Quinta-feira, 13 de setembro de 2018 - 14h30
Fã de Michel Temer, Cármen Lúcia dá adeus ao comando do Supremo Tribunal Federal (STF) na quinta-feira 13 com uma proeza. Nunca um presidente do STF teve a casa pichada. O prédio onde possui um apartamento em Belo Horizonte levou uns petardos de tinta vermelha em 6 de abril, um dia após a Corte negar um habeas corpus ao ex-presidente Lula e assim garantir a prisão dele.
Logo depois da pichação, Cármen conversou com alguns assessores. Um deles hoje em dia diz ter ouvido o seguinte comentário da juíza mineira: “Ele [Lula] não devia ter sido preso”.
Recorde-se: Cármen foi decisiva na prisão do petista por ter posto em julgamento o HClulista, negado a ele por 6 votos a 5, em vez de pautar duas ações que impediriam a prisão de qualquer pessoa condenada por um tribunal de segunda instância, tema em que havia mais chance para Lula.
Em 14 de agosto, a juíza de 64 anos, indicada ao STF pelo ex-presidente em 2006, recebeu uma comitiva de juristas e personalidades. E deixou em ao menos um dos presentes a impressão de realmente ter dúvidas quanto à prisão de Lula.
Foi um encontro duro para Cármen. Por uma hora, ela escutou manifestações pesadas de Adolfo Pérez Esquivel, argentino de 86 anos ganhador do Nobel da Paz de 1980, de João Pedro Stédile, líder do MST, de Osmar Prado, ator global, de Frei Sérgio, um dos que faziam greve de fome por Lula, de alguns juristas.
Prado, com quem Cármen falaria depois sobre novelas da Globo, citou a morte de Marisa Letícia, mulher de Lula, o suicídio do reitor catarinense Luiz Carlos Cancellier, acusado indevidamente pela Polícia Federal (PF), e o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL do Rio, como mortes políticas e cobrou: “Quantos outros ainda vão ter de morrer?”.
SENSIBILIZADA
No relato de um dos presentes, alguém que já tinha estado em reuniões com Cármen anteriormente, a juíza mostrou-se inusualmente “tocada”. “Sei que vocês fazem isso pelo País, não por razões partidárias”, teria dito a juíza. E, no caso específico de Lula: “Vou pensar com carinho no que vocês disseram”, “vou ver o que posso fazer”.
Oito dias depois de Cármen decidir pautar o HC de Lula, em vez das ações capazes de salvá-lo provisoriamente do cárcere, Michel Temer recebeu um emissário do petista no Palácio do Planalto. Era 29 de março, dia de uma batida da PF que prenderia amigos do presidente suspeitos de ajudá-lo em fraudes no setor portuário.
O emissário pediu a Temer para falar com o único do juiz do STF indicado pelo emedebista, Alexandre de Moraes, sobre a soltura de Lula. “Esse aí está igual ao de vocês”, teria respondido Temer, em referência ao comportamento, digamos, insensível de quase todos os nomeados por Lula e Dilma Rousseff para a corte.
LULA
No PT, há quem ainda espere algum gesto de Temer, ungido por Lula a vice
de Dilma, capaz de ajudar o prisioneiro a sair do cárcere antes do fim
do mandato do emedebista.
A partir de hoje (13), pautar aquelas duas
ações capazes de tirar Lula provisoriamente da cadeia será atribuição de
Dias Toffoli, paulista que sucederá Cármen à frente do STF. O que
esperar dele? Por ora, nada – apesar de o juiz achar que uma pessoa
deveria ser presa somente após condenada em terceira instância, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Alguns meses atrás, Toffoli
participou de um jantar em São Paulo com empresários simpatizantes do
presidenciável tucano Geraldo Alckmin e foi sondado a respeito das
ações. Comentou, segundo uma testemunha, que o papel do Judiciário é
estabilizar o País, não criar instabilidade. Para essa testemunha, não
ficou dúvida de que não pautará o julgamento das ações agora.
A
propósito: segundo a Folha de S. Paulo, Toffoli convidou para ser seu
secretário de Comunicação no STF o jornalista Marcio Aith, que ocupou
cargo equivalente no governo Alckmin e hoje é do time da campanha
presidencial tucana.
Um petista que conversou várias vezes com
Toffoli na casa deste em Brasília e hoje usa uma palavra forte para
descrever a, digamos, falta de coluna vertebral do juiz, não se ilude.
Segundo ele, as duas ações não entrarão em pauta este ano, só em 2019.
Toffoli, diz, acha que o caso Lula precisa “decantar” um pouco, que o
ambiente nos bastidores supremos é terrível.
No mundo jurídico,
aposta-se que o mais jovem presidente da história da Corte (Toffoli tem
50 anos) fará uma gestão melhor do que Cármen. Por um motivo simples: “É
impossível não ser melhor do que a Cármen”, resume um magistrado de
alta corte na capital federal.
O TEMOR À TV
Entre
colegas de toga, advogados, funcionários do STF e até assessores dela, é
difícil ouvir algo elogioso sobre a gestão de Cármen, iniciada em
setembro de 2016. No geral, a mineira de 64 anos é apontada como alguém
sem expressão e liderança, de baixa capacidade técnica na área penal, a
do momento, pouco dada ao diálogo e à sinceridade.
