Terça-feira, 18 de maio de 2010 - 18h57
AMAZÔNIAS
PORTO VELHO, Rondônia – Já não é mais tranqüilo o sonho dos antigos moradores do Bairro do Triângulo, o primeiro desta cidade, na margem do Rio Madeira. Ações dos gestores do Projeto Igarapé Grande, um dos itens do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) projetam o remanejamento das famílias para conjuntos de apartamentos.
Cerca de trezentos moradores representados pela associação do bairro resistem no local. No final do ano passado eles receberam a visita de duas assistentes sociais do Ministério das Cidades.
– Querem nos empurrar para fora dali em troca de quê? – questiona Aldenice Pereira Braga. Ela nasceu no bairro, onde o marido, Raimundo Lima de Mendonça é proprietário da Oficina do Índio, especializada em motornáutica.
O Projeto Igarapé Grande engloba a invasão da Baixa da União (antigo Alto do Bode) e do Cai N’agua, áreas de terras que já haviam sido desocupadas pela Prefeitura de Porto Velho por serem consideradas “de risco”. Ex-moradores voltaram em épocas de eleições.
A primeira iniciativa para retirar famílias do bairro ocorreu em 1981, durante a administração do prefeito nomeado Carlos Paiva (PDS). Na ocasião, mediante indenização, alguns moradores deixaram suas casas e foram morar em bairros distantes, entre os quais a Floresta. Eles habitavam trechos do conjunto arquitetônico, histórico e paisagístico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), que se estende do velho pátio da estação central até Santo Antônio, Caixas d’Água e o Cemitério da Candelária.
Na reunião com as representantes do ministério, a associação mostrou-se favorável à urbanização, “desde que esta inclua os moradores e não os expulse”.
Aracy Silva de Souza, filha de tradicional moradora – com filhos, netos e bisnetos do ex-ferroviário Francisco Moreira de Souza – recorda a condição do pai, “homem desbravador que veio para o ex-Território do Guaporé para ajudar a construir a EFMM.
– As famílias dali remetem os jovens de hoje ao tempo dos trilhos e da locomotiva Maria-fumaça (a lenha). O trem cortava o bairro. A famosa Festa Flor do Maracujá teve o seu início aqui, com as apresentações juninas no quintal da casa de Joventino Ferreira Filho, que presidiu a Câmara de Vereadores.
Grupos festivos juninos, carnavalescos e outros tradicionais reivindicam o direito de ficar no bairro /RONDONIAOVIVO |
“Pratas da casa”
Ela acrescenta:
– O bloco "O Triangulo não morreu", do falecido sr. Piriquito também nasceu perto dos trilhos. A primeira parteira vovó Filó foi responsável por mais de dois mil partos. As quadrilhas mirins e de adultos, e “Os matutos" são outras “pratas da casa”.
A convivência vem de longos anos e esses grupos até hoje brilham nos festejos juninos e muitos outros. Assim, a associação entende que eles também façam parte do Patrimônio Histórico.
Segundo Aracy, quando os filhos se casam, constroem novas casas nos próprios terrenos dos pais e avós e ainda têm espaço para para criar galinhas, patos e outros animais.
– Se não tivermos dinheiro no momento para o transporte urbano, podemos ir a pé ao centro de Porto Velho e resolvermos os nossos problemas. Se não dispomos de dinheiro para comprar a mistura (carne, peixe etc.) para o almoço, podemos ir ao rio Madeira para pescar.
- Além de podermos contar com a vizinhança de longos anos de vida juntos, os quais estão sempre prontos a ajudar uns aos outros. Podemos não ser os donos de direito das nossas propriedades, mas somo legítimos donos de fato pelos longos anos de usufruto, uma vez que toda a área de terra do Bairro Triângulo pertencia à União – ela diz.
Reuniões
Depois da visita, as assistentes sociais Tatiane Silvares e Elzira Leão, do Departamento de Urbanização de Assentamentos Precários do ministério sugeriram a convocação de uma reunião em Brasília para o dia quatro de fevereiro, para a qual foram convidados representantes da Caixa Econômica Federal, da Secretaria Municipal de Projetos e Obras Especiais (Sempre), da Secretaria Municipal de Regularização Fundiária e Habitação (Semur), e da Gerência de Filial de Apoio ao Desenvolvimento Urbano (Gidur). A Semur e a Sempre não enviaram representantes.
As assistentes também participam do Gabinete de Gestão Integrada, criado com o objetivo de acompanhar contratos de obras em execução pelo PAC. Elas também tomaram conhecimento dos projetos de urbanização Igarapés Gerais e Santa Bárbara, que são componentes do Projeto Igarapés do Madeira.
Para SNH, remoção só ocorre sob riscos
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
BRASÍLIA, DF – A remoção das famílias é medida extrema e só deve ser adotada quando houver risco de desabamento, incêndio, deslizamento, inundação, tremores de terra; se os moradores estiveram próximos a áreas insalubres, de preservação ambiental, ou sob redes de alta tensão de energia elétrica.
