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Gente de Opinião

Montezuma Cruz

COBAIAS


 
Acre pode devolver dinheiro
por uso de cobaias humanas

 
CHICO ARAÚJO e
MONTEZUMA CRUZ
AGÊNCIA AMAZÔNIA
 
 

BRASÍLIA – A Associação Brasileira de Apoio e Proteção aos Sujeitos da Pesquisa Clínica (Abraspec) ingressou na quarta-feira no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região com ação civil pública contra a União Federal e o governo do Acre. Em 2003, o governo acreano contratou para as pesquisas diversos agentes de endemias. Nove agentes confirmaram o caso. Eles passaram a auxiliar serviços de entomologia (parte da zoologia que trata dos insetos, insetologia). Suas tarefas consistiam em estudar os tipos de mosquitos anofelinos transmissores da malária. Recebiam, em média, R$ 850 pelo serviço.

O Ministério da Saúde autorizou o registro de funcionamento de dois comitês de ética em pesquisa com seres humanos no Acre, em 2001 e 2005. Um deles é vinculado à Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), outro, à Universidade Federal do Acre (Ufac). Ignora-se qual deles se responsabilizou pela consolidação dos resultados do estudo dos tipos de anofelino que atacam no Vale do Juruá, onde ocorre a maior incidência de malária no estado. 

Se houver condenação, o governo terá que indenizar os agentes. A indenização seria pecuniária, em razão de dano moral. "Um lenitivo que atenua, em parte, as conseqüências do prejuízo ou dano sofrido", assinala a Abraspec. A ação classifica de "conduta omissiva dolosa" a possibilidade de o governo acreano "inflar os números de malária para conseguir mais dinheiro do governo federal".

O governo estadual está sujeito a devolver aos cofres da União todo o dinheiro recebido nos últimos cinco anos, com a repetição do indébito, originariamente recebidos para combate à malária.

"Prática nefasta"
 
Um dos agentes, Marcílio da Silva Ferreira, contou que se submetia a picadas com o corpo nu, até por 12 horas, durante o dia, à noite e nas madrugadas. Ferreira disse que precisava do dinheiro, mas não escapou de contrair 12 malárias. Outros agentes confirmaram à Defensoria Pública, em Cruzeiro do Sul (a 710 quilômetros da capital ao Acre), que se submeteram às pesquisas há mais de três anos. O agente Jamisson Rodrigues foi demitido pela Secretaria Estadual de Saúde após relatar a situação à Defensoria.
 
Assinada pelo presidente da entidade, advogado Jardson Bezerra, a ação pede antecipação de tutela. "O que ocorre no Acre se assemelha ao nazismo e holocausto dos tempos de Adolf Hitler, e não se pode aceitar a continuidade dessa prática nefasta", reafirmou Bezerra na ação. Em nota oficial divulgada três dias após a primeira denúncia, a secretaria negou a prática.
 
"A atração humana é a técnica de captura do mosquito feita sem o contato direto com a pele, coletando-o no momento em que pousa, com proteção dada pelo uso de barreiras mecânicas como fardas adequadas e demais equipamentos de proteção individual", alegou. A Abraspec protesta: "O órgão subestima a exposição dos seus agentes entomológicos às picadas do mosquito, conforme eles próprios relatam". Para a entidade, eles foram iscas.
Repercussão

O uso de cobaias pelo governo ocorre desde 2003 e se tornou público no dia 18 de maio, quando o jornalista Francisco Costa o divulgou no seu blog Repórter24horas, em Rio Branco. A Agência Amazônia publicou reportagens e a repercussão aumentou. Logo, publicações e emissoras de televisão do sul do País se interessaram pelo assunto. 

Embora anunciasse a abertura de procedimento administrativo para apurar o caso, a Procuradoria da República até o momento não se manifestou. Nenhum parlamentar do Acre comentou a situação, nem mesmo o deputado federal Ilderlei Cordeiro (PPS-AC), que pertence à região onde trabalham os agentes submetidos à pesquisa. Em Cruzeiro do Sul, o defensor Jonathan Xavier abriu processo de instrução para apurar a denúncia.

Nota dos Editores: segundo o site Jus Navigandi, antecipação de tutela é o afastamento do procedimento normal de conhecimento e solução do conflito para trazer a lume uma decisão sobre a controvérsia levada a Juízo, decisão essa  que ordinariamente não poderia ser prolatada nesse momento processual. A ação da Abraspec determina que o Governo do Acre para imediatamente de submeter seus funcionários, no cargo de agentes de endemias, às atividades e estudos sobre os anofelinos, independentemente do trânsito em julgado.   

"Não se põe em risco a vida
 ou a saúde de pessoas"
  

BRASÍLIA – A Abraspec invoca o princípio constitucional de dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. "Por ser o Estado do Acre um ente federativo, este não pode cometer lesão dolosa e acarretar perigo para a vida ou a saúde contra ninguém". E acusa o governo por "prática inescrupulosa, ao obrigar agentes de endemias contratados a participar de experiências em que recebem não menos de 300 picadas por dia, dos mosquitos da malária. "São cerca de 6.600 picadas em cada mês 'trabalhado' ao longo de mais de três anos, com absoluta vedação legal e humanitária", denuncia a entidade.  

A ação se baseia nos fatos ocorridos no Vale do Juruá e na Resolução nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, com respaldo nos principais documentos internacionais que emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Entre eles: O Código de Nuremberg (1947); a Declaração de Helsinque (1964 e versões posteriores de 1975, 1983 e 1989); o Acordo Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo Congresso Nacional Brasileiro em 1992); as propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS, 1982 e 1993); e Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991).

O documento adverte que a malária é uma doença infecciosa febril aguda, causada por protozoários, transmitidos por vetores. "Reveste-se de importância epidemiológica por sua gravidade clínica e elevado potencial de disseminação em áreas com densidade vetorial que favoreça a transmissão. Acarreta consideráveis perdas sociais e econômicas na população sob risco, concentrada na região Amazônica".  

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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