Governo do Amazonas monta indústria para reduzir a compra de 82 mil toneladas/ano e abre perspectivas para o Acre e Rondônia
MONTEZUMA CRUZ
AGÊNCIA AMAZÔNIA
BRASÍLIA – Manaus, 2 milhões de habitantes, compra 94 mil toneladas (t) de fécula de mandioca por ano da região noroeste do Paraná, a 3,6 mil quilômetros. Desse volume, 82 mil t vão direto para as indústrias do Distrito Industrial da Zona Franca. "Estamos incentivando a produção e pelo jeito vamos ter que comprar de estados vizinhos, como já fazemos com o Pará", afirmou hoje à Agência Amazônia o secretário de Produção Rural do Estado do Amazonas, Eron Bezerra.
A "importação" de fécula de uma região tão distante e a um custo alto é um paradoxo para a Amazônia, reconhece o secretário. Ele espera reverter esse processo a partir do funcionamento de uma planta industrial construída pela EBS,
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Eron Bezerra: "Não há desenvolvimento sem sustentabilidade e nem sustentabilidade sem desenvolvimento" /M.CRUZ |
que consumirá 50 toneladas de raízes por dia, fornecidas por Manaquiri e Careiro Castanho, a pouco mais de 100 quilômetros de Manaus.
Bezerra estima o envolvimento de cinco mil famílias na produção de mandioca. "Pretendemos a participação direta dessas famílias no lucro, estamos fomentando o associativismo e adotamos gerência profissional para o negócio", contou Bezerra esta semana ao deputado Fernando Melo (PT-AC), membro da Comissão de Agricultura da Câmara. Ele está conhecendo modernas tecnologias do setor e quer incentivar a retomada da cultura mandioqueira no Acre, visando a criação de emprego e alternativa energética à fabricação de etanol, já que a cana-de-açúcar vem sendo rejeitada na Amazônia. Já conversou com especialistas do Estado de São Paulo, técnicos e agrônomos da Emater-AC e da Embrapa.
Projeção: US$ 1 bilhão
Na Amazônia, toda a produção de mandioca está voltada, quase que totalmente, para a transformação em farinha, que é um dos alimentos básicos da população, junto com o peixe. O Amazonas é o principal produtor, com 68%, em média, da área cultivada, seguido do Acre com 14%. A produtividade gira em torno de 15 t/ha, que, mesmo superior à média nacional – 14,7 t/ha – ainda é considerada baixa quando comparada com a de países africanos e asiáticos.
No mundo, a Tailândia é responsável por 86% das exportações (incluindo peletes) de fécula, seguida pelo Vietnã (9%) e pela Indonésia (4%). Os maiores importadores foram a China (49%) e a Indonésia (44%). Na visão da Associação Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca (ABAM), o setor pode crescer se houver organização e planejamento. A ABAM está elaborando um estudo no qual prevê, para 2.011, uma produção de 2 milhões de t de fécula, o que permitiria o faturamento global de cerca de US$ 1 bilhão.
Dependência continua
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Fernando Melo entusiasmou-se com as experiências do Cerat, em Botucatu (SP) /M.CRUZ |
Fernando Melo apóia a adição de 10% da farinha de mandioca ou fécula na farinha de trigo usada na panificação. Lembra que a Miragina, de Rio Branco, consome 15 t de trigo por dia. "Se adicionar esse percentual, vai obter um consumo de 1,5 t por dia e ofertar produtos de alta qualidade", diz. A Miragina já foi panificadora e fábrica de biscoitos. Cálculos de Bezerra revelam que uma safra aproximada de 5 mil t por ano renderiam diariamente 12,5 t de fécula. Mesmo assim, o Amazonas continuaria comprando a matéria-prima no Paraná. Explica-se: essa safra, somada às 82 mil t "importadas" soma 89 mil t, no entanto, atenderia menos de 10% do mercado. Por isso, vai aparecer uma boa oportunidade para os estados do Acre, de Rondônia e do próprio Amazonas fornecerem a produção necessária.
O entusiasmo e a expectativa de Bezerra movem o projeto. "Não há desenvolvimento sem sustentabilidade e nem sustentabilidade sem desenvolvimento", diz o ex- deputado federal pelo PC do B do Amazonas. Ele acredita que a solução para o resgate da mandioca repousa dentro da própria Amazônia. Um hectare de lavoura (7,5 toneladas) exige investimentos de R$ 800 mil a R$ 1 milhão. Com boas variedades, calcariamento do solo, manejo adquado e tratos culturais, o secretário espera obter 60 t, ou seja, a auto-suficiência é possível. "Não estou brincando de dirigir o setor primário. Esta é a minha equação e prossigo trabalhando com ela", acrescenta.
Menor das fábricas
dispensa farinha
BRASÍLIA – Em fase de montagem pela EBS, a planta industrial amazonense deverá ser concluída em junho deste ano. A EBS tem 25 anos de atuação no País, se tornou conhecida por "fábrica de fábricas" e detentora do ISO-9001, certificado de qualidade total. Fabrica fecularias completas. A menor das fábricas tem capacidade para moer 50 t/dia e dispensa a farinha. Faz ração das 20 t de crueira e adubo da tonelada e meia de casca sobradas por dia. Só lhe importa o chamado suco da farinhada, a manipueira.
É eficaz a toda prova. Por exemplo, em vez de cinco sacos de farinha obtidos por uma turma de 20 pessoas, faz por dia 15 t de fécula, utilizando apenas nove pessoas divididas em três turnos de oito horas, mais gerente, ajudante e escriturário. (M.C.)
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Fécula é produto nobre para a Zona Franca de Manaus /EMBRAPA |
Um produto que faz tudo
BRASÍLIA – Cozida, a fécula é cola. Modificada por enzima ou química, é usada em outras indústrias. Daí, sua plena utilização no Distrito Industrial. As 12 mil t restantes são usadas pela indústria de panificação e no consumo doméstico. "Pouquíssimo", observa o secretário. Na indústria têxtil, a fécula engoma para reduzir ruptura e desfibramento no tear, espessa corantes e dá suporte às cores e firmeza ao tecido.
Na indústria de embalagens, ela dá corpo, peso, beleza e resistência a dobras no papel, além de engomar saquinhos de pão, caixas de cartolina e papelão ondulado. A fécula também entra nos moldes de fundições, na flutuação em minerações, no plasma sangüíneo dos hospitais e na lama injetada na perfuração de poços petrolíferos. E, conforme as mais recentes experiências no Centro de Raízes e Amidos Tropicais (Cerat), da Universidade Estadual Paulista em Botucatu (SP), vira álcool absoluto para remédios e cosméticos.
O uso de total de amidos no mundo é de cerca de 48,5 milhões de t, informa o consultor Ricardo Arantes Gianini, da GT Participações Ltda, de São Paulo. Segundo ele, a mandioca responde por apenas 7,5% do amido mundial, com tendência a aumentar. Em cinco anos, contados até 2006, a demanda mundial por amidos avançou numa média de 21,5%.
Gianini aponta um crescimento nos preços dos produtos de mandioca: enquanto a média mundial até 2002 ficou em torno de 18,9%, o Brasil alcançou 13,3%; a Tailândia 10,7%; e a Indonésia, 9,5% – todos abaixo da média obtida na década passada. O suprimento mundial de produção de mandioca está em torno de 2,2% ao ano. Com base em dados de 2000, o consultor informa que os maiores produtoras foram a Nigéria 18,9% do total, Brasil 13,3%, a Tailândia 10,7% e a Indonésia 9,5%. (M.C.)
Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião