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Montezuma Cruz

Escola Agrícola acreana nasceu do temor ao êxodo rural


Escola Agrícola acreana nasceu  do temor ao êxodo rural - Gente de Opinião
Família rural reunida: expectativa de ver a escola crescer com bom aprendizado e venda da produção de suas terras /FOTOS MONTEZUMA CRUZ



MONTEZUMA CRUZ
Amazônias

 


ACRELÂNDIA, Acre – Noventa alunos em aula desde março deste ano estão prontos para dar uma guinada no ensino agrícola neste município a 90 quilômetros de Rio Branco. Apoiados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, eles aprenderão a utilizar microtratores para a ampliação da horta e das lavouras da Escola Agrícola Jean Pierre Mingan.

O nome do estabelecimento homenageia o primeiro executor do Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), na divisa dos estados do Acre e Rondônia. Ali trabalham 15 pessoas, das quais, oito professores. Destes, seis moram nas dependências da escola.

– Este colégio é um sonho de dona Aldênia e seu Raimundo, desde 1992 – conta o diretor, Nemésio Soares. E me apresenta o casal. Aldênia dos Santos, 61 anos, amazonense de Lábrea, conheceu o seringueiro Raimundo Rodrigues da Gama, 66, no Km 4 do Ramal Cascalho, próximo à BR-364, onde até hoje têm parentes.

Naqueles tempos, anos 1970, os dois participavam de cursos da Emater e militavam em comunidades eclesiais de base. Chegavam ao Acre notícias do êxodo rural que então causava problemas na agricultura de estados do sul e do sudeste. E também desembarcavam nas rodoviárias famílias de migrantes vindas, principalmente, do oeste e do sudoeste do Paraná, dedicando-se principalmente ao café, banana e milho.

O simpático casal associa sua história de vida à da escola. Aldênia e Raimundo criavam um casal de filhos que foram estudar em Porto Velho, a cerca de 400 quilômetros. A filha se tornou professora e escolheu uma escola em Nova Califórnia, enquanto o filho formado em ciências contábeis ingressou no Corpo de Bombeiros, na capital rondoniense.

– Daí, nós começamos a lutar para ter os outros meninos aqui perto da gente, estudando e valorizando o que o pai e a mãe fazem – diz Aldênia.


 

Escola Agrícola acreana nasceu  do temor ao êxodo rural - Gente de Opinião
Levantando poeira: aluno treina o uso do microtrator. Apoio da Embrapa e do Senar é mais um passo rumo à consolidação da Escola Agrícola



Empurrão na hora certa

Os esforços prosseguiram, ainda sem êxito. De tanto demonstrar a viabilidade da construção da escola e não vê-la sair do papel, esmoreceram um pouco. Finalmente, constataram que essa escola seria um meio para obter mão-de-obra e técnicas que garantissem o futuro da produção agrícola e extrativista do município.

Sucederam-se pedidos para políticos, reuniões com representantes do governo estadual, com o coordenador do Projeto Reca, Sérgio Lopes, e com o então Bispo do Acre-Purus, dom Moacyr Grechi.

O Projeto Reca foi criado nos moldes da solidariedade. Nasceu para aproveitar e promover ao máximo o que denomina na linguagem acadêmica “sociobiodiversidade da Amazônia”. Originou-se de um grupo de agricultores vindos de diferentes regiões brasileiras, todos assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em terras do antigo Seringal Santa Clara.

– Conseguimos alguns recursos para a saúde. O governo mandou o primeiro microscópio e depois, a verba – lembra Aldênia. Trinta anos depois da debandada de tantos jovens para as cidades, por falta de oportunidade de permanecer na floresta e nas lavouras, a região de Acrelândia mereceu o reconhecimento: em 2004 o governador Arnóbio Marques, Binho, destinava R$ 354 mil para o projeto da escola, mas a manutenção dos alunos exigia um pouco mais.

A Natura recebeu um pedido do governo e começou a colaborar com o projeto. Atualmente, a estrutura administrativa funciona, graças ao apoio dessa empresa, que enviou para Acrelândia seis computadores e demais equipamentos de informática.


 

Escola Agrícola acreana nasceu  do temor ao êxodo rural - Gente de Opinião
Deputado Fernando Melo conheceu o casal de pioneiros – Aldênia e Raimundo – que incentivou a criação da escola no século passado

Plantar mais, o sonho de Nazaré

Em 2009, o projeto se consolidou e a escola funcionou. Além das aulas teóricas, os alunos internos começaram a cultivar uma horta com tomate, alface, rúcula, couve e pimenta. Ao lado crescerá um mandiocal com variedades locais e trazidas de outras regiões.

–Tudo o que o senhor vê é o começo de uma formação que vai resultar em muito mais – garante a professora Lucinês Nazaré da Silva, que leciona História, Educação e Prática no Viveiro. Ainda não há um plano, mas os professores acreditam na possibilidade futura de fornecer frutas e verduras a outras escolas municipais.

