Quarta-feira, 6 de outubro de 2010 - 18h27
Na porta do consultório número cinco, pacientes, em sua maioria brasileiros e bolivianos, aguardam a vez para cirurgias gratuitas /MONTEZUMA CRUZ |
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
COBIJA (Pando, Bolívia) – Umbelina y su acompañante, por favor! – convoca em voz alta a médica Rose na porta do consultório nº 5. Em seguida, separa pacientes de catarata e carne crescida. Olhos fixos na porta e na médica, cerca de 40 pessoas aguardam a vez para a consulta. No mesmo dia, a maioria terá a oportunidade de se submeter a cirurgias gratuitas feitas rotineiramente pela Operación Milagro, coordenada por médicos cubanos em países sul-americanos.
A melhor novidade na fila dos brasileiros que chegam ao Hospital General Roberto Galindo Teran é o atendimento distinto a cada pessoa, algo que faz a diferença nesta cidade amazônica, capital do Departamento de Pando e da Província Nicolas Suarez, ao lado de Brasiléia, a 234 quilômetros de Rio Branco, capital acreana.
“Aqui se vacuna todos los dias” – lê-se numa placa na entrada do hospital, guarnecida por soldados na guarita, à direita. O cuidado com a vacinação permanente se deve à ocorrência de doenças endêmicas, explica o boletim da Direção de Saúde do Pando.
O “alerta sanitária” afixado nas paredes do corredor revelam que uma criança de 11 anos morreu de difteria em Tarija e uma mulher foi atendida a tempo.
Às 8h50 de uma terça-feira os pacientes vindos em sua maioria de cidades do Acre estão ansiosos pela chamada. Alguns se levantam das cadeiras e circulam em volta do pequeno jardim. Nesta manhã, três médicas e dois médicos se revezam nas salas números cinco e dez. Após cada consulta, um deles caminha de mãos dadas ou sobre os ombros dos pacientes.
À tarde, após as cirurgias com raio laser, pessoas idosas saem da sala com o tampão nos olhos, permanecem algum tempo sentadas nos bancos próximos às paredes e conversam. Tudo é muito simples. Com a data do retorno marcada pontualmente para sete ou 15 dias, elas se despedem e vão para casa.
Estima-se um total de mais de 2,5 mil cirurgias de catarata e carne crescida a cada ano no Hospital Geral. Brasileiros e bolivianos são os principais pacientes.
Rondoniense atendido no Hospital de Guayaramerín. Estima-se um total de mais de 2,5 mil cirurgias de catarata e carne crescida a cada ano, no Pando e no Beni /XICO NERY |
Hildaci, 72, fez duas cirurgias este ano
COBIJA – Às 4h30 da madrugada o repórter viaja de Rio Branco para Cobija, acompanhando Hildaci Veras do Nascimento, 72 anos. O genro José, funcionário do governo estadual, é o motorista. Cearense, mãe de quatro filhos, Hildaci tem três netos e um bisneto. Parece apreensiva, apesar de já estar recuperada do olho esquerdo: “Será que a mesma doutora vai me atender hoje? ...ela é tão boazinha” – indaga. Julia estava de plantão, sim. Sorrisos.
José e a mulher dele param o carro uma só vez na rodovia BR-317 para o lanche – cafezinho, pingado, suco, salgados e tapioca – numa lanchonete em Capixaba. Hildaci desembarcou em Cobija com a mesma sorte que teve na vez anterior: em menos de uma hora de espera ela obteve a confirmação do exame de raio X para as 13h e, em seguida, a cirurgia de catarata. Pacientes com diabetes ou que estejam consumindo medicamentos de rótulo preto ganham cuidados especiais e não são operados imediatamente, a exemplo do que ocorre com a maioria.
A discrição é visível. O jaleco branco cobre blusas de outras cores – calças compridas também. O telefone celular toca uma salsa (ritmo cubano) e uma das médicas conversa animadamente com um paciente boliviano. A cada minuto a movimentação na fila surpreende. Elas deixam os consultórios para perceberem a reação dos pacientes nas filas e nos bancos do hospital.
De volta a Rio Branco, o genro José conta-me que a sogra está “enxergando tudo” e já lê novamente a Bíblia, sem a necessidade de óculos. Outro feliz paciente dos médicos cubanos é o coronel da reserva Perli Dias, também da capital acreana.“Sou testemunha dessa ajuda humanitária prestada pela equipe do governo cubano em Cobija” – ele comenta. Perli operou as duas vistas e saiu da Bolívia refletindo: “Tinha que ser assim também no Brasil”.
Quem necessitar dormir em Cobija encontrará hotéis cujas diárias estão na faixa de R$ 30 a R$ 100. (M.C.)
Médicos cubanos atuam na Venezuela, no Peru e na Bolívia, conveniados pela Operación Milagro / CAMANGUEY BLOGSPOT |
Cirurgia simples, indolor e eficaz
COBIJA e GUAYARAMERÍN – Até então sem se identificar profissionalmente, o repórter entra na fila de consultas. “Senõr, deje amadurar (amadurecer) e volva acá dentro de um año”, determina-me a médica loira com menos de 1m70, depois de examinar-me. Ou seja, o escurecimento do cristalino das minhas vistas ainda não me impede de enxergar bem. “Esto é próprio de su idad, señor”, assinala na ficha e me tranqüiliza a doutora Julia. Há diversas situações assim.
A cooperação com as populações sul-americanas é importante, reconhecem as autoridades de saúde locais.
