Segunda-feira, 24 de agosto de 2009 - 07h45
Pesquisador descobre sítio arqueológico e usa imagens de satélite para resgatar história da sobrevivência de um povo na Amazônia. Primeira de uma série de três reportagens.
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
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ROLIM DE MOURA e PORTO VELHO, RO – Até se mudar para Rondônia, em meados dos anos 1970, o farmacêutico, bioquímico e perito criminal voluntário Joaquim Cunha da Silva, 53 anos, esperava surpresas na vida amazônica. Entre elas, ainda busca os vestígios da lendária cidade chamada Paititi. Por acreditar que caminha no rumo certo, ele registrou no cartório de Rolim de Moura um sítio arqueológico povoado por geoglifos, escadas de pedra, pedras – até esmeraldas – e restos de cerâmica indígena nessa região a 402 quilômetros de Porto Velho.
Uma das evidências encontradas por Joaquim Cunha. Os geoglifos do Condor têm cerca de 300 m de diametro e um Km de comprimento. Nele se vê uma lhama, que é parte integrante do Painel da Via-Lactea / LÚCIA RODEGHERI |
“Quero proteger isso tudo do avanço cada vez maior do desmatamento, do indiscriminado plantio de grãos e de usinas hidrelétricas”, ele justifica. Esse gaúcho de Torres (RS), filho de indígenas guaranis, líder da União Nacional dos Estudantes, não se contentou com a especialidade em citologia clínica. Decidiu ir longe para tornar o sonho realidade e assim se especializou também em georrefenciamento de imagens por satélite.
Coincidências
Cunha estabeleceu-se em Rolim de Moura em 1983. Participou da fundação de organizações não-governamentais em defesa do Vale do Guaporé. Hoje, se o Paititi existiu mesmo em Rondônia, já está no Google e nas centenas de fotos feitas por ele, com explicações minuciosas a respeito de coincidências com relatos feitos por pesquisadores internacionais (serão mencionados nas próximas matérias) que já estiveram na Amazônia Peruana e, quem sabe, também por aqui.
Uma das várias evidências do Paititi, segundo seus estudos, está no geoglifo Cabeça do Condor, inédito e nunca anteriormente fotografado ou relatado. “Na imagem da cabeça, a lhama mãe está bem visível. No contorno há o capim Peabiru. Fazem parte do conjunto de geoglifos da Via Láctea a lhama mãe, que mede cerca de um quilômetro; a cabeça do Condor, de 300 metros. Isso existe há séculos”, ele explica.
Aos dez anos Cunha fora levado pelo pai – o conhecido “Bugre”, nascido no Lago dos Xaraéis, em Corumbá (MS) – para ver a morada dos seus antepassados, no Sambaqui de Areia Grande, em Torres. Ali nasceu a vontade de Cunha pela história milenar sul-americana. “Vivenciei aquela experiência, olhando com admiração e espanto. Procurei material lítico, machadinhas, moedor de sementes, ponta de flecha, anzóis, desenhos em monumentos megalíticos, e na raiz da vegetação encontrei esqueletos e crânios”, relata.
Paititi é aqui
Mapa do Paititi, consultado por pesquisadores internacionais que visitam ruínas incas na América do Sul, guardam história e mistérios do Império Inca. Alguém começa a decifrá-los em Rondônia /WIKIA
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Como foi essa crença de que o Paititi existiu em Rondônia muito antes de ser Rondônia? Calmamente, Joaquim Cunha mostra a cópia um mapa do século XVII, encontrado no Museu Eclesiástico de Cuzco. Nele está descrito o “país do Paititi”, possivelmente identificado como o Paraíso.
Mas esse mapa é puramente simbólico, ele reconhece. Porque não indica nomes reais de acidentes geográficos. Aponta apenas ‘monte’ e ‘rio’. Algumas expedições em terras de Rolim de Moura, Izidrolândia, Alta Floresta do Oeste, Alto Parecis e Porto Rolim permitiram-lhe examinar os vestígios de uma parte da civilização Inca na região. “Todos os pesquisadores iam o Peru, quando a história me levou a pensar que as localidades de Paititi e Moxos estavam juntas, no Reino Gran Moxos”, explica.
Cunha visitou pela primeira vez Machu Picchu (Peru) junto com a família em 1998. Também esteve na Bolívia e no Chile. “Vi a grandeza de suas civilizações – Tiahuanaco, Machu Picchu, e a imensidão do deserto de Atacama”.
