Data maxima venia, rogata venia, preclaro doutor Gilmar Mendes. Conheço bons cozinheiros, excelentes mãos-pelada, gente que faz dessa profissão um sacerdócio. Conheço e convivo, diga-se com exímios advogados. Mas também conheço advogados rábulas - e tem muito pululando por aí. Alguns, por sinal, seriam presos em flagrante delito ao ingressarem com habeas corpus em algum tribunal. Mas como não há no Brasil o jus puniendi para crimes contra a língua mater, continuam soltos.
Pois bem. Adicionar cozinheiro não tenho contra a categoria, até porque sei fazer um bom pato-ao-tucupi, uma moqueca, e, se deixarem, um refinadíssimo crème brulée no mesmo caldeirão com um jornalista é, para não dizer outra coisa, uma brincadeira de extremo mal gosto. Ou na pior das hipóteses, a demonstração de que o doutor Gilmar sofreu de nefelibatismo ao se expressar. Só um nefelibata produz pérolas idênticas a que produziu o presidente da egrégia corte de justiça brasileira.
Como se diz no linguajar popular, o magistrado Gilmar 'pisou no tomate', e expôs preconceito e desinformação quanto ao jornalismo brasileiro. Jornalista rala para se formar. E muitos não se restringem aos quatro anos do Curso de Comunicação Social. Fazem especialização, mestrado, doutorado, ou ainda partem para o Direito e a Filosofia, entre outros. 'Se viram nos trinta' para atingirem formação intelectual de qualidade, e vem o senhor Gilmar Mendes dizer que "jornalista é uma profissão igual a de cozinheiro". Permissa venia.
A diferença já começa na grade curricular. Um chef geralmente faz curso de curta duração, de dois anos, e, em alguns casos, o 'cursa' via internet. O estudante de Comunicação rala durante quatro anos numa faculdade. Data venia, doutor Gilmar. Sua comparação é esdrúxula.
É esdrúxula porque para se entrar numa escola afamada de gastronomia é o caso da francesa
Le Cordon Bleu o simples mortal tem que estudar, ralar, cozinhar. E muito. Não é tão simplório assim, senhor ministro!
Por essa razão, se aplicada a 'lógica mão-pelada' do senhor Gilmar Mendes aquele soltou o banqueiro Daniel Dantas daqui uns dias qualquer pé rapado vai estufar o peito e intitular-se jornalista.Tudo porque o discurso enviesado, de Gilmar propõe a burrice generalizada ao jornalismo pátrio. Dizer que jornalista não precisa de curso superior específico para atuar é incentivar uma legião de asnos país afora. Jornalismo tem questões técnicas, específicas, que uma advogado ou um médico não seriam capazes de dominar sem a passagem pelo Curso de Comunicação Social.
Pisada de bola de Gilmar à parte, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) foi correta do ponto de vista do Direito. O Decreto-Lei 972/69, que estabelece que o diploma é necessário para o exercício da profissão de jornalista, não atende aos critérios da Constituição de 1988 para a regulamentação de profissões. E isso é fato.
E o que nos resta agora? O primeiro passo é criar o Conselho Federal de Jornalismo (
CFJ) como defende a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj). A minuta do projeto de lei foi entregue em 2004 ao presidente Luis Inácio Lula da Silva. Eu estive lá. O artigo artigo 2º diz: "O CFJ é órgão de habilitação, representação e defesa do jornalista e de normatização ética e disciplina do exercício profissional de jornalista".
O CFJ não é um monstrengo como foi pintado dias após a entrega do documento a Lula. Trata-se de um organismo de defesa da profissão, a exemplo do que é o Conselho Federal da OAB, o Conselho Federal de Medicina, ou o Conselho Federal de Psicologia. Quem não leu o texto eu o li na íntegra é contra a criação do instrumento.
Talvez com um conselho forte, não sejamos mais chamados de mãos-peladas pelo presidente da Corte Suprema nacional.
Espera-se.
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião e do OpiniãoTV
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