Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País


 
Mas a comercialização não compensa o esforço dos pequenos produtores, lamenta o prefeito Vagner Sales. Testes feitos pela Embrapa detectaram aspectos da tostagem, teor de acidez, composição química, qualidade microbiológica e vida-de-prateleira. 

MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia

11




CRUZEIRO DO SUL, AC – Alto-falantes das lojas anunciam as ofertas na manhã de sábado nesta movimentada cidade do extremo-oeste brasileiro. “Venha participar do arraial de ofertas da Cruzeirense. Temos os melhores planos para você”, ouve-se num deles. São 8h e o comércio está com todas as portas abertas, apresentando promoções numa mistura de sotaques de locutores nativos e de sulistas. 

Assista vídeo 
no OpiniãoTV

10/08/2009
FARINHA DO ACRE
Na segunda cidade mais importante do Acre fabrica-se a melhor farinha de mandioca do Brasil encontra-se goma a R$ 5 o litro, farinha a R$ 65 a saca de 50 quilos, beiju e tapioca a R$ 1 e R$ 2 a unidade, em tamanho pequeno e grande, e farinha de coco a R$ 120. Cruzeiro do Sul é chamada de “meca da farinha”, um reconhecimento manifestado por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no estado e de Cruz das Almas (BA). 

A farinha vendida nos cinco mercados municipais de Cruzeiro vem das colônias pelos ramais (vicinais) de chão batido, acomodada no chão das camionetes paus-de-arara ou em carros particulares e pequenas embarcações. Alcança, por rodovias e embarcações fluviais, os estados de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas. 
Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País  - Gente de Opinião

Maria de Oliveira (d) tem 12 filhos, "todos farinheiros". É um das vendedoras do Mercado Samambaia /MONTEZUMA CRUZ



Torrada duas vezes 

Cruzeiro do Sul fica no Vale do Juruá, a cerca de 700 quilômetros de Rio Branco, é a porção nordestina mais expressiva do Acre. Aqui, seus pequenos fabricantes utilizam a matéria-prima com um jeito especial. “A farinha de coco é torrada duas vezes e demora mais” explica dona Maria Gomes de Oliveira, 60 anos, mãe de 12 filhos “todos vivos”, quase todos farinheiros. Ela tem banca no Mercado Samambaia e recebe o produto da Colônia Belo Jardim, na saída para o município de Rodrigues Alves. 

“Em média, cada produtor fabrica três a quatro sacas por dia. Tem qualidade muito boa, tanto que sempre vendem outras farinhas por aí, como se fosse a nossa”, explica Cleomildo Cunha, 53, encarregado da administração dos mercados. 

Pesquisa Mensal da Cesta Básica divulgada no mês passado pelo Governo do Acre indicou redução de 24,2% no custo dos alimentos no índice acumulado de julho e agosto em Cruzeiro do Sul. Na comparação 
Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País  - Gente de Opinião

Farinha, tapioca, goma, beijus e biscoitos feitos com farinha de mandioca. A fartura está em todas as prateleiras, nos balcões e até nos corredores dos mercados públicos /M.CRUZ

com julho, o gasto com a cesta básica caiu 15,92% em agosto, confirmando o impacto positivo da reabertura da rodovia BR-364. 


Secretário de agricultura quer diversificar
 

CRUZEIRO DO SUL – Mesmo com incentivos oficiais e a breve construção da extensão do Núcleo de Tecnologia da Mandioca pela Embrapa, o prefeito Vagner Sales reuniu-se com gerentes do Ibama e do Instituto Chico Mendes, para buscar alternativas agrícolas. Não significa um cansaço da farinha, mas a oportunidade para se abrir nova frente de comercialização, ele admite. O prefeito também quer incentivar o plantio de açaí e cupuaçu. 

Com sede em Rio Branco, o núcleo é um projeto viabilizado por uma emenda parlamentar individual de R$ 5,8 milhões do deputado Fernando Melo (PT-AC). Suas atividades consistirão na promoção de treinamento, uso e manutenção de microtratores e trituradora de capoeira, e transferência de tecnologia aos pequenos agricultores do Juruá. “Proponho o aproveitamento múltiplo da raiz e principalmente da parte aérea da planta, que rende manipueira (líquido leitoso da mandioca), mas há anos é desperdiçada nesta região e também no Vale do Purus”, explica o deputado. 

Baixa cotação 
Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País  - Gente de Opinião

A farinha também é vendida nesta loja do Aeroporto Internacional de Cruzeiro do Sul /M.CRUZ



Numa das reuniões para ouvir os agricultores, o secretário municipal de Agricultura Erni Dombroswski avaliou com 370 famílias da Reserva Extrativista do Rio Liberdade, a possibilidade de escoamento da safra com transporte custeado pelo município. Moradores das localidades de Uruburetana, Carlota de Baixo, Carlota de Cima e Tatajuba já se beneficiam disso. Eles mandam para o porto de Cruzeiro toda a produção agrícola num barco com capacidade para 12 toneladas, alugado pela prefeitura. 