Depois de ensiná-los a aproveitar água da chuva, ela agora os incentiva a fazer crescer o plantio de rambutã ou rambutão, coco, pupunha, açaí, cupuaçu e ingá. Originária da Malásia, a rambutã se assemelha à mamona, possui o sabor da lichia e da uva. Sua árvore ornamental alcança dez metros de altura.

“Maioria fica”

Na rotina de ensino conjugado com o trabalho, os alunos fizeram a pocilga, o galinheiro e o jardim. Cuidam da limpeza do terreno e das salas e quartos de madeira e têm aulas das 7h às11h30. Almoçam e retomam as aulas das 13h às 15h30. Lancham e participam em seguida das práticas agrícolas. O jantar é servido às 18h.

Para o coordenador pedagógico Rivelino Freitas, 70% dos alunos estão “vocacionados” a concluir o curso e aprender bem, desde que incentivados. Segundo ele, o microtrator oferecido pela Embrapa, por meio da emenda individual do deputado Fernando Melo (PT-AC) trouxe um pouco mais de ânimo ao projeto. Explica-se: a máquina é apropriada ao aproveitamento de restos de capoeira e não agride a floresta. Trabalha em áreas já degradadas ou ameaçadas de degradação.

Ao visitar a escola acompanhado de assessores e de pesquisadores da Embrapa, o deputado vislumbrou a inserção da escola no mercado consumidor de Rio Branco. À direção, aos professores e aos alunos, Melo lembrou as facilidades agora oferecidas pela unidade da Centrais de Abastecimento S/A (Ceasa), inaugurada no primeiro semestre do ano.

— Apresentei emendas, o dinheiro foi liberado e a Ceasa conta com 11 caminhões para recolher a safra nos ramais. Pode chegar aqui também, quando vocês organizarem o fornecimento. A confecção de embalagens pode ter o apoio do Sebrae, e as caixas plásticas padronizadas para o transporte dos produtos já são alugadas a 30 centavos a unidade por dia de uso.


Depois do Reca e do apoio do
bispo, jovens são a esperança

ACRELÂNDIA – Nunca a juventude rural acreana mereceu ser tão cativada para não se afastar de um estado que abre as portas da exportação de produtos da Amazônia Ocidental, com a breve utilização dos portos do Oceano Pacífico, no Peru.

Quando o Reca nasceu, as demarcações eram completamente diferentes dos tradicionais assentamentos hoje existentes no País. As famílias recebiam lotes, mas não conseguiam ter acesso à saúde, muito menos à imprescindível assistência técnica. Outro dia, ao visitar Rio Branco, o presidente da Embrapa, Pedro Arraes, mostrou-se animado com a possibilidade de os pesquisadores levarem seus estudos a todos os municípios.

Escola Agrícola acreana nasceu  do temor ao êxodo rural - Gente de Opinião
Professora Lucinês vê avanço entre os alunos: eles construíram pocilga, galinheiro e armazenam água da chuva

No caso de Acrelândia, haverá, portanto, uma mudança de métodos e o pagamento de uma dívida antiga com a região limítrofe com Rondônia, conhecida como Ponta do Abunã.

— Essas famílias não recebiam nenhum tipo de apoio e ainda por cima eram pressionados a derrubar a floresta – registra um estudo do Reca.

O tempo passou. Entre os anos 1970 e 1980 os agricultores assentados ficaram quase inertes aos constantes ataques da malária. Os mais corajosos desbravaram as terras, mas frustraram-se com outra adversidade: o solo não era tão bom quanto os do sul ou do sudeste, no que diz respeito à resistência ao sol e ao tombamento.

Malária, solo e litígio de terras motivaram o abandono aos lotes. Os investimentos ficavam na promessa, como notou o casal que inspirou a escola agrícola. Ocorreu em Acrelândia, situação semelhante à de Nova Califórnia (RO).

Como sobreviver? Uniram-se, então, aos seringueiros e debateram uma forma alternativa de melhorar as condições de vida. Com o conhecimento de cada um foi possível descobrir plantas frutíferas, melhor época de trabalhar e outras particularidades da região. Surgiram então, os sistemas agroflorestais que embasaram outros, dotados de mais recursos.

Foi aí que entrou o bispo Dom Moacyr Grechi, atual arcebispo de Porto Velho. Rapidamente, ele apoiou os agricultores, enviando o projeto ao Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, no Rio de Janeiro (Ceris).

O Ceris encaminhou o projeto à Cooperação Técnica da Holanda (Cebemo) e aí chegaram os primeiros recursos para o funcionamento de duzentos hectares de sistemas agroflorestais. Como os recursos do Cebemo, as famílias iniciaram o plantio de pupunha, cupuaçu e castanha-do-Brasil nessa região.

Agora, Embrapa e Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar dispõem de um colégio capaz de atrair e apoiar jovens filhos de agricultores para que não deixem o Acre em troca de nada. (M.C.)


 

Escola Agrícola acreana nasceu  do temor ao êxodo rural - Gente de Opinião
Com a ampliação desta horta será possível, além do abastecimento próprio, fornecer hortifrutis à merenda de outras escolas



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