Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Chacinas indígenas marcaram para sempre a Amazônia Ocidental



RONDÔNIA DE ONTEM


Chacinas indígenas marcaram para sempre a Amazônia Ocidental - Gente de Opinião
 

MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias

 

Massacres cruéis. No primeiro, os seringalistas João e Luiz Dantas mataram indígenas Oro Win, “porque eles flechavam os seringueiros”. No segundo, entre 1962 e 1963, no Igarapé Teteripe (ou Tabocal), jagunços do Seringal do Arquinda (dono do Alto Cautário) abriram as barrigas de mulheres grávidas, atiraram crianças de peito para o alto e as apararam na ponta de terçados. O velho Salomão Oro Win perdeu a mulher, um filho e seus irmãos. Ele mesmo enterrou os corpos.


Para se avaliar as conseqüências nefastas da invasão ao território indígena nos anos 1970 em Rondônia é preciso conhecer o que aqui ocorreu na década anterior, em 1963. Restavam 57 Oro Win, mas o sarampo e a gripe reduziram-nos a 31.


O seringalista Manuel Lucindo da Silva organizou uma expedição na cabeceira do Rio Pacaás-nova, para contatar os Oro Win. Ele era dono do Seringal São Luiz, em Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com a Bolívia.


Sem êxito, Lucindo decidiu “punir os índios”. Segundo o Processo-Crime 6.362/78, participaram da expedição Luiz Barbosa, Raimundo Bezerra e Francisco Marinho, e os índios Valdemar Cabixi e Tem Noi Pacaá-nova. O grupo alcançou a aldeia e foi atirando para todo lado. Alguns índios baleados conseguiram fugir para a floresta, mas não resistiram. Saldo: nove mortos, dos quais, cinco crianças, um adulto, dois idosos e uma jovem.

Gente de Opinião
Uma idosa e duas crianças não morreram na hora, mas foram posteriormente executadas pelo seringalista Lucindo, disse no processo-crime o índio Hotor Oro Win, filho de Salomão, que os sepultou. Os documentos judiciais traduzem a barbárie: Maria Mixem Toc Oro Win, mulher de Hotor implorou pela vida e só não foi liquidada por interferência de Valdemar Cabixi.


Juntamente com alguns feridos, levaram-na para a sede do seringal, mas no meio do caminho Maria percebeu que os outros índios ficaram para trás. Ouviu tiros. Encarcerada no seringal, ela apanhou bastante, mas um dia conseguiu fugir. Lucindo ordenou a Cabixi que a capturasse novamente. E assim ele fez, chegando armado à aldeia, onde deparou com índios desnutridos e apavorados.


Sem alternativa, os Oro Win se viram cercados pelos seringalistas de um lado e pelos Uru-eu-wau-wau de outro. Renderam-se. Um mês depois, Lucindo mandou incendiar as malocas. A resistência veio em seguida: os índios escaparam, chegando às margens do Rio Parati, onde ficava o seringal do Sr. Miranda Cunha, que pediu a Lucindo autorização para que Cabixi “resolvesse problemas” em sua área.


Seringueiros estavam abandonando as colocações e isso representava prejuízo para Miranda. Cabixi localizou novamente os índios e os levou para o Seringal São Luiz, mas oito deles fugiram. Salomão buscou-os e teve início, então, um período de escravidão indígena. Em troca do trabalho que começava de madrugada, eles recebiam peças de roupa e comida. A escravidão indígena durou até os anos 1970.


As mulheres sofreram mais: foram estupradas por jagunços e por familiares do seringalista. Nessa mesma década, no Paralelo 11, em Mato Grosso, jagunços das famílias Arruda e Junqueira matavam a tiros e a golpes de facão homens e mulheres Cinta-larga. Naquele estado e em Rondônia o extermínio indígena provocado por fazendeiros e seringalistas expôs a perversidade amazônica, algo que fez escola até para o trabalho escravo branco, que se repetiu no Vale do Guaporé até os anos 1990.
 

Os Oro Towati, por eles próprios autodenominados, são remanescentes de um povo com sete clãs, todos dizimados e extintos. Cultivavam farinha de mandioca, feijão, milho, bananas, galinhas e plantas medicinais nas aldeias Pedreira e São Luiz, na cabeceira do Rio Pacaás-nova e nas margens do Igarapé Água Branca. No entanto, sua área tradicional fica dentro da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, que foi homologada pelo Decreto nº 275/91.


A Funai transferiu os Oro Win para o Posto Indígena Rio Negro Ocaia e lá eles conviveram com os Wari’, dos grupos Oro Nao, Oro Eo e Oro At. Existem e resistem.


 

Chacinas indígenas marcaram para sempre a Amazônia Ocidental - Gente de Opinião
Índios do município de Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia /CADERNOS DA DIOCESE


 


 

Siga Montezuma Cruz noGente de Opinião

 
www.twitter.com/MontezumaCruz
 
 


ANTERIORES

 

'O coração do migrante é verde'

O futuro no Guaporé, depois Cone Sul


Coronel é flagrado de madrugada, levando peões para o Aripuanã

 

O gaúcho Minski, rumo a Cerejeiras

► Valdemar cachorro, o 'compadre' dos índios

► Policiais paulistas 'invadem' Rondônia 
    na caça aos ladrões de cassiterita


► TJ manda libertar religiosos e posseiros
     após o conflito  da  Fazenda Cabixi


► A sofrida busca do ouro no Tamborete,
    Vai quem quer  e  Sovaco da Velha


► Aquela que um dia foi Prosperidade


► Energia elétrica a carvão passou raspando

 

► Cacau chega à Alemanha, sob conspiração baiana

► Ministro elogia os 'heróis da saúde'

 
► Naqueles tempos, um vale de lágrimas



Publicado semanalmente neste site, no RondôniaSim e no Correio Popular.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”

“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”

Desde 2023, o presidente da Seccional OABRO, Márcio Nogueira ordena a visita a pequenos escritórios, a fim de amparar a categoria. “O jovem advogado

Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025

Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025

A Associação Casa da União Novo Horizonte, braço da Beneficência do Centro Espírita União do Vegetal, espera mais voluntários e doadores em geral pa

PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho

PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho

Mesmo tendo iniciado no Direito trabalhando no escritório do notável jurista Evandro Lins e Silva, no Rio de Janeiro, de postular uma imprensa livre

"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta

"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta

Pequenos agricultores de 15 famílias assentadas em Joana D’Arc e na linha H27, na gleba Rio das Garças, ambas no município de Porto Velho, ouviram o v

Gente de Opinião Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)