Quinta-feira, 19 de agosto de 2010 - 18h02
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Não foi só alegria a chegada dos migrantes à “terra prometida”, adjetivada pelos mais otimistas. Rondônia poderia ser tudo, mas ainda estava distante de ser candidata a uma Canaã.
Histórias ouvidas e contadas em 1980 pelo gerente do Centro de Triagem de Migrantes (Cetremi) em Vilhena, Carlos Alberto Rodrigues Moreira, demonstram o quanto foi sacrificada a vida dos que aqui chegavam.
Os migrantes traziam nas costas ou na mente o drama do analfabetismo: 44% dos chefes de família, computando-se as esposas, eram analfabetos. Pesquisa feita em 1979 já revelava que apenas 2% dos fichados no Cetremi vieram porque viram na TV a fama da nova fronteira agrícola. “Os restantes 98% foram atraídos por parentes e terceiros”.
– Sou coronel! – gritou uma voz na escuridão. Assustado, o entrevistador do Cetremi identificou-o. Realmente, o homem era um oficial da reserva do Exército, um aventureiro a mais nas terras da região do Aripuanã (MT).
À luz de lampião, o funcionário percebeu que o coronel pretendia levar seis trabalhadores sem contrato para a sua fazenda. Houve barulho. Foram acordar Carlos Alberto, que não hesitou em pedir educadamente ao coronel a legalização dos “peões“.
O Cetremi orientava os migrantes e também desempenhava outros papéis na recepção aos novos rondonienses. Foi um misto de delegacia de polícia, agência bancária e consultório psicológico. Os recém-chegados e os que viajavam de volta para os seus estados solicitavam todo tipo de favor aos funcionários do órgão, até mesmo dinheiro.
Quando procurei Carlos Alberto para uma reportagem de página inteira em O Guaporé, soube que a equipe do Cetremi saía atrás de pessoas perdidas; auxiliavam nos partos dentro dos ônibus; apaziguavam famílias em atrito; e também contribuíam com a polícia para a captura de “gatos” (aliciadores de mão-de-obra rural) caloteiros.
Na época, a maior parte dos “gatos” levava “peões” para fazendas do Aripuanã, no extremo noroeste mato-grossense. Abandonava-os à escravidão – que alguns ainda chamam de “branca” –, às precárias condições de trabalho e, na maioria das vezes não lhes remuneravam. Geralmente, o serviço desses trabalhadores era a derrubada da floresta.
Por aí se vê que o Conselho de Segurança Nacional, órgão máximo do regime militar, estava de olho em tudo o que ocorria ali. Vilhena era o portão de entrada não apenas para o território, mas para o Aripuanã, onde também cobiçavam terras férteis.
Respaldada por Brasília, a polícia rondoniense prendeu vários jagunços e “gatos” a serviço de fazendeiros. E o próprio Cetremi auxiliou diretamente a Polícia Federal a praticar a operação-limpeza numa fazenda do município de Colorado do Oeste, onde havia mais de 60 homens escravizadas.
O Incra apitava em outras regiões de Rondônia. No Cone Sul, o Cetremi foi o quero-quero e ali organizou o fichário dos novos amazônidas. Por mal ou por bem, esse órgão pode ser considerado o embrião da fiscalização mais tarde oficializada pela Delegacia Regional do Trabalho em Rondônia.
NOTA
Continuarei mostrando a saga desses migrantes em outros artigos desta série.
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