Plantadores de feijão e tabaco no Alto Juruá querem comercializar produção a melhores preços. A cultura do fumo não aparece na estatística econômica do Estado do Acre.
JURACY XANGAI
Agência Amazônia
MARECHAL THAUMATURGO, AC – Mais de 120 famílias do Alto Rio Juruá em Marechal Thaumaturgo orientadas pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) criaram no início do mês a sua cooperativa, a CooperFumo com o objetivo principal de organizar a comercialização da produção, que ultrapassa duas mil arrobas de tabaco e mais de 80 mil quilos de feijão.
Cansados de ser explorados pelos regatões que compram as mais de 18 variedades de feijão de corda e arrancam por apenas R$ 1 o quilo para vendê-los a R$ 5 nos mercados de Cruzeiro do Sul e Marechal Thaumaturgo, pequenos agricultores resolveram organizar-se e reagir contra essa situação. Sua produção de tabaco artesanal, comprada a R$ 60, é vendida a R$ 300.
Por isso, eles pediram orientação à OCB, que enviou à região a consultora do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), Solange Lins Ribeiro. Após quatro dias de treinamento as famílias perceberam que a cooperativa é uma empresa coletiva que requer o comprometimento de todos os associados para que alcancem o sucesso desejado. Decidiram encarar o desafio e assim nasceu a Cooperativa dos Produtores Agroflorestais do Alto Juruá, a CooperFumo sob a presidência do produtor Mariano Dias da Silva.
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Famílias de agricultores reunidos recebem orientações do Sescoop. Agora, eles se animam a obter melhores perspectivas de ganho com a cultura do tabaco /JURACY XANGAI
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Produção diversificada
Com sede na comunidade do Lago do Ceará que está localizada a seis horas e meia de barco da cidade de Marechal Thaumaturgo subindo o rio Juruá, a cooperativa abrange as famílias das comunidades ribeirinhas do Lago do Ceará, Foz do Ceará, Arenal I e II, Cachoeira da Tartaruga I e II, Pau Brasil, São João, Belfort, Adão e Eva, Bandeirante, Caipora, Pedra Alta, Primavera, Fazenda Natal, Pedra Cubiu, Santo Antônio I e II, Caiporinha e Pedra Pintada.
Das 120 famílias, 43 se organizaram como fundadoras da Cooperfumo, mas devido ao interesse das demais, outros treinamentos serão realizadas para que todas saibam o que é uma cooperativa e quais são as obrigações e direitos como sócios de uma empresa coletiva.
“Aqui nós produzimos muita mandioca, farinha, feijão, milho, arroz, batata doce, banana, gergelim e outros legumes, além do gado, porco e carneiro que ajudam a gente com a produção de leite e carne. A maior parte dessa produção é usada pra consumo da gente porque vivemos muito longe da cidade e o transporte, além de difícil é muito caro, então vendemos o feijão pelo que nos pagam nada mais um pouco”. Relata Mariano Dias da Silva o presidente da Cooperfumo.
Ele então esclareceu que: “Desde o tempo de meu avô que o que dá dinheiro pra nós é tabaco, por ser uma lavoura que usa pouca terra, dá muito trabalho, mas dá melhor resultado do que outros legumes na hora da venda. O problema é que a gente é muito explorado pelos compradores que pagam pouco e ganham muito dinheiro nas nossas costas, então a gente
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Secagem de folhas de fumo em galpões dos produtores de Marechal Thaumaturgo, no extremo-oeste brasileiro /JURACY XANGAI
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resolveu se organizar, pedimos socorro e a OCB mandou dona Solange para nos ensinar o que é cooperativa porque essas coisas a gente só conhecia de nome, assim de ouvir dizer!”
Aprendendo a cooperar
Vivendo totalmente isolados, aqueles ribeirinhos sempre souberam o valor da união e da solidariedade para conseguir sobreviver dentro da Reserva Extrativista do Alto Juruá, não foi difícil para aquelas famílias compreenderem o espírito de apoio mútuo que deve reinar dentro de uma cooperativa, como também das responsabilidades que cada um deles tem a partir de agora para com o sucesso de suas atividades.