Prefeito e secretário perceberam que os pequenos produtores passam um ano e meio cultivando mandioca para as casas de farinha, mas só obtêm R$ 30 pela saca de 50 Kg. “Enquanto isso, em apenas quatro meses o agricultor vende uma saca de arroz por esse mesmo valor, ou seja, ganham pelo menos quatro vezes mais que o negócio com a farinha”, salienta. 

Outro fator para a diversificação é a falta de milho na região. Segundo o secretário, a produção desse grão se dá num ciclo de apenas três meses. Atualmente, avicultores do município compram fora do estado, pagando fretes caros. “No máximo em quatro meses, os agricultores do Rio Liberdade podem plantar, colher e vender uma saca de 50kg por R$ 30,00, com um lucro superior ao obtido com a farinha”, acrescenta. (M.C.) 

PING-PONG 

“Vencemos o desafio da qualidade”, diz pesquisadora 

Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País  - Gente de Opinião

Joana de Souza: "Novos projetos permitiram que filhos e netos de produtores mantivessem a tradição e que os consumidores desfrutassem do produto acreano" /M.CRUZ

RIO BRANCO, AC – Joana Maria Leite de Souza não pára. Acaba de escrever um projeto para trabalhar com castanha-do-Brasil. Escreveu também uma cartilha enfatizando a qualidade da castanha e prepara material para Expojuruá, em Cruzeiro do Sul. Antes de responder à Agência Amazônia, a pesquisadora da Unidade do Acre da Embrapa viajou para São Paulo duas vezes, foi ao Estado de Roraima e ainda arrumou tempo para revisar um artigo de revista. 

Acompanhada de outros pesquisadores da Embrapa-AC, participou no final do mês passado, em Puerto Maldonado (Madre de Dios, Peru) de uma reunião internacional sobre castanha. pesquisadores da Embrapa Acre e Rondônia. Projetou leiautes do caminhão do Núcleo de Tecnologia móvel de mandioca e do laboratório de Cruzeiro do Sul. 

Passou noites e madrugadas acompanhando a prensagem da massa para qualificar a farinha. A seguir, os principais pontos da entrevista: 

Quando começou a pesquisar mandioca no Acre? 

JOANA SOUZA – Começamos a nos interessar pela qualidade da farinha no início de 2000, quando ministramos o primeiro curso de Boas Práticas de Fabricação de Mandioca na região de Cruzeiro do Sul. A gente, como bom acreano, sempre soube ou ouviu falar da fama da farinha dessa cidade. Identificamos aí essa demanda para a cadeia produtiva. 

O que a Embrapa tem feito para melhorar esse mercado? 

Iniciamos uma campanha de qualidade da farinha de mandioca em todo o estado, principalmente em Cruzeiro do Sul e em Capixaba (município da BR-364), juntamente com o Sebrae. Em Sena Madureira, com os companheiros da Seprof, hoje Seaprof (Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar). Em 2005, aprovamos o Projeto Competitividade e eficiência do agronegócio da farinha de mandioca no Vale do Juruá (Farinhavaj), novamente com o Sebrae e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Entre outras metas, a qualidade da farinha era um desafio, considerando-se o modo de fazer deles. Tínhamos que entrar nas agroindústrias no Vale do Juruá, muitas e muitas vezes, nos horários e tempos deles, para entender como se dava o processamento dessa farinha famosa. Com muito compromisso e vontade de realizar um trabalho que deixasse um aprendizado e, resguardando o conhecimento deles, conseguimos conquistar os produtores. 

E qual foi o resultado disso? 

Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País  - Gente de Opinião

Massa da mandioca do Juruá foi estudada várias vezes pela pesquisadora, que também acompanhou a torragem da mandioca /M.CRUZ

Nós conseguimos avançar em temas antes nunca enveredados, como definição do fluxograma de produção, tempo de prensagem, temperatura de tostagem, tipos de tostagem, teor de acidez, composição química da farinha, qualidade microbiológica, vida-de-prateleira, classificação, enfim, variabilidade da farinha. Para quem conhece a região, sabe o que estamos falando: de ficar noites e noites acompanhando a prensagem da massa, uma vez que essa etapa pelo modo tradicional que eles adotam inicia-se no final da tarde e termina lá pelas 2h30, 3h da madrugada. Isso já deve ocorrer numa quarta-feira, quando o produtor e familiares começam as etapas finais de processamento da farinha. 

