Quarta-feira, 7 de setembro de 2022 - 10h23
“Devo, não nego, pago quando puder?”. Pagou mesmo? O jornalista Ricardo Westin (Agência Senado) deve ter dormido na Biblioteca Luiz Viana Filho para apurar tantos detalhes que poucas escolas contaram até hoje a seus alunos: o custo da Independência, por exemplo.
Li e reli o que ele trouxe de luz sobre o bicentenário da Independência. De cara, ele demonstra a consequência do ato: “O Brasil se declarou independente em 1822. O acordo de reconhecimento da Independência só foi assinado por Portugal três anos mais tarde, intermediado pela Grã-Bretanha. Pelo acordo, os brasileiros ficaram obrigados a pagar uma indenização milionária aos portugueses.”
Embora não se mencionem exatamente os valores (a conta portuguesa com a Grã-Bretanha) e o quanto o Brasil tomou do bilionário empréstimo), vamos aos fatos que Westin encontrou na farta documentação à qual você, leitor, também tem acesso, na Biblioteca do Senado Federal.
“Portugal tinha dívidas altíssimas com bancos britânicos. O risco de calote era real, já que os portugueses haviam ficado mais pobres por terem perdido na América do Sul as terras mais produtivas de seu reino. O que a Grã-Bretanha fez foi aproveitar a hegemonia no cenário internacional para salvaguardar seus interesses em duas frentes. Em uma frente, os britânicos garantiram que Portugal contasse com o dinheiro necessário para honrar as dívidas com os bancos de Londres. Na outra, agiram para que o Brasil tomasse emprestadas dos mesmos bancos as libras esterlinas necessárias ao pagamento da indenização.”
Westin cita o historiador João Paulo Pimenta, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Independência do Brasil (Editora Contexto):
— As relações internacionais têm assimetrias e hierarquias. O Brasil independente não entrou nesse sistema como protagonista. Entrou, como era natural, numa posição secundária, subordinado à Grã-Bretanha, que era a grande potência política e econômica da época.
Uma vez independente, o Brasil logo se encaixou no nascente capitalismo mundial como fornecedor de café para a Europa e os Estados Unidos e assim permaneceu até meados do século 20.
No clássico livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina (Zahar Editores), de 1970, o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso atribui o prolongado predomínio dos produtos primários de exportação, entre outros motivos, à sabotagem dos latifundiários latino-americanos contra a indústria, temerosos de que ela lhes diminuísse o poder político, econômico e social.
Westin, em sua reportagem: “Embora os contextos históricos sejam diferentes, existem semelhanças entre ontem e hoje. Tal qual há 200 anos, o Brasil atual baseia sua economia em matérias-primas e chega fraco às mesas de negociação, dificilmente conseguindo acordos vantajosos para os interesses nacionais.”
Ele cita o economista Paulo Kliass, gestor federal especialista em políticas públicas, compara a situação brasileira com a de países fortes no comércio global:
— Os Estados Unidos se dizem os guardiões mundiais
do liberalismo econômico, mas se tornam extremamente protecionistas sempre que
é necessário. O Brasil nunca vai conseguir vender milho ou suco de laranja para
os americanos porque eles protegem seus produtores. A mesma coisa vale para a
Europa, que também adota medidas bastante duras de proteção da agricultura
local. O Brasil perde muito por não ter força de negociação e não conseguir
entrar nesses mercados.
“Vários outros exemplos podem ser
citados. Em 2006, a Embraer sofreu um de seus maiores reveses. O governo dos
Estados Unidos proibiu a empresa brasileira de entregar aviões militares à
Venezuela porque os caças encomendados tinham peças americanas. Sem força para
prevalecer, o governo do Brasil teve que convencer a Embraer a desistir do
negócio.”
ENTREGA
“A China só importa do Brasil a soja em grão. O país asiático não aceita a soja transformada em óleo. Isso é prejudicial aos interesses econômicos brasileiros porque a soja processada tem muito mais valor agregado do que a soja in natura, isto é, custa mais no mercado e gera mais lucro para os empresários, mais trabalho e renda para a população e mais impostos para o Estado.”
