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Montezuma Cruz

Cazumbá-Iracema, um mundo à parte nos confins amazônicos


 
Resex é um depósito de ervas medicinais, vende artesanato e farinha de mandioca. Moradores começam a criar animais. 

MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia 

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RESEX CAZUMBÁ-IRACEMA, AC – Boldo, cajuru, erva cidreira, carqueja, espinheira santa, sucupira, copaíba, andiroba, alfavaca e outras plantas medicinais que estavam se perdendo foram recuperadas. É remédio que os 1.300 moradores da Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema deixam de comprar nas farmácias de Sena Madureira. “Meu pai, Pedro Maia, morreu aos 52 anos, em 1997, mas me deixou essa herança”, conta Aldeci Siqueira Maia, 46 anos, o Nenzinho. E vai mostrando o terreno cheio dessas plantas, ao lado da casa-sede da Resex. 

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Seu Francisco Pereira (e) queixa-se da venda da borracha: "É pouco"

As famílias querem vender esses e outros produtos com a devida valorização, além de Sena Madureira, a 140 quilômetros de Rio Branco. Eles manifestaram essa vontade ao presidente do Serviço Florestal Brasileiro, Antônio Carlos Hummel, e à coordenadora do PPG7 (o maior programa mundial de conservação de florestas), Nazaré Soares, do Ministério do Ministério do Meio Ambiente, que visitaram a região recentemente, acompanhando a comitiva da Embaixada Alemã. 

Estão baratos demais esses remédios tidos como milagrosos por especialistas no setor. A copaíba, por exemplo, sai por apenas R$ 20 a garrafa, enquanto nos grandes centros custa o dobro do preço. O quilo de borracha nativa bruta na floresta não passava de R$ 1,40 no mês passado, bem menos que uma garrafa de refrigerante. 

Segundo cálculos da Embrapa-AC, o quilo de borracha úmida alcança R$ 2. Assim, um seringueiro pode obter R$ 12 mil por ano, numa área de seis hectares. Essa renda possibilita uma remuneração bruta de R$ 55,55 ao dia, ou R$ 1.333,33 ao mês durante nove meses. 

Esse território florestal é predominantemente jovem (62% da população); 30% são adultos e 8% crianças. Das trezentas famílias assentadas, 32% cortam seringa e 12% colhem castanha. Nas cerca de 60 colocações as famílias criam galinhas, capivaras, patos e porcos. Inevitavelmente, o boi também está presente, a exemplo da Resex Chico Mendes, em Xapuri, onde rendeu polêmica, porque há três décadas a pecuária derrubou muitos seringais no Acre. 

Em casas espalhadas, alguns ficam próximos às lavouras de mandioca, milho e cacau, outros, perto de igarapés e do rio Caeté. No começo funcionavam apenas três escolas na região; hoje são 13. O carro é a canoa, na qual eles amontoam sacas de farinha de mandioca, galinhas, carne de capivara e produtos derivados de látex (borracha natural). 


Capivaras e macacos 

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Artesãos, seringueiros, farinheiros e castenheiros levam seus produtos em canoas e estão apoiados pelo Programa de Áreas Protegidas da Amazônia /M.CRUZ

As capivaras são criadas em áreas cercadas com arame e madeira. Com isso, os moradores garantem o suprimento de proteína animal e reduzem a pressão exercida pela caça. Os excedentes são comercializados em Sena Madureira. No dia da visita, esses animais se distanciaram. Certamente perceberam mais vozes e movimento que as de costume. 

Moradores contaram que macacos derrubam janelas e telas de arame, para invadir o depósito de castanha situado bem próximo ao terreno onde vivem as capivaras. A área semi-extensiva tem 23 capivaras. De 2004 a 2007 a caça esteve suspensa na região. Duas antas foram levadas para o local, chegaram a dar cria a quatro filhotes e vivem soltas. 

