Bispo vê conivência de Lula com devastação
Trinta anos depois da maior CPI da Terra feita pela Câmara, dom Tomás condena "descalabros".
CHICO ARAÚJO e MONTEZUMA CRUZ
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BRASÍLIA — Coerência diante da realidade é o que vem buscando manter, na "era do etanol", o ex-presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, 30 anos depois de levar ao Congresso Nacional graves denúncias contra o latifúndio e a invasão de reservas indígenas no País. Dom Balduíno é atualmente assessor permanente da CPT nacional.
A CPI completa 30 anos neste mês de agosto. Um dos 63 depoentes na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o sistema fundiário brasileiro, o bispo de Goiás, ele foi uma das vozes mais fortes contra a invasão do território indígena, que por sua vez, motivou outra CPI.
"Quando a coisa se dirige para uma mineração, que nem é elemento útil, mas de luxo, como é o caso do diamante, atrás disso há todo um sacrifício, da terra e das pessoas em favor de uma minoria mínima", afirmou, referindo-se à possível aprovação de lei pelo Congresso, autorizando a mineração em território indígena.
Para dom Tomás, 84 anos, a produção de etanol "vai suprir as exigências do Primeiro Mundo; não foi pedida pelo povo". Ele adverte o governo: "Lula corre o risco de passar para a história como aquele que permitiu a devastação em nosso País, assim como o governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, permitiu a privatização do nosso patrimônio".
Agência Amazônia — Trinta anos se passaram daquela CPI da Terra, talvez a mais completa da história brasileira. O que mudou no Brasil de lá para cá?
Dom Tomás Balduíno — De um lado houve marcha a ré, de outro, algum avanço. O que deu marcha a ré foi o lado da instituição. Avançou-se de um lado, retrocedeu-se de outro. As críticas que a gente fazia aos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário continuam aí. Nesse sentido, na questão indígena houve algum avanço, mas até quando? A reforma agrária é uma causa adiada?
Vejo que hoje, o grande prato cheio é o etanol, para suprir as exigências do consumismo do 1º Mundo; não foi pedida pelo povo. O povo até se manifestou, mas não foi nessa linha. Bush (presidente dos EEUU) não precisou ir a Brasília, porque Brasília foi até ele em São Paulo, onde se reuniu com o empresariado e não com o povo.
A CNBB faz a Campanha da Fraternidade deste ano em favor da Amazônia, e a região é devastada. Como o senhor avalia o papel do governo? Será que o governo está esquecendo os conflitos sociais nessa região?
A Amazônia é um símbolo do Brasil e da América Latina, porque a injustiça histórica que ali acontece, a devastação e a marginalização, são as mesmas que ocorrem em todo o País e na América. De maneira que essa campanha abriu uma reflexão muito mais ampla que ultrapassa os limites amazônicos. A essa CPT fez uma nota crítica a respeito dessa situação, porque a devastação do Cerrado, da Floresta e até do Pantanal é motivada pela monocultura. Este governo Lula corre o risco de passar para a história como aquele que permitiu a devastação em nosso País, assim como o governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, permitiu a privatização do nosso patrimônio. Então, isso é lamentável e a gente gostaria que houvesse uma forma de deter esse avanço, porque chegamos a uma situação irrecuperável, não é? Já se fala em percentuais na exploração do diamante em terras dos índios Cinta-Larga, em Rondônia. Lá, até o governo estadual quer se envolver no negócio. O que pode acontecer nesta parte da Amazônia Ocidental?
O envolvimento com a mineração é uma forma galopante de sugar a nossa terra em favor da concentração, dos maiores concentradores de renda do mundo. Então, quando a coisa se dirige para uma mineração, que nem é elemento útil, mas de luxo, como é o caso do diamante, atrás disso há todo um sacrifício, da terra e das pessoas em favor de uma minoria mínima. Esses são os maiores descalabros.
O senhor participa de um seminário importante aqui em Brasília, que trata sobre os direitos humanos. A democracia tem ajudado a melhorar a luta com o objetivo de a população conquistar esses direitos?
O seminário foi uma feliz e oportuna do MNDH, porque é um instrumento da sociedade civil. Temos assembléias, consultas, mobilizações. O seminário tem o poder de aprofundar questões, de abrir debates, de socializar a temática. Traz muito enriquecimento conceitual e informativo a respeito de dados muito importantes para o prosseguimento da luta. Acho que o trabalho de vocês jornalistas é imprescindível numa hora dessas para poder levar adiante essa mesma força, que é uma força da sociedade civil Nós estamos investindo cada vez mais nessa articulação da sociedade como contraponto à instituição. Não que ela dispense ou vá excluir a instituição governamental, mas, ai de nós se ficarmos esperando que tudo caia do céu do poder institucional e não nos articulemos. Assim como no passado, acabou de cair o maná. Foi uma bênção para o povo o dia em que o maná cessou, porque aí ele começou a plantar, a semear a terra e a colher o seu futuro.
Hoje o governo aposta muito nos programas sociais como forma de resolver a miséria. Isso seria uma visão equivocada?
É o social compensatório, não é? Faz-se um conflito, corre lá, atende, apaga aquele fogo...eu acho que o governo se fosse Estado criado pelo povo, seria prioritariamente a serviço do social. Secundariamente, para apoiar, quem sabe, a indústria, o mercado. Hoje é o contrário: o Estado tem como prioridade o econômico. O crescimentismo que está aí é econômico, não do social.
Como o senhor avalia a corrupção nos poderes?
A corrupção vem de longa data. Uma vez que a proposta é o econômico, e um econômico feito na base do seqüestro do bem público, a exemplo da terra. A privatização da terra é praticamente a transferência da terra que é patrimônio público para o poder particular. Isso já uma corrupção inerente à própria estrutura do acesso à terra. E assim são as demais situações. Agora, graças à divulgação, à comunicação imediata da mídia, o rei ficou nu, o poder ficou nu. Nós sabemos onde está a impunidade. Na realidade, o nome que se criou, a imunidade, é de fato a impunidade.
Mas houve algumas condenações...
É escandalosa aquela notícia dando conta que o Supremo Tribunal Federal nunca condenou uma autoridade. Nunca! Então, é o poder inútil, ou só serve às autoridades e não ao povo. Quer dizer, há uma exceção na situação do (deputado federal) Maluf: por acaso ele foi condenado a restituir o dinheiro. O caso veio à tona e a gente tira o chapéu para a imprensa até certo ponto, porque ela também tem suas mazelas.
Está faltando à sociedade se indignar mais?
A sociedade, as organizações populares, os negros, indígenas e camponeses precisam disso. Alguém diz: ocupar o lugar da rua, do povo.
Num dos painéis do seminário de direitos humanos a psicóloga Cecília Coimbra, do Movimento Tortura Nunca Mais lamentou que o País esteja produzindo o esquecimento. Como reagir?
Isso favorece a dominação, a impostura e a opressão. Creio que seja como impedir a pessoa de abrir os olhos. Jesus veio e abriu olhos e ouvidos. Aí a boca tem liberdade de falar. A todo poder opressor, que nega ao povo investimento na educação, gratuita e de qualidade; poder que fecha escolas, sobretudo, escolas rurais. Então, favorece o desconhecimento da realidade que está aí e que é gritante.
Fonte: Agência Amazônia
Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)