O presidente Jair Bolsonaro cancelou o encontro que teria com o presidente da China, depois de esperá-lo por 20 minutos. Aparentemente, Xi Jinping se atrasou porque ainda estava conversando com o presidente da França, Emanuelle Macron.
Aparentemente, Bolsonaro teve que desistir da reunião para não perder a hora de decolar de Osaka, no Japão, de volta ao Brasil. Tudo aparência.
A China desbancou os Estados Unidos da sua tradicional posição de maior parceiro do Brasil exatamente 10 anos atrás. Na relação comercial com o gigante asiático, dono da segunda maior economia do planeta, abaixo apenas dos EUA, o Brasil tem superávit: recebe mais do que paga. O que mais vende, porém, são matérias primas, commodities. O valor relativo dos produtos brasileiros é muito inferior ao das mercadorias que os chineses nos vendem, por conterem mais tecnologia.
Nos últimos anos, os chineses não mais se satisfizeram em receber em seus portos os produtos vindos do outro lado do mundo, principalmente minério de ferro e soja, de baixo valor agregado para muito volume físico. Decidiriam assumir o pleno controle da cadeia produtiva e de transporte das mercadorias. Passaram a comprar lotes e mais lotes de empresas brasileiras. Daí uma das suas frases de campanha e Bolsonaro: a China está comprando o Brasil.
Provavelmente informado sobre o significado mais profundo da afirmativa por gente capacitada a ir além de frases de efeito, de rasa compreensão dos fatos, como o astrólogo Olavo de Carvalho, Bolsonaro admitiu ter provocado um mal-entendido com quem mais fornece dólares ao Brasil.
O encontro de ontem seria para pôr fim a essa fonte potencial de atritos para que o presidente chegue à China, para onde pretende viajar em outubro, com direito a tapete vermelho (se é que a cor tem algum diferencial de tratamento num país que ainda é comunista politicamente).
A impressão que se tem é de que o cancelamento do encontro se deveu menos ao atraso de 20 minutos, perfeitamente compreensível e absorvível, e mais aos impulsos de grandeza, bufonaria e de bravata de Bolsonaro. Ele parece ter ficado ressentido com a atenção mínima que XI Jinping lhe deu, na mesa de banquete dos líderes do G20, enquanto tagarelava com Donald Trump.
O desequilíbrio na partilha da atenção é perfeitamente natural, tratando-se dos chefes de governo das duas mais poderosas nações do mundo. Mas se Bolsonaro ao menos dominasse um tatibitate em inglês, poderia ter conquistado mais do que os 10% que o vizinho lhe reservou.
O Itamaraty deveria convencer todo candidato monoglota eleito para presidir o Brasil, um país que, enfim, se globaliza, a um curso rápido do idioma mundial entre a eleição e a posse. Evitaria o constrangimento de se ver cenas de Bolsonaro como cego em tiroteio diante do interlocutor que tonitrua na língua de Shakespeare (agora também de Bush e Trump, para castigo do bardo de Stratford-upon-Avon por sua genialidade numa Terra medíocre).
A questão chinesa é tão importante e grave na agenda brasileira que Jair Messias Bolsonaro deveria engolir sua verborragia, tão vazia quanto a do seu guru, esquecer o orgulho, segurar o relógio e se impor aprendizado suficiente para torná-lo capaz de cortar o nó Górdio do desafio a que nosso maior parceiro comercial nos submete: como não se deixar levar apenas pelo superávit comercial, transformar matérias primas em produtos acabados e associação empresarial em ponte para um progresso bilateral, não por ordem de um novo colonialismo.
Como se diz em inglês: that’s the point, Mr. Bolsonaro
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