Dois grupos, cada um com seis castanheiros e seringueiros, foram duas vezes a São Paulo, Goiás, Distrito Federal e Rio de Janeiro. Visitaram empresas e criadores de animais. Nesse período de três anos, eles também visitaram duas vezes o Pantanal Mato-Grossense. 
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Vladimir Nóbrega, do ICMBio, destaca a importância do reconhecimento nacional à Resex /M.CRUZ



Mas seu Francisco Pereira de Moura, 68, seis filhos (quatro homens e duas mulheres) e seis netos lamenta: “A gente só pode vender 350 quilos de borracha por ano. Eu já reclamei disso outro dia, numa reunião na prefeitura de Sena”. Também lamentou que “não se pode mais fazer um foguinho que a fiscalização vem brava em cima do povo”. 

Cazumbá-Iracema é um mundo à parte nestes confins entre os estados do Acre e do Amazonas. Amargando ainda uma taxa de analfabetismo de 35% na população adulta, essa gente recorre a dois postos de saúde na comunidade de Cazumbá e outro na sede do município de Sena Madureira, a duas horas de lancha voadeira. Malária, verminose, hepatite, diarréia e doenças de pele causadas por picadas de insetos são as mais freqüentes. 

Participação comunitária 

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Oscar Borreani: 630 mil euros na região e as atividades se multiplicam /M.CRUZ

A participação da comunidade faz o sucesso da segunda maior reserva em tamanho no País. “Aqui, quem decide é um conselho deliberativo, desde o usufruto do motor, do barco, a qualquer outro implemento”, diz Nenzinho. Nascido em Cazumbá, ele cortou seringa durante 15 anos e virou agente de saúde. Nos anos 1980 ingressou numa comunidade eclesial de base e trabalhou com o padre italiano Paolino Baldassari, 83, que vive na região há 45 anos. 

Até o surgimento a criação da Resex, as agruras foram grandes, lembra Nenzinho. “O Incra assentou as famílias em 1986, eu me encorajei para dizer que não ia servir, porque os 50 hectares (módulo) empurravam o seringueiro para a cidade. O castanhal ficou fora”. E assim castanheiros e seringueiros assistiram à demarcação dos 146 mil ha, mas paralisaram parte dos serviços. 

“O Boa Esperança virou fazenda”, recorda. “Fui correndo buscar parceiros e Chico Mendes (líder seringueiro assassinado em dezembro de 1988) participou da nossa organização”, conta. O coordenador do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Vladimir da Nóbrega, 42, o elogia: “Sem ele a reserva não existiria”. 

Emoção de ver o presidente 

No ano da morte de Chico, apoiados pelo padre Paolino e pelo então bispo da Prelazia Acre-Purus, dom Moacir Grechi, os 
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Aldeci Siqueira, o Nenzinho: líder da reserva, formou-se agente de saúde numa comunidade eclesial de base /M.CRUZ

seringueiros engajaram-se numa forte base da Igreja e exigiram o reconhecimento. “Minha maior emoção foi assistir o presidente Lula assinar o decreto da reserva, no palácio. Depois disso, com “folga espiritual”, iniciou, de casa em casa, a sensibilização de seringueiros e castanheiros”, a essa altura também com o apoio da organização não-governamental WWF. 

Planos de uso e manejo são essenciais para a vida do povo de Cazumbá-Iracema. Por isso mesmo, o Programa de Biodiversidade Brasil-Itália (PBBI) estudou as vocações de cada família. Doze mulheres trabalham atualmente com produtos de látex. A Cooperação Alemã chama esse modelo de manejo florestal comunitário.

Áreas protegidas da Amazônia 

É uma atividade diferenciada, porque presta serviço e leva experiências a outras comunidades. “O filho mais velho vai cuidar do filho mais novo”, comenta Nenzinho. Otimista, lembra que essa gente não quer perder as origens. “Eu mesmo quero ficar para sempre aqui. Tenho quatro filhos, um adotivo e acredito que agora temos identidade perante as autoridades e o respeito dos companheiros”, acrescenta. 

