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Montezuma Cruz

DURA RESISTÊNCIA



Sorte dos últimos Piripikura
está nas mãos do governo
 

MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia 

JI-PARANÁ, RO e BRASÍLIA – Nunca na história deste País se roubou tanta árvore de território indígena. Somente no mês passado, em apenas três dias de operação a Polícia Ambiental de Rondônia e os fiscais da Secretaria de Desenvolvimento Ambiental apreenderam mais de 10 mil metros cúbicos de madeira na região de Cacoal e Espigão do Oeste, a cerca de 500 quilômetros de Porto Velho. Avaliava-se na ocasião a existência de pelo menos mais 10 mil metros cúbicos.

O terceiro contato com dois remanescentes indígenas Piripikura na margem esquerda do Rio Roosevelt completará um ano no próximo dia 7 de agosto. Nada mudou de lá para cá, só piorou. Eles estão cercados por grileiros de terras portadores de armas contrabandeadas e ávidos caminhoneiros em busca de madeira para empresas que nem sempre são identificadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). E assim vem sendo dilapidadas as últimas reservas de uma região que se estende até Colniza (noroeste mato-grossense).

A lembrança desse contato foi feita pela Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental, com a expectativa de que se providencie a salvação desses índios. Isso mesmo, salvação. Além das estradas existentes no entorno do antigo território da tribo em extinção, a Funai constatou armas importadas entre fazendeiros. Não há dúvidas quanto as intenções. 

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Madeira apreendida em Espigão do Oeste este mês saiu de terra indígena /RÁDIO SOCIEDADE

Omissão 

Os contatos com os Piripikura ocorreram em 1989, 1998 e em 2007. Desde 1984 indigenistas da Funai tinham informações e convívio com outros índios dessa tribo – pelo menos quatro. Mas o governo e o Congresso Nacional omitiram-se em relação aos seus direitos. Indigenistas da Pastoral-Operação Amazônia Nativa (Opan) não só constataram a existência de um grupo, provavelmente Kawahiva, como chegaram a conviver com eles na Fazenda Mudança.

Os índios mantinham visitas a sede da Fazenda Mudança. "Durante o levantamento surgiu a oportunidade de se manter contato permanente até o fim dos trabalhos, com dois membros desta comunidade", diz um relatório da entidade". Tikun, um dos índios, teve que ser levado para Ji-Paraná, para ser operado. Voltou somente em novembro para o acampamento da Funai. Mondei, o segundo índio, voltou para floresta sem Tikun. Em dezembro, ele foi novamente encontrado, agora com a ajuda de Tikun, que voltara da cidade no mês anterior.

Durante dez dias os índios permaneceram no acampamento da Funai. No dia 18 de dezembro, preferiram voltar à floresta", relata o documento encaminhado esta semana ao ministério da Justiça Tarso Genro, ao presidente da Funai Márcio Meira, organizações não-governamentais, políticos e jornalistas. 

Cerco aumenta

O encontro dos Piripikura fora planejado em abril do ano passado, quando a Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha, da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai retomou os trabalhos na região. Não se sabia se esses índios ainda estavam vivos, já que, desde 1998 eram escassas as informações sobre eles. A equipe foi à floresta e viu a devastação, mas foi possível localizá-los. A Frente prosseguiu apurando a situação deles e documentou a área. Nem tudo estava perdido, apesar do cerco cada vez maior da grilagem. Uma situação semelhante ao que ocorreu há 30 anos com os índios Zoró e Suruí, na mesma região.

No confronto dos dados recolhidos durante este período em mapa, é nítido o cerco, alertou Ivaneide Bandeira Cardozo, da Associação Kanindé. "Seus caminhos tradicionais percorridos em função do ciclo das águas e de produtos de sua coleta foram cortados propositalmente por estradas abertas por fazendeiros e madeireiros, antigos conhecedores da existência dos Piripkura e da região onde vivem", assinalou.

Documento produzido pelo então gerente executivo do Ibama em Ji-Paraná, Walmir de Jesus, em junho de 2005, levantava as irregularidades dentro das propriedades que incidem no território Piripkura. Ele anotou os seguintes envolvidos: Celso Ferreira Penço (Fazendas Samaúma, Mudança, Paralelo 10, Mudança, Central, Madeirinha) e Fazenda Barradão, depropriedade de João Garcia. "Em cinco anos, Celso Penço foi responsável pela extração ilegal de 180 a 200 mil m3 de madeira, mesmo não possuindo nenhuma serraria. Porém existem três serrarias localizadas em suas terras", assinala o relatório. Em outro trecho do documento, o funcionário denunciava a aquisição ilegal de armas no Paraguai (seis de calibre 12, e 20 quilos de munição) por Penço. De 2005, época da denúncia, a situação nada mudou. 

