Segunda-feira, 8 de agosto de 2011 - 19h38
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
O colono João Cecílio Perez havia completado 46 anos quando foi uma das vítimas da sanha impiedosa do latifúndio em Rondônia. Gaúcho , saiu do Rio Grande do Sul, passou por Chopinzinho (PR) e Jardim (MS), até chegar a Ji-Paraná, sonhando ser dono de um lote. Era mais um aliciado pela propaganda criminosa, segundo a qual Rondônia possuía terra farta e boa para quem quisesse.
– Tava lavando umas verduras pro almoço quando recebi o primeiro tiro. A bala veio pela janela, de algum lugar aí da mata. O treco pegou no peito, mas não me derrubou. Ardia que só. Só pensei em sair correndo e fugir – ele nos relatou numa cama, num dos quartos do Hospital São José, em Porto Velho.
A história se passa no Lote Bela Vista, numa gleba comercializada pela Colonizadora Calama, em Ji-Paraná, a 367 quilômetros de Porto Velho. A Calama foi uma das empresas denunciadas por grilagem na CPI da Terra da Câmara dos Deputados em 1977.
João Cecílio passava a morar com o sogro, desde que fora abandonado pela mulher, havia 20 anos. Durante seis anos derrubou mato, plantou arroz, milho, café e contraiu malária. Passou fome.
No terreiro, mais três homens lhe apontaram armas. Numa embalada, saiu de casa e passou por eles. Queria alcançar o córrego próximo. Mais tiros. Dois acertaram a barriga e o peito, o terceiro atingiu-lhe a coxa. Caiu.
– O corpo ficou amortecido. O que me tocaiou se aproximou e eu o reconheci. Era um tal de Chico, empregado da Calama. Mas por que querem me matar, se eu nunca fiz mal a vocês, nem lhes conheço direito?
Calama era a maior empresa de terras de Ji-Paraná e ali iniciara suas atividades quando a cidade ainda se denominava Vila Rondônia. Pertencia a João dos Santos Filho, o conhecido João da Calama, de Londrina (PR), que foi assassinado por um dos seus próprios jagunços, em 1981, durante uma festa junina.
Coincidentemente, 15 dias antes do atentado, o colono fora procurado por três homens, um dos quais, Chico. Ele imaginava que eles fossem “os homens do Incra”, respondeu a todas as perguntas sobre seus hábitos, se morava mesmo sozinho, se tinha arma em casa. Entregara o mapa da mina. Tinha sim, uma velha Flaubert, espingarda que nunca teve uso no seu pedaço de terra na gleba.
Chegara ao Território Federal munido da esperança, sem conferir se a propaganda do verde Eldorado espalhada pelo Paraná tinha alguma veracidade. Só entrou na realidade quando notou que, ao contrário disso, o Incra não dava lotes. Procurou então a Calama, que vendia terras, mas não garantia a escritura. Tomou posse de 40 alqueires, a 13 quilômetros da BR-364. Para quê? A mesma terra fora vendida pela colonizadora a uma mulher conhecida por Helena.
– Você precisa morrer pra não incomodar mais o seu João — lhe disse Chico.
João Cecílio não viu mais nada. Estava com um revólver encostado atrás da orelha. Arrastaram-no uns 50 metros e o jogaram, desacordado, no mato. Quando abriu os olhos, sem forças, viu formigas passeando sobre o seu peito cheio de sangue coagulado.
– Eles ainda estavam por perto. Falavam que iam me enterrar. De vez em quando vinha um e me pisava na barriga. Eu não mexia um músculo, pra formigada não morder e eles pensarem que eu tava mesmo morto.
“Vamos enterrar ele!" – ameaçava um dos jagunços. Mexeram na boca do colono e viram alguns dentes de ouro. Ameaçaram arrancá-los. Foram embora. Nem que quisesse procurar socorro, dificilmente sairia dali. Estava paralisado. Rezava para aparecer algum vizinho ou algum dos peões que iam ajudá-lo na limpeza do cafezal.
– E se aparecesse alguma onça ou cateto? Os bichos são bravos – ainda raciocinava.
Lá pelas oito horas da noite, os homens voltavam ao local, levando um rapaz. Deitou-se do mesmo jeito em que se encontrava anteriormente, imóvel, e um deles jogou a luz da lanterna sobre o seu corpo. Pisaram-lhe novamente a barriga, sacudiram o corpo. João Cecílio arrepiou-se ao ouvir frases: “Esse aí tá morto mesmo”, “Vamos enterrar ele”, “Deixa do jeito que tá, os bichos acabam com ele”.
As formigas continuaram passeando sobre o corpo do colono. Os homens foram embora, a madrugada passou, o rol raiou, e ele exclamou: “Estou salvo, meu Deus!”.
Submetido a quatro cirurgias pelo médico Ovídio Tucunduva Neto, finalmente, nosso personagem ficou fora de perigo. Quer dizer, apenas não morreu. Mas perdeu o baço, ficou surdo de um ouvido, com paralisia em uma face e, dadas a infecções do ferimento na cabeça – de onde foram retirados centenas de insetos – perdeu uma vista.
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