viram pistolas e metralhadoras nas mãos dos jagunços sob as ordens dele. Nenhum inquérito foi aberto para apurar o uso dessas armas privativas.
Confisco geral
O delegado regional de Ji-Paraná, Sidney Maio, não devolveu uma só motosserra aos posseiros. E nada se fez contra o inabalável capitão Sanson. Oficiais de Justiça eram também detestados pelos posseiros. Segundo o líder dos posseiros, Alceu de Araújo Veras, ao executar as ordens de despejo, um oficial de Justiça de Porto Velho ameaçava mulheres e crianças. E ainda mandava destruir as lavouras.
Insultadas o tempo todo na beira da cerca de arame farpado, as famílias foram impedidas de retirar a colheita de café, arroz, feijão, mandioca, milho, banana, abacaxi, e alguns porcos, patos, galinhas e cães de estimação. Duas grávidas passaram mal.
Emboscadas
Antes do despejo, semelhante ao cangaço de Lampião, Zé Bahia mandava armar emboscadas. Pressionada por políticos e advogados, a polícia identificou os atiradores: Valdir Félix, capixaba, e Pedro Correia da Costa, baiano, ambos solteiros e hábeis no manejo de grossos calibres. A essa altura, a população entrava em polvorosa: de um lado, esquentava o conflito entre índios Suruí e colonos capixabas; de outro, a matança de posseiros, entre os quais, os líderes Pedro Pereira da Silva e Silvino Dias de Moura.
Contra o chefe dos jagunços, o delegado de Cacoal, Francisco Rufino Sobrinho recebeu apenas queixas. Imune, Zé Bahia continuou andando pelas esquinas da cidade, com uma bíblia debaixo do braço. Domingos Sansão e Antonio Limeira, outros grileiros, também agiam impunemente na região
“Esta fazenda é do Moacir ou não é? Vai virar pasto ou não vai?”, gritava um jagunço, sob o som de disparos de revólveres e carabinas. Só então, relatada pessoalmente pelo posseiro João Oliveira Castro, a zombaria chegava ao conhecimento das autoridades em Porto Velho.
O juiz José Clemenceau Pedrosa Maia deu sentença favorável aos fazendeiros. A posse de 500 hectares estendeu-se para 8 mil. E as famílias foram se abrigar em ranchos de pau-a-pique, cobertos de lona. Durante um período, tinham esperança de retornar às terras. Foram apoiados pelo presidente do Sindicato Rural, Hildo Salton, e pelo padre José Simionatto.
Fonte: montezuma@agenciaamazonia.com.br - Agenciaamazonia.com.br é parceira do Gentedeopinião
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