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Em poucas palavras, um relato dramático do sofrimento de sua gente /HOSPITAL REGIONAL

Intervenção urgente 

Depois de mais de um ano de trabalho na região a Frente de Proteção Etnoambiental concluiu: se não houver intervenção do Estado por meio de uma portaria de restrição de uso – o que paralisaria atividades não-indígenas na área dos remanescentes – será inevitável mais um genocídio. "E desta vez o Estado não poderá alegar desconhecimento", adverte Ivaneide Bandeira.

A portaria à qual ela se refere permite cessar com urgência qualquer atividade econômica em território indígena. Além da extração madeireira ilegal e da grilagem, os próprios planos de manejo estão na mira da Associação Kanindé.

A Kanindé alertou o ministro da Justiça de que a atividade madeireira aumenta neste no período de estiagem, quando também ocorrem queimadas em Rondônia, no Acre e em Mato Grosso. A entidade teme por seus integrantes: "A segurança da equipe na região nos preocupa, porque não temos efetivos jurídicos para fazer cumprir o Art.231 da Constituição Brasileira ("São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos osseus bens").

Há 30 anos a terra dos Arara
e Gavião já era invadidas


JI-PARANÁ – Tikun e Mondeí receberam esse nome de outro povo, os Ikolen-Gavião. Em Tupi-mondé, Piripkura quer dizer borboleta. Os Piripkura tradicionalmente se dividiam em pequenos grupos que percorriam grandes extensões de território em pouco tempo. "Como borboleta, Piripkura uma hora tava ali, depois ali", contou Catarino Sabirop, cacique Ikolen. Coincidentemente, os povos Arara e Gavião foram vítimas da invasão de suas terras por comerciantes e madeireiros de Ji-Paraná entre 1975 e 1977, conforme este repórter publicou na Folha de S. Paulo e em O Globo, com base em denúncias judiciais e do falecido sertanista Apoena Meireles.

A Associação Kanindé lembra que há 60 anos, antes da invasão, os Ikolen disputavam o mesmo território com os Piripkura. "Com a chegadados brancos, os índios foram impedidos de percorrer essas grandes extensões de terra. Iniciou-se, principalmente depois das décadas de1970 e 1980, um processo de confinamento e genocídio aos Piripkura, queno momento atual chegou ao extremo", diz o documento enviado ao ministro. 

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Aos poucos, o fim de uma riqueza que teve dono /EVANDRO FERREIRA

Devastação no Roosevelt

Tikun fez alguns relatos a indigenistas da Funai durante os três contatos. E narrou os massacres promovidos pelos brancos. Uma das reportagens que mostram a situação angustiante desses remanescentes foi publicada pelo jornalista Felipe Milanez, na revista "National Geographic". Ele recordou que em 1973, com o fim dos seringais, um grileiro conhecido por Reveria determinou o desmatamento de uma extensão de 90 quilômetros ao longo do rio Roosevelt, nas duas margens, com uma largura de três quilômetros.

"Os ribeirinhos correram para o mato, entrando em contato com índios isolados. Após esse primeiro conflito territorial, em 1975 um grupo madeireiro fundou a Colonização Indústria e Comércio Ltda, com a sigla de Colniza, cuja sede ficava próxima ao rio Aripuanã. O Estado passou a distribuir títulos de terras para pessoas influentes. Foi o começo da grilagem em uma das regiões mais vulneráveis e menos protegidas de toda a Amazônia".

Diante de um iminente genocídio, a Associação Kanindé esperava rapidez na interdição da área ocupada pelos índios. Isso não aconteceu. À revista Carta Capital, em novembro do ano passado, o presidente da Funai Márcio Meira declarou: "Estamos constituindo um grupo de trabalho para fazer a interdição eidentificação da área, que é um dever nosso. É protegê-los".

Aval do MMA

Outro motivo que fazia acreditar na rapidez na publicação da restrição de uso é o fato de que a região Piripkura, incide na região 51 Madeirinha-Roosevelt, que o governo brasileiro, por meio da Portaria nº 9 de 23/1/2007 e do Ministério do Meio Ambiente, definiu como região depreservação prioritária. "Ressaltamos ainda que a região mencionada foiclassificada como de Prioridade Extremamente Alta paraações visando a preservação ambiental", destaca a Kanindé.

Acrescenta: "A mesma classificação recebeu no item Importância Biológica. É conhecida a eficácia na preservação ambiental das áreas destinadas aos povos indígenas, sobretudo de povos isolados, mesmo diante das dificuldades dada a falta de estrutura da Funai e do Ibama". (M.C.)

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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