Aprendizado de selva
Joaquim Cunha e equipe aguardam o almoço, em recente expedição na região onde encontrou pedras e restos de cerâmica indígena, cuja idade será avaliada agora, após feito o registro da localização, no Cartório de Registro de Imóveis de Rolim de Moura /ÁLBUM DO PESQUISADOR |
Histórias de onças comendo passageiros, motoristas perdendo caminhões atolados na BR-364, abastecimento das populações com aviões da FAB – tudo isso encantou Cunha ao chegar em Vilhena, onde procurou o guichê da empresa para avisar que ônibus que havia saído quatro dias antes estava quebrado no meio do caminho.
Nomeado administrador do Parque Indígena do Aripuanã, em Riozinho (município de Cacoal), o irmão dele, sertanista Aimoré Cunha da Silva, muito estimulou a experiência e o sonho do irmão. Aimoré trabalhou com os índios Suruí e Cintas-Largas, defendeu os povos Nambikwara, e ainda participou de uma frente de atração de índios isolados para chegar aos Uru-Eu-Au-Au, junto com os sertanistas Apoena Meireles e José do Carmo Santana, o Zé Bel.
Valorização
As histórias dos irmãos Cunha se misturam. “Ele corria atrás do prejuízo ocasionado pelo Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que empurrou os índios para regiões mais distantes das margens da rodovia BR-364.
O sítio arqueológico é a nova conquista de Cunha. “Meu interesse é dar enfoque ao valor histórico da descoberta, já que os metais preciosos da América espanhola foram todos para o velho continente”, afirma.
Ele tem certeza que a divulgação dessa descoberta motivará, pelo menos as universidades, a promover novas expedições e zelar pelo material encontrado. Mas reconhece que isso demandará mais esforços: “O registro em cartório foi apenas o primeiro passo. Precisamos ir além”.
PING-PONG
Índios Omerê mortos e malocas destruídas
Joaquim Cunha, nos anos 1970, integrando a equipe do irmão sertanista Aimoré Cunha da Silva, em busca de indígenas isolados no sul de Rondônia /ÁLBUM DO PESQQUISADOR |
ROLIM DE MOURA, RO – Joaquim Cunha começou a trabalhar no Laboratório Osvaldo Cruz a convite do médico Toshio Shiokawa. Depois virou dono. Fez e ainda faz muitas leituras de lâminas de malária. Auxiliou os amigos médicos Volmir e Mutsuji, quando ali apareciam pacientes baleados e acidentados. Com eles participou de cirurgias à luz de lampião. O pioneirismo de Cunha foi dos tempos em que a clínica era freqüentada por aventureiros, garimpeiros, madeireiros, grileiros, pistoleiros e agricultores pobres – os “piotários”, na linguagem do coronel-governador Jorge Teixeira de Oliveira, o “Teixeirão”. “Limpavam o terreno, vendiam a madeira barata, pegavam malária e vendiam tudo para curar a doença. Depois iam embora e os novos donos tomavam posse da terra”.
Fale um pouco a respeito do seu trabalho. Como é essa história de perito criminal voluntário em Rondônia?
JOAQUIM SILVA – Eu ajudei a primeira turma de peritos que entraram no quadro do Estado a elucidar casos criminais. Fiz isso trabalhando como perito criminal voluntário por me dedicar a análises clinicas e toxicológicas. Esses peritos não tinham as mínimas condições de trabalho – laboratório e kits –, aí eu improvisava para eles. Não sou do quadro de peritos. Em 1986, somente para colaborar com os amigos Tenani, Tonini ,Sérgio e Aglael, fiz a minha primeira perícia, a pedido do advogado Salvador Paloni. Elucidei o assassinato de um madeireiro, feito pelo sobrinho. Com a segurança de policiais, os peritos apareciam no meu laboratório com drogas, armas e vários objetos. Cocaína era o que mais aparecia.
O senhor veio para cá com o seu irmão sertanista Aimoré Cunha da Silva?
Sim, meu irmão mudou-se para o extinto Território Federal de Rondônia e iniciou uma série de buscas. Ele chefiou a Ajudância de Vilhena nos anos 1970. Muito me inspirei numa frase dele: “Índio não é gado, e por isso não pode ser trocado de invernada ao sabor da vontade dos poderosos e oportunistas. Ser humano, ele tem direito as suas terras, a cultura e tradições”. Em 1973, outro irmão meu, o antropólogo Irani, também seguiu no mesmo rumo, para cá.
É verdade que a emancipação foi comemorada a tiros de revólver?