— O problema do Brasil é que as elites acabam incorporando com muita força aquele espírito de vira-lata. Para lucrar alguma coisa, entregam de bom grado o nosso mercado às nações desenvolvidas e atendem aos interesses delas em detrimento dos nossos interesses coletivos — avalia Kliass.
Na mesma Agência Agência Senado: “Rubens Ricupero estava lotado como diplomata em Washington quando os Estados Unidos celebraram os 200 anos da Independência, em 1976. Ele lembra que os eventos comemorativos, tanto os do governo quanto os da sociedade, se espalharam pelo país inteiro e puderam ser contados aos milhares.”
Neste momento, o Brasil está às vésperas do bicentenário da separação de Portugal, mas Ricupero vê aqui um estado de ânimo bem diferente daquele dos americanos.
— O que eu vejo é uma imensa apatia, como se este aniversário não tivesse relação conosco, não dissesse respeito à nação. Há um vazio — afirma ele, que também é historiador, autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil, titular da Cátedra José Bonifácio, da Universidade de São Paulo (USP), e ex-ministro do Meio Ambiente (1993-1994) e da Fazenda (1994).
O historiador avalia que o aniversário da Independência seria a oportunidade perfeita para a sociedade brasileira fazer um balanço destes 200 anos e, a partir dele, corrigir os rumos para o futuro. Essa oportunidade, no entanto, está sendo perdida. Ele acrescenta:
— O povo não é indiferente. Quem é indiferente à história nacional é o governo, que não sabe ou não quer mobilizá-la em favor de uma reflexão sobre o país.
A HISTÓRIA PARA BAIXO DO TAPETE
Documento publicado pela Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República revela que a “execução dos serviços de produção, impressão, instalação, manutenção e retirada das empenas” para o festejo do bicentenário custou R$ 405.430,20.
Tatiana Dias, editora do Intercept Brasil lembra que o valor das empenas faz parte de uma campanha muito maior, que ultrapassou a exaltação à data histórica e virou plano de comunicação do próprio governo Bolsonaro, cheio de autoelogios, em pleno ano eleitoral.
Por aí se vê a perda de importância do bicentenário e a valorização do esperneio terrível que o presidente faz para se reeleger.
Volta Tatiana: “O documento da Secom com as diretrizes é um primor. A secretaria determinou duas visões na estratégia de comunicação: a histórica e a atual. “Ou seja, à luz de valores e feitos históricos falaremos de nossa Independência como um todo, desde seus eventos fáticos do século XIX até a reafirmação dessa Independência na atuação do Governo Federal na atualidade”, escreveu a secretaria. "Falaremos, portanto, de independência, soberania, liberdade, trabalho, união, alegria, vida, família, Brasil”.
Família? Tempo impróprio para se falar em família, hem brother? – digo eu de novo.
Tatiana: “Olhemos, primeiro, para o passado. A comemoração do bicentenário se baseia, principalmente, na visão romântica de Dom Pedro I às margens do Ipiranga, empunhando sua espada para o alto, gritando "independência ou morte”. Nenhuma palavra sobre o fato de a independência não ter sido decidida por Dom Pedro I – mas, sim, por sua mulher, Maria Leopoldina. Muito menos sobre como o pacto pela independência foi construído pelas elites escravocratas em troca da manutenção do tráfico de pessoas escravizadas – mas, eu sei, seria esperar demais do governo Bolsonaro qualquer reflexão nesse sentido.”
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NOTA
Na 1ª série C do meu curso ginasial em Bernardino de Campos (SP), o professor de História Luiz Carlos Simione caminhava pela sala e ao contar a história da Independência, repetia: "Pedro, liberta este povo!". Falava de Maria Leopoldina, de José Bonifácio e da Maçonaria. De onde tirava essas palavras? Dos escaninhos da História". Historiadores verdadeiros não sonham, estudam, verificam e contam os fatos. Resgatá-los é dever de cada um.
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