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Montezuma Cruz

Frio na Amazônia e dois domingos inesquecíveis


  

MONTEZUMA CRUZ 

Passei o domingo do dia 26 no Acre e o dois de agosto em Rondônia, depois do terceiro périplo pela fronteira Brasil-Peru em pouco mais de um ano. Desta vez, estive em Assis Brasil e Iñapari, a 350 quilômetros de Rio Branco. 

Desembarquei na capital acreana com temperatura de 11 graus C. Amanheci com aquele café especial no Hotel Epílogo, onde não faltam bolo de fubá, banana assada, pastelzinho, tapioca e suco de cupuaçu. Simplicidade e bom gosto caracterizam aquele ambiente muito bem freqüentado por gente do interior acreano. 

De manhã, já com a temperatura subindo para 15 graus, ainda encontrei pessoas usando blusas e gorros. É este o atual frio na Amazônia: ele não castiga, apenas traz ânimo por um período. No entanto, é o prenúncio de uma onda de calor, logo em seguida. 

Lá pelas 14h senti fome. Numa das barracas na frente do Mercado Elias Mansur, por R$ 7,50, comi galinha caipira com aquele molho saboroso, farofa e salada de alface. Bebi água de coco e guaraná Tuchaua, tradicional há décadas. 

Mercado lotado. O povo gosta de fazer compras nas manhãs de domingo. Entrei e percorri duas vezes o caminho da primeira à gôndola mais distante, nos fundos. Parei para rever bancas de farinha, de frutas, e verduras. Gente, ali se vende até o cravo da vitória (ex-cravo de defunto), que previne a dengue. 

Do mercado fui ao Terminal Urbano. Na frente, deparei com uma pequena exposição de artesanato boliviano e apreciei números musicais de cantores evangélicos. 

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O dia amanhece em Capixaba, interior acreano



Por volta de 15h li uma entrevista do escritor mexicano Carlos Fuentes ao jornal “O Globo”. Ri, no trecho onde Marília Martins pergunta-lhe a respeito da volta do Partido Revolucionário Institucional (PRI) ao poder. Fala Fuentes: “O México passou anos e anos sob a ditadura do PRI e, quando afinal reconquistamos a democracia, descobrimos que a corrupção não era patrimônio do PRI e que estava espalhada por todos os partidos. E o que é pior: o PRI venceu as eleições! Por quê? Porque os mexicanos ainda acreditam que mais vale o mal conhecido do que o mal por conhecer”. 

À noite vi o show de abertura da Expoacre, cujas dependências estavam totalmente lotadas. As mais lindas mulheres acreanas desfilaram por lá. As feias também foram prestigiar o maior evento pecuário estadual. Aquela invocação do locutor do rodeio para Deus e Nossa Senhora pode ter lá um sentido de pedir guarnição para a lida com os animais, mas será que os casos de judiação são, assim, compreendidos pelos céus? 

Viajando para Assis Brasil, contemplei o amanhecer no município de Capixaba. São imperdíveis o céu em púrpura e o sol começando a clarear entre árvores e arbusto. A paisagem bonita vai se dissipando nos meus olhos, quando me encontro com o juiz peruano Hugo Mendonza e o presidente do Tribunal de Justiça do Acre, desembargador Pedro Ranzi. Contarei tudo numa matéria da série “Coisas do Acre”, neste site. Como se vê, a gente sai em busca de umas notícias e, surpreendentemente, dá de cara com os dramas de uma fronteira que brevemente se abrirá para o comércio. 

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Barracas de comida são opções aos domingos, quando as ruas e muitos estabelecimentos de Rio Branco esvaziam-se

Deixo o Acre na quarta-feira, depois de revisitar Brasiléia e Xapuri. Viajo para Porto Velho e me encontro com o conselheiro do Tribunal de Contas, Rochilmer Melo da Rocha. Ele foi diretor-proprietário e editor do extinto “A Tribuna”, que marcou época entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980. 

Do portão de entrada, caminhamos lentamente pelo terreno e fomos ao interior do prédio, que antes abrigou uma máquina de arroz. A velha impressora rotativa está no mesmo local. Parou no tempo, enquanto os fechamentos de edições e os efeitos de tantas manchetes teimam em permanecer vivos em nossas mentes. 

Olhei para o diretor e ele para mim. Chegamos à conclusão que valeu a pena trabalhar ali, no meio da fumaça do chumbo das linotipos e da poeira que vinha da Avenida Kennedy (mais tarde Jorge Teixeira), penetrando pelas grandes vidraças do prédio para se depositar sobre a mesa do secretário de redação, Ivan Marrocos. 

Ouvi as vozes de Socorro e Jair, na administração do jornal, ao lado da redação. Vi o vulto de seu Raimundinho, comparecendo religiosamente todas às tardes, para nos entregar a xícara de café. Vi também o Sabá, andando pelo terreno, sorrindo para nós todos e percebendo o jeito de cada um. 

Ouvi as gargalhadas do Rochinha, mano de Rochilmer, quando nos contava piadas. Lúcio Albuquerque, Ivan e Enéas “Alicate” fechando as edições e discutindo futebol; Nonato Cruz e Edinho Ferreira trazendo as boas reportagens. Percebi vultos de jornalistas, gráficos e jornaleiros. Soube dos que morreram e dos que ainda estão por aí, possivelmente recordando também aquele período. Enfim, o ambiente de “A Tribuna” ainda é um depósito de sonhos e situações. 

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A neta Evellyn Cristina, farinheira de verdade, me enche de alegria na visita a Porto Velho
No domingo à tarde, ao subir a escadaria do escritório de arquitetura de Luiz Leite de Oliveira, ouvi a voz do grande canário Orlando Silva, o melhor cantor deste País. Em que emissora de rádio teria esta chance, hoje? Por isso, Luiz colocou um álbum inteiro para tocar. Uma vez mais compartilhou o seu fino gosto musical. Ele tem um baú cheio desses discos “bolachões”, raridades só encontradas em poucas lojas e sebos musicais. 

Um pedaço do meu coração está em Porto Velho. Embarco no início da madrugada deste três de agosto para Brasília. Mas logo voltarei. Aliás, examinando bem, parece que só o meu corpo deixou a cidade naquele distante 1986. 

* * *
Em tempo: além de rever meus filhos, aproximei-me da neta Evellyn Cristina, de três anos, filha de Bárbara Cristina. É uma excelente consumidora de farinha. Fiz um passeio com ela num sítio, entre galinhas, galos, pintinhos, minhocas, cachorros vira-latas e plantas medicinais – destaque para o anti-inflamatório unha-de-gato. O almoço saiu de um fogão a lenha. Muito bom.

Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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