|
Manipueira é benéfica para o gado e também pode ser usada como adubo ou antipraguicida /MONTEZUMA CRUZ
|
Odebrecht investe R$ 3,6 bi em saneamento ambiental. Água da mandioca é dinheiro, mas continua desperdiçada.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
RIO BRANCO, AC – Por desconhecimento, o empresariado nacional ainda não constatou o desperdício de pelo menos 1 milhão de litros de manipueira (líquido leitoso resultante da prensagem da mandioca), a cada dois dias, nas farinheiras das regiões do Juruá e Purus, no Estado do Acre. Esse volume triplica no pico da produção e poderia ser totalmente aproveitado na produção de tucupi, de fertilizantes e de antipraguicida natural, em vez de ser jogado nas valas e escorrer para igarapés e rios. Em Sena Madureira, a 144 quilômetros de Rio Branco, o despejo desse líquido a céu aberto provoca efeitos danosos ao ambiente.
Se aproveitada 24 horas depois da industrialização, deixaria de ser poluente. Fosse de fato reconhecida pelo governo federal, a manipueira estaria na lista das riquezas amazônicas, ao lado da castanha, do cacau, do látex, do café (
Rondônia é o maior produtor da região norte), dos peixes e das frutas. Ela pode render muito dinheiro.
Esta semana, a Odebrecht anunciou o lançamento da marca Foz do Brasil, para investir, nos próximos cinco anos, R$ 3,6 bilhões em negócios com engenharia ambiental (resíduos e efluentes industriais, saneamento básico e resíduos urbanos), via parcerias público-privadas (PPs). A Fundação Odebrecht há anos investe na pesquisa e no melhoramento da mandioca no Recôncavo Baiano e sabe o que a planta é capaz de render, se tiver o aproveitamento de sua parte aérea.
O saneamento básico beneficia 77% da população brasileira. Com apoio financeiro do BNDES, da Caixa Econômica Federal e da International Finance Corporation (IFC) – braço financeiro do Banco Mundial – a Odebrecht prevê um faturamento de R$ 750 milhões em 2010 e o atendimento de três milhões de pessoas na área de água e esgoto, em 19 municípios dos estados da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. É tanta a confiança no negócio, que o IFC teria destinado a esse segmento US$ 50 milhões.
Solução amazônica para a própria Amazônia
|
Salla: casas de farinha comportam outros equipamentos para produzir a raspa e para processar a parte aérea da mandioca / MONTEZUMA CRUZ
|
Realista, o extensionista rural e doutor em Agronomia na Área de Concentração de Energia na Agricultura, Diones Assis Salla, acredita que o empresariado poderá enxergar no Acre novas oportunidades de negócios nesse setor. “Estudos demonstram claramente que as atuais casas de farinha – mais de 150 no Acre e no nordeste do Pará – comportam outros equipamentos para produzir a raspa e para processar a parte aérea da mandioca”.
Segundo Salla, na Amazônia, um simples investimento com recursos do Banco da Amazônia S/A, da Fundação Banco do Brasil, ou de qualquer outra instituição creditícia, permitira a construção de pátios para secagem dos substratos e locais para armazenagem do produto. “Somos um grupo de pregadores no deserto, mas vez ou outra nos ouvem, em seminários e congressos: a manipueira é rica em nutrientes para a alimentação de gado de corte e de leite e quem utilizá-la certamente criará um mercado alternativo com o setor pecuário, principalmente para suprir os períodos secos onde as pastagens tornam-se insuficientes e inaptas para alimentar o rebanho bovino”.
Cada tonelada rende 300 litros
O escoamento do produto seria feito por rios e por caminhões, rumo aos grandes centros consumidores na própria Amazônia. “É uma grande saída”, conclui o cientista. Ele e o pesquisador Mauto de Souza Diniz, da Embrapa
Mandioca e Fruticultura Tropical (Cruz das Almas-BA) andam inquietos com esse desperdício de oportunidades. Ao custo de anos de experiências e desafios, Souza conseguiu, com o apoio das empresas estaduais de pesquisa e extensão rural, difundir o uso da manipueira em propriedades rurais dos estados de Sergipe e do Rio Grande do Norte.
O pesquisador explica que uma tonelada de mandioca produz cerca de 300 litros de manipueira. “O produto precisa receber um tratamento adequado para evitar a contaminação dos rios terrenos vizinhos à unidade de processamento”, ele ensina. Salla analisa o aspecto econômico: “No que diz respeito a pequenos criadores, a utilização da manipueira possibilitaria sua permanência no mercado, sem ter que se desfazer da propriedade e se interiorizar na busca de espaços físicos maiores, o que aumentaria a concentração da terra e a necessidade de mais serviços públicos”.
País importa 73% dos fertilizantes
BRASÍLIA – O Instituto Nacional da Propriedade Industrial ainda não patenteou o uso da manipueira em pó para fertilizantes e antipraguicida natural. Enquanto isso, um cartel continua dominando o setor. Relatório divulgado este mês pela Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) diz que todas as empresas de fertilizantes pertencem a três multinacionais: Bunge, Yara e Mosaic. É um cartel. “Elas dominam o mercado e ainda são sócias entre si em algumas empresas. São ditadoras e manipuladoras dos preços dos fertilizantes e da comercialização”.
O próprio ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes considera o problema dos fertilizantes como um dos maiores e mais sérios da agricultura brasileira. Segundo a Faep, o potássio tem o seu mercado dominado por cinco países (Alemanha, Bielo Rússia, Canadá e Israel); o nitrogênio por três (China, Estados Unidos e Índia); e o fósforo por outros quatro (China, Estados Unidos, Marrocos e Rússia).
A agricultura brasileira paga mais de US$ 440 milhões em fretes marítimos e atrasos nos portos. Segundo a economista da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, Rosemeire Cristina dos Santos, no trabalho “Mercado de fertilizantes”, o crescimento no consumo de fertilizantes no País alcançou 70% dos últimos dez anos.
O Brasil é o quarto maior mercado do mundo. No entanto, 73% dos fertilizantes são importados: potássio 91%, nitrogenados 75% e fósforo 51%, num consumo médio anual de 24 milhões de toneladas. As concessões são feitas pelo DNPM, cujo último relatório anual divulgado é de 2005. (M.C.)
|
Ótimo alimento para o gado, desde que livre da toxidade / EMBRAPA MANDIOCA
|
Pró e contra na engorda bovina
■ Segundo o pesquisador Mauto Diniz, há necessidade de se fazer o teste para o consumo de cinco litros de manipueira durante três dias. "Os animais que passarem por esse teste poderão consumi-la normalmente. Os que apresentarem alguma reação, devem ser separados do grupo que vai consumir a água da mandioca.
■ Cuidados no fornecimento do líquido aos animais, que devem ser preparados para consumi-la: "Só depois de três dias de repouso, quando a manipueira é pura, e cinco dias quando é impura". "A manipueira é considerada pura quando sai da prensa e vai direto para o tanque de coleta. É impura quando é misturada com água, quase sempre resultante da produção de beijus".
■ Animais fracos não devem consumir a manipueira, por ser um alimento muito forte e tóxico. "Ela é recomendável apenas para animais saudáveis", assinala. A manipueira deve ser encarada não propriamente como uma ração, mas como complemento alimentar, como um concentrado. "Em vez de beber água, os animais vão consumir manipueira, muito rica em praticamente, todos os macro e micronutrientes", diz. (M.C.)
Fonte: Montezuma Cruz - A Agência Amazônia é parceira do Gentedeopinião