Quais são essas etapas? 

Elas constam da retirada da prensa, destorroamento, peneiração e tostagem final. Isso, numa sincronia e precisão que equipamento nenhum teria. E, lá pelas 10, 11h da manhã, um produto branquinho, ou amarelo-creme ou com cheirinho gostoso de coco está pronto para ser ensacado e transportado para o mercado de Cruzeiro do Sul, na sexta-feira. É a farinha que ficou pronta e será, muitas vezes, vendida ali mesmo na Casa de Farinha, onde os compradores já aguardam ansiosos, ou então, na feira de sábado. 

Com esse esforço, mantém-se, então, a tradição do Juruá... 

Sim. No final do Farinhavaj conseguimos entender que esse processo, o trabalho dessa gente deveria ser protegido. E para isso vieram novos projetos e parceiros, possibilitando que filhos e netos dos produtores de farinha de Cruzeiro do Sul mantenham a tradição e que os consumidores possam desfrutar de um produto tão acreano e com a qualidade que merece: a farinha conhecida como de Cruzeiro do Sul, realmente oriunda daquela região, com selo de qualidade assegurado. (M.C.) 


CONHEÇA CRUZEIRO 
Cruzeiro do Sul fabrica a melhor farinha do País  - Gente de Opinião

O comércio abre cedo na segunda maior cidade acreana, que fica nã região mais a oeste do Brasil /M.CRUZ


● Área: 7,7 mil Km ² e clima equatorial. Sua população é de 77 mil habitantes (IBGE 2009). Possui um PIB de R$ 391,9 mil (2005) e renda per capita (por cabeça) de R$ 4,6 mil. 

● O nome da cidade foi inspirado na Constelação Cruzeiro do Sul. Criada por decreto em 12 de setembro de 1904, quando o coronel do Exército Gregório Thaumaturgo de Azevedo instalou a sede provisória do município, nom local denominado "Invencível", na foz do Rio Môa. 

● A fundação foi oficializada em 28 de setembro de 1904, quando a sede do Departamento do Alto Juruá foi transferida para Cruzeiro. A área escolhida chamava-se "Centro Brasileiro" e foi adquirida de Antônio Marques de Menezes pela União. Localizava-se à margem esquerda do Barracão Central da Casa de Farinha e algumas barracas isoladas. 

● Em 17 de novembro de 1903, o Território do Acre, incorporado ao Brasil pelo Tratado de Petrópolis, foi dividido em três departamentos: Alto Juruá, Alto Purus e Alto Acre, todos independentes entre si e diretamente subordinados ao Governo da União. Cada departamento era administrado por um Intendente, cargo parecido com o de prefeito atual, no entanto, nomeado pelo presidente da República, até 1920. 

● Em 28 de setembro de 1904, o coronel Thaumaturgo, por meio do Decreto N° 4, autorizou a transferência da sede da Prefeitura para o Seringal Centro Brasileiro, à margem esquerda do Juruá. No antigo lugar faltava área a cidade crescer e também estava sujeito a inundações periódicas, por causa das enchentes do rio.
 

 
MATÉRIAS DA SÉRIE:

Gente de Opinião



Seres da floresta vivem na capital acreana

Piloto de “voadeira” viaja por rios amazônicos até de olhos fechados

Mais 300 famílias ganharão o fogão que gera energia

Sem juiz, promotor e delegado, Assis Brasil confia tudo à prefeita


Um estado cada vez mais movido pelo 'ouro branco'


Cazumbá-Iracema, um mundo à parte nos confins amazônicos

Uma universidade em busca do povo 
Rio Branco espera aqüífero de 2,8 milhões de litros/dia


 


Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”

“Jovem advogado que sai da Faculdade quer apoio para enxergar a nova realidade”

Desde 2023, o presidente da Seccional OABRO, Márcio Nogueira ordena a visita a pequenos escritórios, a fim de amparar a categoria. “O jovem advogado

Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025

Casa da União busca voluntários para projetos sociais em 2025

A Associação Casa da União Novo Horizonte, braço da Beneficência do Centro Espírita União do Vegetal, espera mais voluntários e doadores em geral pa

PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho

PF apreendeu o jornal Barranco que mesmo assim circulou em Porto Velho

Mesmo tendo iniciado no Direito trabalhando no escritório do notável jurista Evandro Lins e Silva, no Rio de Janeiro, de postular uma imprensa livre

"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta

"Mandioca é o elixir da vida", proclama o apaixonado pesquisador Joselito Motta

Pequenos agricultores de 15 famílias assentadas em Joana D’Arc e na linha H27, na gleba Rio das Garças, ambas no município de Porto Velho, ouviram o v

Gente de Opinião Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)