Teriam de sair, também, caso a área requisitada fosse considerada imprescindível para a regularização urbanística do bairro, conforme instrução normativa da Secretaria Nacional de Habitação (SNH), expedida em agosto de 2009.
A Prefeitura de Porto Velho invoca um levantamento de campo no qual constatou situações de prostituição adulta e infantil, tráfico de drogas e excessivo consumo de álcool nas áreas que margeiam o rio. No entanto, esses aspectos não são totalmente considerados pelo Ministério das Cidades como agravantes para a retirada das famílias.
Em Brasília, a assessora Maria do Carmo Avesani, da Gerência de Projetos do Departamento de Desenvolvimento Urbano de Assentamentos Precários da SNH, diz que o município de Porto Velho deve preservar no Projeto Igarapé Grande todas as famílias que não se enquadrarem nos critérios da instrução normativa.
A SFH reconheceu as características históricas do bairro, relacionadas à antiga Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que deu origem à cidade, no século passado.
Água – seus benefícios e meios de preservação foi o tema dos técnicos da CAERD, em palestra aos moradores. Eles também apoiaram Sedam e Corpo de Bombeiros no mutirão de limpeza da Vila Candelária /DIVULGAÇÃO |
O advogado da União, Fernando José Vazzola de Migueli, despachou em fevereiro deste ano ao procurador da República no Estado de Rondônia, Ercias Rodrigues de Souza, informando ter solicitado à Sempre a “comprovação da necessidade de remoção das famílias, de acordo com as diretrizes do trabalho social que se realiza”.
Insuficiência de documentação
Conforme observa Migueli, a documentação apresentada pela Sempre em dezembro de 2009 e referente à área de intervenção não respondeu às demandas apresentadas pelo Ministério das Cidades. A Caixa Econômica reiterou a ausência do mapa com identificação precisa das moradias indicadas para remanejamento, de acordo com a cota estabelecida e com o Projeto Parque das Águas.
– As dúvidas se referem ao Bairro do Triângulo, pois houve adesão das famílias nas áreas onde foi identificado risco de alagamento – informa o relatório das assistentes sociais. Asseverando que não foi apresentado ao ministério problemas relacionados à adesão das famílias das demais áreas.
Novamente, em janeiro de 2010, segundo o advogado, a análise preliminar da equipe técnica de engenharia não identificou a necessidade de remoção, “dada a insuficiência da documentação apresentada”.
Associação reitera denúncia
de violação ao tombamento
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
PORTO VELHO – No inquérito civil público aberto para esclarecer a situação, os secretários Israel Xavier Batista (Sempre) e Semayra Gomes Moret (Semur) sustentam que as áreas previstas para urbanização são “bastante acidentadas”, ou seja, “cercadas de igarapés, zonas alagadiças e sujeitas às cheias do rio Madeira, que chega a subir 16 m”.
As intervenções em áreas históricas prevêem a construção de 304 apartamentos; a recuperação de áreas de proteção de mananciais degradadas por ocupações irregulares; ações paisagísticas; regularização fundiária; construção de equipamentos comunitários; drenagem de águas pluviais; e pavimentação de ruas.
O Projeto Candelária visa reassentar 218 famílias que moram em casas de madeira ao longo da antiga linha férrea da Madeira-Mamoré, tomada em 1980 pelo Patrimônio Histórico Nacional.
Sentimento: antigos moradores apóiam a urbanização projetada pelo município, mas querem o direito de permanecer ali /CARLOS LATUFF |
– É dever do poder público federal zelar pela integridade do bem tomado, assim como a sua vizinhança – alertou no final de abril, a Associação de Preservação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos de Madeira-Mamoré. A entidade reclamou ao ministério da “destruição criminosa do patrimônio” e aponta “o surpreendente respaldo das instituições federais que deveriam protegê-lo”.
Nenhum pedido
Em 25 de maio de 2009, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) consultou os arquivos da Coordenadoria de Licenciamento e Monitoramento Ambiental, não encontrando nenhum registro de solicitação de licenciamento para a construção de conjunto habitacional. “Nem na cidade ou em qualquer dos distritos, em favor da Prefeitura de Porto Velho”.
– O sítio arqueológico e histórico da Candelária e o seu entorno (onde havia o cemitério no qual foram sepultados os corpos dos operários mortos na construção da ferrovia) sofreu um crime hediondo praticado pela Prefeitura – denuncia a associação.
“Non aedificandi, artigo 15”, invoca a entidade, para reforçar a necessidade de regeneração da mata nativa derrubada ou queimada pela prefeitura. Em outubro de 2007, a prefeitura foi autuada por crime ambiental, diz a nota técnica 005, emitida pela Sedam. O auto de infração no valor de R$ 107,6 mil foi recusado.
A entidade considera “suspeita” a informação prestada pela Advocacia Geral da União, de que a área do cemitério e do hospital fora transferida pelo Incra ao município, em 1980.
– É estranha essa declaração, uma vez que essa área não pode ser desmembrada, e por isso não pode ser dada carta de aforamento – diz, apresentando cópia da certidão de inteiro teor da Candelária original.
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