Sábado, 23 de outubro de 2010 - 08h40
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
O mundo amazônico ocidental parecia desabar sobre Rondônia naquele abril de 1984, quando o secretário de Planejamento do município de Porto Velho, Haroldo Cristóvão Leite, retornava da vila de Mutum-Paraná, a 176 quilômetros da capital, rumo ao Estado do Acre.
Chovera em Rondônia o suficiente para se confirmar uma vez mais os rigores do chamado inverno amazônico, quando o norte brasileiro – e de uns tempos para cá, outras regiões também – ficam literalmente debaixo d’água. Em Mutum-Paraná cerca de trezentas pessoas tiveram suas casas invadidas pelas águas.
O transbordamento do Rio Madeira naquela região trouxe problemas ao município, mas a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Secretaria de Promoção enviaram medicamentos às famílias flageladas. O chefe da Casa Militar do Governo, major Otávio Pinto de Azeredo, conseguiu o vôo de um avião Hércules C-130 da FAB para transportar 120 toneladas de alimentos, combustíveis e medicamentos. Parte da carga foi levada para Guajará-Mirim, outra vítima das inundações do Rio Guaporé.
Naquele mesmo mês de abril as águas turbulentas surpreendiam novamente: um rebocador que levava para Guajará-Mirim trezentas toneladas de arroz, feijão, açúcar, farinha e outros gêneros alimentícios naufragou, depois de bater num tronco de árvore no Rio Mamoré. O transbordamento dos rios Guaporé e Mamoré deixou o município em estado de emergência.
Os alimentos procedentes de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), no Vale do Guaporé, seriam entregues à população que estava privada do abastecimento normal havia um mês, em virtude do isolamento causado pelas chuvas. Sem vítimas a lamentar, o governador Jorge Teixeira comemorou a salvação de uma parte dos alimentos. O rebocador pertencia ao seringalista Juarez Uchoa e foi destruído.
Em dez de maio uma manifestação de duzentas pessoas contra a falta de energia elétrica resultou em prisões, ferimentos, quebra-quebra, tumulto e o fechamento do tráfego na rodovia BR-364, em Ji-Paraná. Não foi um apagão comum, pois demorou duas semanas.
As pessoas saíram do sério. Soldados da Polícia Militar, bombeiros e agentes civis e federais deslocaram-se até a ponte sobre o Rio Machado. Ao todo, cerca de cem policiais entraram em choque com os manifestantes: seis Pms ficaram feridos e cinco pessoas foram internadas com escoriações nos hospitais Santa Mônica e Regional, de Ji-Paraná.
Apagões se repetiram por mais tempo. “Enquanto não tiver energia elétrica hidrogerada, Rondônia não poderá desenvolver como pretende o seu setor industrial”, proclamava em junho o secretário de Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, Reginaldo Vieira de Vasconcelos. A ameaça era ainda maior quando se sabia que a hidrelétrica de Samuel, no Rio Jamari, só operaria a partir de 1988, conforme admitia a própria Construtora Norberto Odebrecht.
Naquele período, apenas 30% das obras civis da usina encontravam-se concluídas. Faltavam 40 bilhões de cruzeiros para a retomada do ritmo normal. Apesar desse quadro, o secretário Reginaldo Vasconcelos mostrava-se confiante, ao executar planos visando à instalação do Distrito Industrial de Porto Velho, numa área de 370 hectares, no Km 16 da BR-364, rumo a Ariquemes.
Enfim, 1984 que desafiou Rondônia foi também o ano do movimento político democrático “Diretas Já”, com grande participação popular em todo o País, em apoio à emenda do deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT), que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República.
Vivíamos o fim do regime militar, sob o tacão do general-presidente João Figueiredo. Passeatas e comícios ocorridos em outras capitais aconteceram também na Praça das Caixas d’Água, em Porto Velho, com a presença de líderes políticos de expressão nacional, entre os quais Ulisses Guimarães, Franco Montoro, Tancredo Neves e Fernando Henrique Cardoso. A atriz Christiani Torloni e a cantora Fafá de Belém fizeram muita gente suspirar além da conta na praça.
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