Segundo o doutor Francisco, um sorridente e atencioso médico negro cubano, não há tanta razão para admirarmos a solidariedade da Operación Milagro. “Esta es nuestra rotina, sin mirar a quién”, ele diz. E me ensina o caminho para o alojamento da equipe, um casarão com fotos de Fidel Castro e Che Guevara, na Avenida Nove de Fevereiro. Fui lá, mas o coordenador da equipe, doutor Fernando, estava numa longa reunião e não pôde me atender antes do retorno a Rio Branco.
A cirurgia de catarata é indolor, corrige o embaçamento visual causado pelo envelhecimento do cristalino, dando fim à catarata. Evoluiu bastante em três décadas. Os resultados dão mais segurança e conforto aos pacientes. Carne crescida é uma pequena membrana avermelhada na superfície do olho, que prolifera em direção à córnea. Nesse caso, logo após a cirurgia, os pacientes são “reagendados”, caso haja necessidade de novos procedimentos.
Estima-se que mais de dois mil brasileiros já passaram pela clínica instalada no Hospital Geral de Guayaramerín, muito freqüentado também por bolivianos de Riberalta, próxima dali. Há dois anos chegam ali pacientes vindos do interior do Estado de Rondônia, conta a clínica geral, especialista em medicina interna (do corpo) e mestra em saúde pública, Yasmin Bermudes.
Hildaci, moradora em Rio Branco, já operou as duas vistas e está satisfeita: voltou a enxergar bem /MONTEZUMA CRUZ |
"Carne crescida"
– Além de deixarem o hospital, na volta para o Brasil, com os remédios prescritos, na bagagem totalmente de graça – ela explica. Yasmin é coordenadora das equipes de médicos cubanos. Fala pouco. O tempo todo ela está envolvida com esse trabalho solidário.
– Fazemos os procedimentos que todo o sistema de saúde deveria proporcionar aos cidadãos do mundo – ela diz.
– Eles atendem com boa vontade, muita paciência e com a dignidade que toda pessoa merece. A maioria dos doentes procura tratamento de visão, cirurgias de catarata (doença causada pelo escurecimento do cristalino), ortopedia e cardiologia – conta Ana Maria, conhecida por Ana da Linha 8, numa referência ao Projeto de Assentamento Sidney Girão, no município de Nova Mamoré, a 322 quilômetros da Capital, Porto Velho. Ela trabalha na sede do projeto. (M.C.)
Em Cobija, capital do Pando, o Hospital Geral é referência no tratamento da visão. Diariamente faz cirurgias e aplica vacinas em crianças e adultos / MONTEZUMA CRUZ |
Amazônia tem carência de oftalmologistas
BRASÍLIA – A cada ano o mercado de trabalho brasileiro recebe cerca de 480 novos médicos oftalmologistas. É o maior número de novos especialistas no mundo. Mesmo assim, os estados da região amazônica convivem com as principais doenças de visão e não têm médicos suficientes para socorrer a sua população.
No extremo-norte brasileiro, o Amapá possui apenas seis oftalmologistas, ou seja, um para 117.462 pessoas, conforme o relatório “As condições de Saúde Ocular no Brasil”, editado em 2009 pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Segundo o relatório, Roraima tem apenas dez profissionais nessa área; Acre, 13; Rondônia, 41; Amazonas, 105; e Pará, 152.
Mais da metade de todos os oftalmologistas da América do Sul estão no Brasil. Eles dão preferência para as capitais e grandes cidades, a exemplo dos profissionais de outras especialidades. Rio, Brasília e São Paulo (3.793, um por 10,5 mil pessoas) concentram 40,75% dos oftalmologistas brasileiros, numa área onde estão 31,36% da população nacional, de 183,9 milhões de habitantes, segundo o IBGE.
Com um médico por 8,4 mil pessoas, o Distrito Federal (289) ultrapassou o Rio de Janeiro (1.780, um por 8,6 mil). Brasília é a campeã de oftalmologistas por habitante. Na capital paulista trabalham 14% dos especialistas brasileiros. A Organização Mundial de Saúde sugere como ideal, a proporção de um oftalmologista para cada 20 mil habitantes. No Brasil, a proporção é de um por 12,7 mil. (M.C.)
Brasil tem mais de três milhões
de deficientes visuais
BRASÍLIA – As três maiores causas de cegueira no mundo e no Brasil são doenças que acometem, sobretudo, idosos: catarata (escurecimento do cristalino), glaucoma e degeneração macular relacionada à idade. Até 1997 existiam cerca de 600 mil cegos por catarata no Brasil. Mas ela é uma doença curável. Estima-se que a cada ano surjam 552 mil novos casos.
Desde o final da década passada, com o funcionamento dos mutirões da saúde da visão aumentou o número de cirurgias de 50 mil para 200 mil por ano. Um resumo da situação amazônica: em 2005 o pico de cirurgias alcançou 331,4 mil. O Pará fez 108,8 mil; o Amazonas, 33 mil; Rondônia, 6 mil; Roraima, 3,7 mil. e Acre, 2,1 mil.
Para o glaucoma há necessidade de se aumentar a oferta de consultas e tratamento, incluindo colírios hipotensores e cirurgias nos centros de especialidade do SUS.
A educação em saúde ocular deve fazer parte de programas de família para que pessoas com maior risco, mais de 50 anos e familiares com glaucoma ou cegos pela doença tenham oportunidade de avaliação oftalmológica e tratamento.
A prevalência de cegueira no País é estimada em 0,5% da população, cerca de 900 mil pessoas. Outras três milhões de pessoas devem estar na situação de deficiente visual. Com número de cirurgias adequado o Brasil deve chegar ao ano de 2020 com cerca de 400 mil cegos, se o número de cirurgias ficar abaixo de dois mil por milhão de habitantes ao ano. (M.C.)
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