Sexta-feira, 10 de setembro de 2010 - 14h12
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Massacres cruéis. No primeiro, os seringalistas João e Luiz Dantas mataram indígenas Oro Win, “porque eles flechavam os seringueiros”. No segundo, entre 1962 e 1963, no Igarapé Teteripe (ou Tabocal), jagunços do Seringal do Arquinda (dono do Alto Cautário) abriram as barrigas de mulheres grávidas, atiraram crianças de peito para o alto e as apararam na ponta de terçados. O velho Salomão Oro Win perdeu a mulher, um filho e seus irmãos. Ele mesmo enterrou os corpos.
Para se avaliar as conseqüências nefastas da invasão ao território indígena nos anos 1970 em Rondônia é preciso conhecer o que aqui ocorreu na década anterior, em 1963. Restavam 57 Oro Win, mas o sarampo e a gripe reduziram-nos a 31.
O seringalista Manuel Lucindo da Silva organizou uma expedição na cabeceira do Rio Pacaás-nova, para contatar os Oro Win. Ele era dono do Seringal São Luiz, em Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com a Bolívia.
Sem êxito, Lucindo decidiu “punir os índios”. Segundo o Processo-Crime 6.362/78, participaram da expedição Luiz Barbosa, Raimundo Bezerra e Francisco Marinho, e os índios Valdemar Cabixi e Tem Noi Pacaá-nova. O grupo alcançou a aldeia e foi atirando para todo lado. Alguns índios baleados conseguiram fugir para a floresta, mas não resistiram. Saldo: nove mortos, dos quais, cinco crianças, um adulto, dois idosos e uma jovem.
Uma idosa e duas crianças não morreram na hora, mas foram posteriormente executadas pelo seringalista Lucindo, disse no processo-crime o índio Hotor Oro Win, filho de Salomão, que os sepultou. Os documentos judiciais traduzem a barbárie: Maria Mixem Toc Oro Win, mulher de Hotor implorou pela vida e só não foi liquidada por interferência de Valdemar Cabixi.
Juntamente com alguns feridos, levaram-na para a sede do seringal, mas no meio do caminho Maria percebeu que os outros índios ficaram para trás. Ouviu tiros. Encarcerada no seringal, ela apanhou bastante, mas um dia conseguiu fugir. Lucindo ordenou a Cabixi que a capturasse novamente. E assim ele fez, chegando armado à aldeia, onde deparou com índios desnutridos e apavorados.
Sem alternativa, os Oro Win se viram cercados pelos seringalistas de um lado e pelos Uru-eu-wau-wau de outro. Renderam-se. Um mês depois, Lucindo mandou incendiar as malocas. A resistência veio em seguida: os índios escaparam, chegando às margens do Rio Parati, onde ficava o seringal do Sr. Miranda Cunha, que pediu a Lucindo autorização para que Cabixi “resolvesse problemas” em sua área.
Seringueiros estavam abandonando as colocações e isso representava prejuízo para Miranda. Cabixi localizou novamente os índios e os levou para o Seringal São Luiz, mas oito deles fugiram. Salomão buscou-os e teve início, então, um período de escravidão indígena. Em troca do trabalho que começava de madrugada, eles recebiam peças de roupa e comida. A escravidão indígena durou até os anos 1970.
As mulheres sofreram mais: foram estupradas por jagunços e por familiares do seringalista. Nessa mesma década, no Paralelo 11, em Mato Grosso, jagunços das famílias Arruda e Junqueira matavam a tiros e a golpes de facão homens e mulheres Cinta-larga. Naquele estado e em Rondônia o extermínio indígena provocado por fazendeiros e seringalistas expôs a perversidade amazônica, algo que fez escola até para o trabalho escravo branco, que se repetiu no Vale do Guaporé até os anos 1990.
Os Oro Towati, por eles próprios autodenominados, são remanescentes de um povo com sete clãs, todos dizimados e extintos. Cultivavam farinha de mandioca, feijão, milho, bananas, galinhas e plantas medicinais nas aldeias Pedreira e São Luiz, na cabeceira do Rio Pacaás-nova e nas margens do Igarapé Água Branca. No entanto, sua área tradicional fica dentro da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, que foi homologada pelo Decreto nº 275/91.
A Funai transferiu os Oro Win para o Posto Indígena Rio Negro Ocaia e lá eles conviveram com os Wari’, dos grupos Oro Nao, Oro Eo e Oro At. Existem e resistem.
Índios do município de Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia /CADERNOS DA DIOCESE |
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