Há queixas
quanto à disposição dela para investigar a vida de subordinados nas
redes sociais (um deles diz ter sido alvo), de seu medo da Rede Globo
(seu gabinete estava sempre aberto a alguém da emissora), seu gosto por
frases de efeitos (contratou como assessor um frasista da web).
O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), espaço propício à reflexão sobre os
rumos do Judiciário e sempre comandado pelo chefe do STF, sumiu de
cena.
PF CONHECE ROTINA DE JUÍZES
A juíza deixou os
colegas de STF expostos à vigilância externa, ao entregar a chefia da
segurança da Corte a uma delegada da Polícia Federal, Regina Alencar
Machado da Silva. Até então, o cargo era ocupado por seguranças próprios
do tribunal.
Agora a PF conhece a rotina dos juízes do Supremo,
acumulou conhecimentos sobre os telefonemas dos juízes, entre outras.
Informações valiosas para policiais que, às vezes, batem de frente com
tribunais por causa do alcance e da duração de investigações.
“Carminha”,
como é chamada por amigos, posou inicialmente de durona no trato com
políticos, no embalo da Operação Lava Jato e do impeachment de Dilma.
Depois, recebeu em casa, de fim de semana e fora da agenda, Michel
Temer, denunciado ao STF duas vezes por crimes. A explicação? Admiração
de fã, provavelmente.
Seus sentimentos por Temer ganharam as ruas
em 7 de março, em um evento de 25 anos da Advocacia Geral da União
(AGU), o time de defensores do governo federal. Em dez minutos de
discurso, Cármen citou Temer seis vezes, a sorrir na direção dele,
parecia que o presidente era o centro da festa.
“MEU PROFESSOR”
Chamou-o
de “meu professor”, contou ter aprendido muito com ele ao tornar-se
procuradora de Minas Gerais, em 1983, época em que Temer chefiava os
procuradores paulistas. Houve até um momento confessional: “Agora,
senhor presidente, eu fiquei com uma pena de mim, porque eu não tenho
mais 25 anos...”
O encontro de fim de semana com Temer foi
evocado por aqueles militantes lulistas revoltados com o procedimento de
Cármen que levou Lula à cadeia em abril. A rua do prédio da juíza foi
pintada com os dizeres “Lula livre” e “Cármen Lúcia golpista”. E
enfeitada por um cartaz com a foto daquele encontro dela com Temer em
sua casa em um sábado de março.
Mas até que houve quem tenha
agido de forma oposta e rendido homenagens a Cármen. O cafetão de luxo
Oscar Maroni, dono do Bahamas, de São Paulo, por exemplo. Em 2016, ele
havia prometido dar cerveja de graça quando o petista fosse em cana.
Cumpriu a palavra. Na hora da cervejada, o Bahamas exibia um cartaz com a
foto de Cármen e do juiz Sérgio Moro.
VESPEIRO
Curiosidade:
Maroni é hoje candidato a deputado federal por São Paulo. Concorre pelo
partido PROS, legenda que integra a chapa presidencial do PT
A
aposta numa gestão melhor de Toffoli baseia-se também em certos
atributos do juiz, não apenas na comparação com Cármen. Ele trabalhou no
governo (Lula) e no Congresso (com o PT), tem mais traquejo
administrativo, sabe da importância de conversar com colegas, com os
outros poderes da República.
No mundo jurídico brasiliense, há
quem julgue haver pistas de que Toffoli vai mexer em um vespeiro, como
certas mordomias togadas, férias de 60 dias, penduricalhos salariais.
No
fim de agosto, ele foi a Temer acertar que, se o presidente sancionasse
o aumento salarial de 16% do STF, em troca a corte acabaria com o
famigerado auxílio-moradia. Levou para a reunião o colega Luiz Fux, que
será seu vice-presidente e é o autor da liminar que há quatro anos
universalizou a mordomia no País.
RESSURREIÇÃO DO CNJ
Também
há prognósticos de que Toffoli irá ressuscitar o CNJ e levá-lo a
debater coisas como encarceramento massivo (políticas estaduais de
prender pessoas a rodo que levaram, por exemplo, ao fortalecimento do
PCC em São Paulo), audiências de custódia (decisões sumárias e imediatas
de juízes diante da detenção de suspeitos) e qual quantidade, afinal,
caracteriza tráfico de drogas.
As várias estocadas em abusos da
Lava Jato prenuncia tempos difíceis para os juízes Sérgio Moro e Marcelo
Bretas. É por esta razão que Carminha, conta um auxiliar, dissemina que
o sucessor tem um pacote pró-impunidade de corruptos.
É possível
que Toffoli bote em julgamento no CNJ o caso do grampo ilegal
autorizado e divulgado por Moro de um telefonema da então presidente
Dilma com Lula. Um processo que Cármen nunca tirou da gaveta e que, se
for tirado mesmo, terá ao menos um voto por condenar Moro, preparado por
um certo membro do CNJ.
Pesquisa feita em junho pelo Datafolha
mostrou que 31% dos brasileiros não confiam na Justiça, número que era
de 25% em abril do ano anterior. No caso do STF, situação pior: 39% não
confiam, ante 29% em 2012.
Tentar desfazer o estrago na imagem da
Justiça mais cara (custa 1,4% do PIB) e exibida (em 2002 abriu um canal
de TV, só o México copiou o exemplo, em 2006) do mundo será um grande
desafio do novo presidente do Supremo.
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