Domingo, 14 de outubro de 2007 - 04h50
MONTEZUMA CRUZ (Agenciaamazonia) - História do gaúcho João Cecílio mostra crueldade dos jagunços na expulsão de posseiros em Rondônia. O colono João Cecílio Perez havia completado 46 anos quando foi uma das vítimas da sanha impiedosa do latifúndio em Rondônia. Gaúcho, saiu do Rio Grande do Sul, passou por Chopinzinho (PR) e Jardim (MS), até chegar a Ji-Paraná, sonhando ser dono de um lote. Era mais um aliciado pela propaganda criminosa, segundo a qual Rondônia possuía terra farta e boa para quem quisesse.
– Tava lavando umas verduras pro almoço quando recebi o primeiro tiro. A bala veio pela janela, de algum lugar aí da mata. O treco pegou no peito, mas não me derrubou. Ardia que só. Só pensei em sair correndo e fugir – ele nos relatou numa cama, num dos quartos do Hospital São José, em Porto Velho.
A história de passa no Lote Bela Vista, numa gleba comercializada pela Colonizadora Calama, em Ji-Paraná, a 367 quilômetros de Porto Velho. A Calama foi uma das empresas denunciadas por grilagem na CPI da Terra em 1977.
João Cecílio passava a morar com o sogro, desde que fora abandonado pela mulher, havia 20 anos. Durante seis anos, João Cecílio derrubou mato, plantou arroz, milho, café e contraiu malária. Passou fome.
No terreiro, mais três homens lhe apontaram armas. Numa embalada, saiu de casa e passou por eles. Queria alcançar o córrego próximo. Mais tiros. Dois acertaram a barriga e o peito, o terceiro atingiu-lhe a coxa. Caiu.
– O corpo ficou amortecido. O que me tocaiou se aproximou e eu o reconheci. Era um tal de Chico, empregado da Calama. Mas por que querem me matar, se eu nunca fiz mal a vocês, nem lhes conheço direito?
Calama era a maior empresa de terras de Ji-Paraná e ali iniciara suas atividades quando a cidade ainda se denominava Vila Rondônia. Pertencia a João dos Santos Filho, o conhecido João da Calama, de Londrina (PR), que foi assassinado por um dos seus próprios jagunços, em 1981.
Coincidentemente, 15 dias antes do atentado, o colono fora procurado por três homens, um dos quais, Chico. Ele imaginava que eles eram “os homens do Incra”, respondeu a todas as perguntas sobre seus hábitos, se morava mesmo sozinho, se tinha arma em casa. Entregara o mapa da mina. Tinha sim, uma velha Flaubert, espingarda que nunca teve uso no seu pedaço de terra na gleba.
Chegara ao Território Federal munido da esperança, sem conferir se a propaganda do verde Eldorado espalhada pelo Paraná tinha alguma veracidade. Só entrou na realidade quando notou que, ao contrário disso, o Incra não dava lotes. Procurou então a Calama, que vendia terras, mas não garantia a escritura. Tomou posse de 40 alqueires, a 13 quilômetros da BR-364. Para quê? A mesma terra fora vendida pela colonizadora a uma mulher conhecida por Helena.
– Você precisa morrer pra não incomodar mais o seu João — lhe disse Chico.
João Cecílio não viu mais nada. Com um revólver encostado atrás da orelha. Arrastaram-no uns 50 metros e o jogaram, desacordado, no mato.
– Quando eu acordei, meu peito estava assim de formiga por cima do sangue (coagulado). E eles ainda estavam por perto. Eles falavam que iam me enterrar. De vez em quando vinha um e me pisava na barriga. Eu não mexia um músculo, pra formigada não morder e eles pensarem que eu tava mesmo morto.
“Vamos enterrar ele”
Mexeram na boca do colono e viram alguns dentes de ouro. Ameaçaram arrancá-los. Foram embora. Nem que quisesse procurar socorro, dificilmente sairia dali. Estava paralisado. Rezava para aparecer algum vizinho ou algum dos peões que iam ajudá-lo na limpeza do cafezal.
– E se aparecesse alguma onça ou cateto? Os bichos são bravos – ainda raciocinava.
Lá pelas oito horas da noite, os homens voltavam ao local, levando um rapaz. Deitou-se do mesmo jeito em que se encontrava anteriormente, imóvel, e um deles jogou a luz da lanterna sobre o seu corpo. Pisaram-lhe novamente a barriga, sacudiram o corpo. João Cecílio arrepiou-se ao ouvir frases: “Esse aí tá morto mesmo”, “Vamos enterrar ele”, “Deixa do jeito que tá, os bichos acabam com ele”.
As formigas continuaram passeando sobre o corpo do colono. Os homens foram embora, a madrugada passou, o rol raiou, e ele exclamou: “Estou salvo, meu Deus!”.
Submetido a quatro cirurgias pelo médico Ovídio Tucunduva Neto, finalmente, nosso personagem ficou fora de perigo. Quer dizer, apenas não morreu. Mas perdeu o baço, ficou surdo de um ouvido, com paralisia em uma face e, dadas a infecções do ferimento na cabeça – de onde foram centenas de insetos – perdeu uma vista.
Fonte: MONTEZUMA CRUZ - montezuma@agenciaamazonia.com.br
Grileiro ganha escritura, seringueiro, a lentidão
Cangaço amazônico teve até metralhadora
'Gatos' sustentam escravidão na selva
Jagunços são presos nas glebas da cobiça
Dom Moacyr uma voz corajosa contra pseudoscolonizadores
Latifúndio cresce no País há 157 anos
GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA
Pata do boi desvia o dinheiro da Sudam
Vigilância alcançou Amir Lando
“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”
Desde 2023, o presidente da Seccional OABRO, Márcio Nogueira ordena a visita a pequenos escritórios, a fim de amparar a categoria. “O jovem advogado
Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025
A Associação Casa da União Novo Horizonte, braço da Beneficência do Centro Espírita União do Vegetal, espera mais voluntários e doadores em geral pa
PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho
Mesmo tendo iniciado no Direito trabalhando no escritório do notável jurista Evandro Lins e Silva, no Rio de Janeiro, de postular uma imprensa livre
"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta
Pequenos agricultores de 15 famílias assentadas em Joana D’Arc e na linha H27, na gleba Rio das Garças, ambas no município de Porto Velho, ouviram o v