Para o coordenador do PBBI, Oscar Borreani, 63, a multiplicação de atividades vem coroar a cooperação técnica iniciada há seis anos e que resultou no investimento de 630 mil euros. “A primeira fase teve quatro projetos locais e um transversal; hoje contamos com oito atividades, entre elas, a fabricação de óleos vegetais, o cultivo de plantas medicinais e inseticidas, a criação de abelhas sem ferrão, a fabricação de produtos de látex, a colheita da castanha, a criação de gado de subsistência. “Foram indicações apresentadas pela comunidade”, faz questão de frisar Borreani. 

PBBI e ICMBio trabalham em parceria permanente. A Universidade Federal do Acre, a Embrapa e o Instituto Agronômico de Oltremari (via Ministério das Relações Exteriores da Itália) ampliam essa aliança de resultados satisfatórios. 


Compradores estão a quatro mil quilômetros do Acre 
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Boi está presente na Resex: segundo a coordenadoria, para subsistência das famílias /M.CRUZ

CAZUMBÁ-IRACEMA – Porém, quando o assunto é negócio, a distância da capital e de outros grandes ainda entristece os artesãos, sempre dispostos a encontrar maior mercado para os seus produtos. Por enquanto, eles trabalham, fazem planos e cobram sempre à Prefeitura de Sena Madureira a solução de problemas diversos. 

Certificados pela Fundação Banco do Brasil (FBB), e com financiamento do CNPq e do Sebrae, eles esperam parcerias essenciais para conquistar mercado. “Este é o nosso maior problema”, queixa-se Nenzinho, em nome dos artesãos. Cavalinhos, oncinhas e araras bem confeccionados e pintados com tinta multicor são vendidos a R$ 10 para compradores de feiras situadas em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Distrito Federal – alguns, a 4 mil quilômetros de distância do Acre. 

O porta-lápis custa R$ 8, o jogo americano, R$ 10; os modelos de saias encauchadas são vendidos por R$ 20 e R$ 30; a toalha de mesa de 1m X 1,80m, a R$ 60. 

Apoiado financeira e tecnicamente pelo Banco Mundial, pela Cooperação Alemã e pelo WWF, o Projeto de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) protege uma reserva com cipó-timbó, açaí, patauá, bacaba, cajá, cipó-de-ambe, bacuri, sementes diversas, jatobá, palmito, pupunha, copaíba, breu-branco, cupuaçu, sucuba e buriti. Látex, fibras e pimentos vegetais fazem parte da linha de tecnologias sociais apoiadas pela FBB. 

Cazumbá-Iracema faz parte do Arpa, que começou a ser executado em 2003 e atualmente conta com 34 milhões de hectares conservados, dentro do objetivo de alcançar 50 milhões/ha até 2012, o que representa 12% do bioma sob proteção. “É uma meta grandiosa e trabalhamos para consolidá-la”, comenta o diretor de Programas de Manejo de Recursos Naturais do KFW (banco alemão), Jens Ochtrop. (M.C.) 


ONDE FICA 

▪ Criada por Decreto Federal s/nº em 19 de setembro de 2002, a Resex com 748,8 mil hectares localiza-se nos municípios de Sena Madureira e Manoel Urbano. Limita-se ao norte com a Terra Indígena do Alto Rio Purus e, ao sul, com a Floresta Nacional de Macauã. Possui formações de floresta densa e floresta aberta. 

▪ Possui quatro comunidades. Durante a época das chuvas, o acesso terrestre à unidade desde Sena Madureira fica interrompido. No final da seca, a diminuição dos caudais impede o acesso fluvial. 

▪ As famílias extraem borracha e castanha-do-pará, plantam lavouras e criam gado bovino para subsistência. 


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Fonte: Montezuma Cruz -  A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião e do OpiniaoTV.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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