“Quando nós aprendemos o que é e como funciona uma cooperativa, decidimos que essa seria a melhor maneira de comercializar nossa produção de feijão e tabaco. Aqui nós plantamos feijão de janeiro a abril, conforme a variedade e enquanto estas lavouras vão formando, ainda em março vamos limpando a área para plantar tabaco”. Explica o produtor Mariano.
Mariano só vende o necessário
“Em abril plantamos as mudas no roçado e a colheita das folhas começa em julho e vai até setembro. Nesse período as mulheres apanham as vagens do feijão e os homens as folhas de tabaco que precisam ser secadas na palha do telhado. Depois de prensada, tiramos os talos enrolamos e depois entaniçamos (cobertura) com cipó timbó ou barbante de plástico e estocamos para esperar os compradores”.
Mariano que neste ano acaba de colher 68 arrobas de tabaco, revela uma manha de produtor: “Como eles pagam pouco pelo tabaco, a gente só vende o necessário para comprar as coisas que nós precisamos e guardamos o resto do tabaco para vender no ano seguinte, quando está em falta, daí eles pagam o dobro do preço que estão pagando agora!”
Maria sustenta a família
Moradora do Lago do Ceará, a produtora Maria da Conceição Martins da Silva, 52 anos e mãe de nove filhos lembra que ficou órfã perto dos 12 anos de idade quando tomou a responsabilidade de cuidar dos irmãos menores. “A gente passou muita necessidade, mas a vida só não foi pior porque logo aprendi a plantar tabaco. Com esse dinheiro ajudei a criar meus irmãos e criei, sozinha, meus nove filhos. Podem até falar mal do tabaco, mas pra nós é uma lavoura abençoada porque é dela que a gente consegue dinheiro para comprar o que precisamos. Assim que a gente termina de colher o tabaco, já preparamos a terra para plantar roça de macaxeira e de milho ou banana pra gente comer e no ano seguinte, é tabaco de novo!”
Já José Barbosa do Nascimento, 35 anos, pai de três filhos e também morador da comunidade lago do Ceará esclareceu que: “Desde os tempos do meu avô a força deste lugar sempre foi o tabaco e o feijão. O restante a gente planta só pra nós mesmo, mas o regatão explora muito a gente, então a cooperativa é nossa esperança de conseguir um precinho melhor pela nossa produção!”
(*) O autor também é assessor da OCB no Acre.Tabaco é invisível na economia do Acre
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
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Cooperativismo é a solução para pôr fim à exploração de regatões, ensinou o Sescoop aos pequenos agricultores do Alto Juruá /JURACY XANGAI
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RIO BRANCO – O fumo não aparece nas estatísticas da economia acreana. A OCB comprometeu-se a apoiar um estudo de aproveitamento da cultura do fumo em Marechal Thaumaturgo e Cruzeiro do Sul. A região é longínqua, isolada e tem muita dificuldade de transporte. A cerca de 700 quilômetros de Rio Branco, capital acreana, esses municípios estão fora de qualquer estatística oficial. As cadeias produtivas reconhecem apenas a castanha, o látex, a mandioca, o arroz, o feijão e outros produtos.
Segundo o presidente da entidade, Márcio Lopes de Freitas, será possível criar mercado para o fumo. “Antes, precisamos conhecê-lo e criar uma estratégia de escoamento da produção”, disse. O presidente da OCB no Acre, Valdemiro Rocha, informou-lhe que as dificuldades dos agricultores em geral são permanentes nessa região. “Ao contrário de outras regiões acreanas, lá não tem castanha e as alternativas de renda são pequenas, desde o fim dos seringais. Eles se especializaram unicamente na fabricação de farinha artesanal, apoiados pelo governo estadual, e só”, explicou Rocha.
O deputado Fernando Melo (PT-AC), membro da Comissão da Amazônia e suplente na Comissão de Agricultura da Câmara, pediu o apoio de Freitas para o reconhecimento à cadeia produtiva do fumo no Vale do Juruá. Melo visitou a região duas vezes e ficou impressionado com esse segmento, mantido por agricultores também dedicados à lavoura de feijão e de mandioca.
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião