Terça-feira, 9 de janeiro de 2018 - 12h13
ANA TERRA MEJIA MUNHOZ
Editora de Sobrescrita
Como equilibrar, numa obra, a delicadeza e as cruas verdades de um relato sobre câncer? Uma jovem mulher bateu à porta da Sobrescrita: era Beatriz Falcão e queria publicar Somos blindadas, sua história de enfrentamento do câncer de mama. A moça descobriu a malfadada doença aos 28 anos, lutou, fez da escrita desabafo e fortaleza, venceu. Queria, agora, publicar seus escritos, ofertar a outras mulheres uma espécie de manual de sobrevivência às agruras de um diagnóstico difícil e um tratamento agressivo. Havia uma promessa em seu manuscrito: alento, esperança e informação às suas leitoras ou, como ela preferia chamar, suas amigas do peito.
Corra, editora, corra
“Lindo projeto”, foi meu primeiro pensamento e impulso. Meu coração de editora e mulher nem hesitou em topar. Mas a beleza da ideia vinha com um desafio: o calendário. Beatriz desejava o lançamento no outubro rosa. Nada mais razoável – nenhum editor discordaria que o timing no lançamento de um livro pode ser a chave para sua ampla divulgação. A questão é que já era a segunda metade de agosto. Outubro estava a menos de dois meses num horizonte que incluía uma longa lista de tarefas editoriais que não estão no gibi, mas levam bem mais que um bimestre.
Livros são feitos em longos processos, que podem durar de meses a anos. Na Sobrescrita, costumamos trabalhar com cronogramas entre seis e dezoito meses. Mas ali o relógio tiquetaqueava apressado: o outubro rosa não poderia esperar, e deixar a publicação para o ano seguinte seria protelar demais. Foi com um misto de coragem e disciplinadíssimo trabalho em equipe que nos ajustamos, eu, editora; João Neves, designer gráfico e pacientíssimo parceiro para resolver toda a burocracia editorial; e Beatriz, a autora.
Nossa missão: estar em firme sintonia para aquele parto de emergência – da primeira versão do manuscrito, à segunda e à terceira, à elaboração do projeto gráfico, à diagramação, à revisão de prova e, finalmente, à impressão em gráfica em 45 dias. Previsão de lançamento: terceira semana de outubro. Estava dada a largada.
Diz-me para quem escreves…
…e te direi o que é teu livro. Minha primeira pergunta a Beatriz foi mesmo esta: quem você imagina como seu leitor? Quem é seu público-alvo? Não era uma pergunta trivial. Muitas pessoas escrevem para si – querem desabafar, gostam de ler as próprias palavras no papel, mas têm uma ideia vaga de quem querem atingir, ou mesmo pensam ingenuamente que seu livro é para todo mundo.
A verdade é que uma obra só se desenha à luz de um perfil claro de leitor – no caso de Somos blindadas, conversamos que seriam mulheres como a autora, jovens e em situação de câncer de mama. Não seriam mulheres de meia-idade, por exemplo, por isso não se falaria em netos ou outras questões cotidianas a esse momento da vida. O livro tocaria em outros temas: por exemplo, a angústia de submeter-se a um tratamento que ameaça a fertilidade, um risco importante em uma fase em que a mulher ainda planeja suas escolhas reprodutivas.
Baladas, afetos, vida profissional, estudos, atividade física, autoestima e autodescoberta se insinuariam como outros temas para a obra que então se esboçava.
Evidentemente, o livro poderia ser lido por outras pessoas (familiares, companheiros, amigos da mulher em tratamento), mas seu foco estava definido. E essa definição era o que nos permitia ter clareza, por exemplo, de que respostas o livro ofereceria às inquietações de suas leitoras.
Como é ficar sem cabelo? Que dieta mais auxilia o tratamento? Pode fazer sexo? Que escolhas existem quanto às intervenções cirúrgicas? Como é a rotina da químio e da radioterapia? Como é a vida após o câncer?
Entre essas e muitas outras perguntas, fomos costurando o sumário do livro. Beatriz já trazia respostas a essas questões em seu manuscrito, mas elas estavam ainda dispersas entre páginas que haviam sido redigidas nos turbulentos intervalos das sessões de químio e rádio, em momentos de desabafo ou de agitada inspiração. A edição era a hora de acolher as palavras da escritora e captar seus sentidos, para então refinar sua ordem, coerência e concisão.
Aparar as pontas
“Para ser um romancista, você tem que fazer escolhas. Tem que moldar e esculpir”, explicou o célebre editor Max Perkins ao escritor Thomas Wolfe em uma cena de O mestre dos gênios, filme de 2016. Essa foi a proposta apresentada a Beatriz: juntas, iríamos fazer escolhas, moldar e esculpir seu manuscrito.
Naquele original de longas páginas, era preciso tomar decisões: aparar frases, parágrafos, capítulos. Moldar e esculpir viriam em seguida: realocar trechos, uniformizar o estilo, burilar escolhas vocabulares.
O manuscrito continha um capítulo dedicado à perda dos cabelos – a maior dor depois do diagnóstico, frisou a autora, por isso um capítulo inteiro só para ele –, mas ainda assim o tema das madeixas insistia em aparecer em outros momentos do livro.
Do ponto de vista editorial, não ficava legal ter tantos fios indomados ao longo da obra. Com sugestões de corte e reorganização, remodelamos o capítulo e decidimos que ele seria o primeiro: era preciso dar a ele seu merecido destaque. E os demais capítulos ficariam livres para cuidar de seus temas sem digressões capilares.
SINOPSE DO LIVRO
O diagnóstico de câncer de mama abala nossa feminilidade, nossa autoestima, nossas crenças. Mas, ao mesmo tempo, nos convida a uma bela jornada de transformação e renascimento. Nesta obra, Beatriz Falcão nos conta como descobriu, encarou e superou o câncer que a atingiu aos 28 anos. E é como uma boa amiga do peito que ela nos oferece palavras de alento, dicas de enfrentamento, verdades que vêm do coração e nos ajudam a nos sentir fortes, guerreiras e blindadas.
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