Terça-feira, 16 de abril de 2024 - 08h01
Muito antes das modernas sedes do Fórum
Criminal de Porto Velho e do Tribunal de Justiça de Rondônia, a história da
rotina de atendimento no antigo Fórum Ruy Barbosa implicava situações amargas
para ambos os lados: advogados em trânsito diário, juízes e funcionários. “Quaisquer
recursos ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) eram
julgados muito tempo depois e em prejuízo da própria liberdade ou do patrimônio
das pessoas, quando não se constituíam em cemitérios de processos no Território
Federal de Rondônia” – observava o advogado e ex-presidente do Conselho
Seccional da OABRO, Pedro Origa Neto.
Anos 1970 e 1980: “À época, as custas tinham uma parte destinada à OABDF, o que era constitucionalmente permitido – em detrimento dos interesses da nossa novel Seccional, sem deixar de pontuar que nossos pleitos nunca eram atendidos.”
“Era o próprio Judiciário, com sua estrutura anacrônica, esquecido pela Direção Central, provocando desconforto ao interesse da pessoa e ao advogado que patrocinava a causa”, lembra o advogado.
“Nesse particular, destaque-se os juízes temporários, cargos criados para proteger pessoas simpáticas ao Poder, que aqui vinham desempenhar sua tarefa, por vezes com completo desconhecimento de qualquer regra de direito ou sentido jurídico de competência, agindo como se juízes de Direito fossem e, exercendo a jurisdição plena quando por lei não podiam.”
Pedro Origa respondia aos repórteres se a atual situação estava caótica: “Sim, e não está pior graças a atos administrativos do desembargador Waldir Meuren (TJDFT), que apesar das amarras financeiras e de competência administrativa, tem sempre ouvido nossos apelos sido operoso nos limites de sua competência.”
“Aliás, é bom frisar que o Território de Rondônia, antes das visitas correcionais do desembargador Meuren, só conheceu um desembargador do TJDFT, o falecido desembargador José Júlio Leal Fernandes, que veio inaugurar o Fórum e não disse uma só palavra na ocasião, porque o meu antecessor na presidência da Seccional, advogado Francisco Arquelau, disse em seu discurso que a Ordem preferia, em vez da inauguração de um Fórum suntuoso para a região, que o Tribunal de Justiça tivesse trazido cinco a seis juízes para o Território.”
Com a eleição de Leal Fernandes para a presidência do TJDFT e a sua desculpa de que não viria a Rondônia, “porque não viajava de avião”, Origa fustigou-o: “Ironias à parte, seria ótimo que sua excelência viajasse de ônibus, pois assim conheceria as agruras de um colono que viaja 15 dias para procurar um advogado, e dois dias depois, viajando outro tanto em busca de justiça.
Alguns anos mais tarde, ainda havia mazelas, uma das quais, o expediente judiciário, denunciado por Origa em 20 de junho de 1990 à presidência do Tribunal de Justiça. Ele chegara à 3ª Vara Cível às 8h45 para uma audiência marcada para 9h. Encontrando a porta, entrou com uma pessoa parte do processo, dirigindo-se à escrivã.
“Estivéssemos nós em outro local estaríamos surpresos, porém, tomando-se em consideração que estamos na Comarca de Porto Velho, cumpre registrar que a servidora se limitou a dizer-nos que deveríamos aguardar o horário de início do expediente, já que as portas ‘estavam fechadas’ em razão da impossibilidade de os serviços serem desenvolvidos em condições normais” – lamentava o advogado.
Protestando: “Não podemos concordar com a recusa. Esta é ilegal e afrontosa, no entanto, somos obrigados a concordar que somente magistrados têm condições de permanecerem em sua sala – dotada de ar-condicionado. Esclareça-se que a sala se localiza próxima à entrada lateral do Fórum, onde o cheiro de urina exalado das adjacências incomoda a tantos quantos por lá transitam.”
Acrescentando: “É inacreditável que, estando o TJ próximo ao Fórum, situações como a presente ainda aconteçam. O requerente entende que o exercício da profissão, em Porto Velho, em razão da omissão do próprio Poder Judiciário, está a ensejar medidas para restaurar o equilíbrio social.”
E solicitou ao presidente do TJ uma certidão constando qual o horário “hoje aplicado na Comarca e se o período das 16h até 18h é destinado a plantão.”
Quase desacreditando
Em 1980, o juiz de Direito de Guajará-Mirim, Darcy José Vargas, teve jurisdição estendida à Comarca de Porto Velho, a fim de julgar e processar feitos dos quais juízes temporários estavam impedidos por força do art. 92 do Código de Processo Civil (insolvência e estado de capacidade de pessoas).
No entanto, desde janeiro os processos estavam paralisados, sem que o magistrado comparecesse uma só vez à Capital para proferir despachos. Um grupo de advogados militantes no Foro de Porto Velho considerou a situação lastimável, afirmando que “começava a desacreditar em esforços para a solução de angustiantes problemas.”
Assinaram o documento: Francisco Arquelau de Paula, Pedro Origa Neto, Antonio Alberto Pacca, Ney Luiz Freitas Leal, Juvenal Almeida Senna, Rubens Moreira Mendes Filho, Miguel Roumiê, Nelson Santos Oliveira, Abílio Nascimento, Manoel Andrade Silva e Agenor Martins de Carvalho,
José Viana Bonfim, Flávio Arthur Bonadio e Manoel de Souza Brito.
O advogado que não enxergava – um vencedor
Uma situação narrada pelo advogado Juscelino Amaral:
“Na década de 1980 se inscreveu na OAB de Rondônia um advogado de nome Ariovaldo de Souza, de aproximadamente 40 anos, vindo do Estado do Paraná. Ele era deficiente visual e trabalhava em Guajará-Mirim. Segundo os advogados que perdiam as causas para ele, ele era 'o cego que mais enxergava em Guajará'. Isso mexe com a advocacia e muito nos inspira a seguir nesta profissão.”
Um novo olhar contra o pejorativo
Dos anos 1980 para cá o Brasil mudou o tratamento às pessoas, e de quiser, Rondônia acompanha a atualização do tratamento às diferenças físicas. Não se diz mais: aleijado, incapacitado, inválido. Desde o Ano internacional da Pessoa com Deficiência, em 1981 o País adotava a expressão “pessoa deficiente”, o que explica a pessoa com uma limitação. Veio então: “pessoa portadora de deficiência”, que deixou de ser usada porque deu a entender que só se porta aquilo que se pode deixar de portar, fato que não ocorre com uma deficiência.
Já na década de 1990 prevaleceu a expressão: “pessoa com deficiência”, mais adequada. Palavras que não disfarçam o sentido discriminatório: Ceguinho, surdinho, surdo-mudo, deficiente mental leve, moderado ou severo, criança excepcional para designar uma Síndrome de Down, doente mental, vítima de paralisia infantil, vítima de pólio; ele sofre de paraplegia, doente de lepra, e pessoa deficiente. Quando usadas, tornam a pessoa com deficiência uma vítima ou transformam a deficiência em doença.
Pau, pedra, areia e tropa negada
Em 1978, o advogado Odacir Soares Rodrigues, presidente do Diretório Municipal da Aliança Renovadora Nacional (Arena), não obteve decisão favorável da Justiça Eleitoral para garantir as eleições em Pimenta Bueno.
Ele se queixava do prefeito Vicente Homem Sobrinho e o acusava de incentivar servidores municipais a tumultuar o encerramento da campanha eleitoral. Na verdade, havia “Arena de Odacir” e “Arena de Homem.” Na disputa, um dos participantes do comício fora atingido por uma pedrada. Agressões incluíram ainda paus e sacos de areia jogados contra os arenistas seguidores de Odacir.
Pedido de Jerônimo também foi negado
Nas mesmas eleições de 1978, nas quais o MDB obteve 16 vitórias no País, o deputado Jerônimo Santana candidatava-se à reeleição e não obteria êxito no pedido de tropas federais ao juiz eleitoral José Clemenceau Maia.
O juiz afirmava na ocasião que “a Polícia Federal ajudaria bastante, pois já tinha escalado um agente em cada município.” Santana queixava-se de “fiscalização insuficiente”. “O Governo do Território move toda sua máquina administrativa contra o MDB, mas também contra a própria Arena, com quem é rompido”, ele acusava.
Mário Braga, o rei das queixas
O empresário Mário Fernando Borla Braga foi um antigo filiado ao MDB. Aqui representava a Cervejaria Brahma de Cuiabá, e frequentava muito a cabine de telex dos Correios, onde digitava lentamente longos pedidos de bebidas, monopolizava o uso do aparelho e atrasava o dia a dia dos demais usuários.
Quando discordava das decisões do Diretório Regional emedebista, costumava passar mensagens “ao doutor Tancredo Neves”. Queixava-se de todos, inclusive do amigo dele, deputado federal Jerônimo Santana, presidente da sigla.
Certa vez, em outubro de 1981, quando deixava o MDB e aderia ao Partido Popular (PP), ele se queixava ao jornal “O Guaporé” da “falta de entrosamento com a OABRO”: “Todos os ‘nossos’ advogados, com exceções de praxe, estão mancomunados ou a favor do PDS (sucedâneo da Arena partido do governo); quando não filiados a esse partido, esses profissionais se recusam a pegar causas contra o governo.”
“A OAB local difere totalmente da atitude adotada pela OAB nacional, que prega, inclusive, uma Assembleia Nacional Constituinte para tirar o País da bancarrota em que se encontra.”
“Não cabe à OAB fiscalizar nem policiar consciências”
Naquele mesmo mês, o presidente da OABRO, Pedro Origa Neto respondeu a Mário Braga: “Com a leitura da Lei 4.215 (27/4/1963), o Estatuto da OAB, art. 1º, 18 e 145, qualquer pessoa leiga poderá entender a razão da falta de entrosamento entre o Partido Popular e a OAB, a Esta incumbe defender e fiscalizar as atividades dos advogados e colaborar com o aperfeiçoamento jurídico. A OAB não é grupo social que pretende disputar poder e sim organismo de defesa de uma classe social.”
“É oportuno esclarecer que a OAB nacional, também como nós, propugna pela convocação da Assembleia Constituinte, como forma de reencontro entre Estado e Nação, no entanto, em momento algum a OAB servirá como porta-estandarte de partidos políticos, seja de situação ou de oposição.”
“Por derradeiro, é bom lembrar que à OAB não cabe fiscalizar, nem policiar consciências. A cada advogado, de per si, segundo as suas conveniências ou limitações, incumbe aceitar ou negar o patrocínio de uma causa. Permita-nos repetir Pedro Lessa, grande professor, grande juiz, e sobretudo grande advogado: “Não temos o dever de aceitar todas as causas que nos oferecerem, mas temos o direito de aceitarmos aquelas que quisermos.”
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Fotos, por ordem: Arquivo da Sejucel, Montezuma Cruz, Raíssa Dourado e Arquivo do TJDFT
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