É. Quando Rolim de Moura passou a município, assisti à comemoração de emancipação no bar principal da cidade, junto com o juiz, o promotor e um bando de pistoleiros que, depois fui saber, sacavam da armas e davam tiros para cima, para comemorar. Naquele tempo eu me divertia muito, andando de moto nas montanhas, fazendo pesquisa de minérios e vestígios de civilizações.
Amor à causa mesmo?
Muito mesmo. Dedicação noite e dia para que esse imensurável patrimônio não seja pisoteado, nem esquecido.
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24/08/09 |
Matérias especiais do jornalista Montezuam Cruz |
Conciliando a bioquímica com a perícia, o senhor chegou ao sítio arqueológico. Mas também atuou em outras frentes?
Sim. Fundei a Associação Comercial de Rolim de Moura. Em 1985 fundei o Centro de Tradições Gaúchas, estive junto com o meu irmão (sertanista da Funai Aimoré Cunha da Silva) na Frente de Atração dos Índios Omerê. A questão desses índios, nas cabeceiras do rio Omerê, no município de Corumbiara, é uma ferida aberta em minha cabeça.
Por quê?
Meu irmão Aimoré se empenhou para demarcar a área. Eu estive no local em 1985 e vi com os meus próprios olhos um índio da etnia Nambikwara ferir-se gravemente ao participar da frente de atração. Ele caminhava pela mata em busca de informação para saber onde ficava o acampamento deles, quando pisou em um estrepe (estaca aguçada, a mesma técnica que os vietcongs usaram para rechaçar a invasão dos americanos em seu território). Teve que ser carregado nas costas e foi levado de avião para Vilhena, em busca de socorro médico. Peguei o estrepe na mão e constatei que houve um genocídio na área: os madeireiros, a mando de interessados, passaram um trator por cima dos índios.
Houve um ataque?
Uma escada de pedra construída bem antes de Rondônia ser conhecida na face da terra. Pelo que se conhece, a engenharia inca era precisa e minuciosa na construção com pedras grandes iguais às de Machu Picchu e outras cidades históricas da Amazônia Peruana /ÁLBUM DO PESQUISADOR |
Mataram os índios e destruíram as malocas. Os sobreviventes fugiram. O crime de genocídio não expira, eu sei. A pressão em cima do meu irmão foi tão grande que os poderosos, em conluio com os políticos, o afastaram do caso. Ele foi inclusive ameaçado de morte. Por cargas d’água apareceu lá o sertanista Sidnei Possuelo, que facilitou o fornecimento de certidão negativa da Funai para o Incra, afirmando que a área não possuía índio. Essa área foi desinterditada para os fazendeiros, e o Incra a dividiu para mais quatro fazendeiros.
Eu me lembro (publiquei matérias em jornais de São Paulo) que um fazendeiro de Pimenta Bueno invadiu terras dos índios tubarão e massacá, e a corrida pela madeira já vinha dos anos 1970...
Pois é. O então presidente da Funai, Romero Jucá (1986-87), autorizou a venda de madeiras em terra indígena com apoio de políticos. Aí começou outro ciclo de decadência da cultura indígena, provocando o aumento de epidemias. Os madeireiros entraram em suas reservas e provocaram danos ambientais irreparáveis. Depois de 12 anos, finalmente, foram localizados os últimos remanescente dos Omerê. Saiu até na televisão.
Garimpo e madeireiras levaram a região a uma disputa violenta pelo que restou da terra indígena. É isso?
Olha, fomos com um jipe velho sem freio ver garimpos. Vida de garimpo é dura e violenta. Logo na entrada já saiu, levado numa rede, um morto por briga. Fizemos a marcação, aí apareceu um cara com uma (espingarda) 12, falando que a terra era dele. Decidimos sair de lá. O mês de outubro de 1986 bateu o recorde de morte na cidade: 40 no mês. Já no Plano Cruzado eu não quis saber mais de ir a garimpo. Em janeiro daquele ano, tínhamos uns cinco mil casos de malária. A população chegava perto de cem mil habitantes e umas 250 serrarias atuavam na região. Era tão precária a situação que não havia água potável, nem energia elétrica. O povo morava em barracos de pau a pique, forrado com lona preta. Haja calor! O poeirão vermelho tomava conta de tudo e o tráfego de caminhões toreiros funcionava 24 horas. (M.C.)
■ Paitíti (em castelhano, Paytiti ou Paititi) ou Candire é uma cidade lendária supostamente oculta a leste dos Andes, em alguma parte da selva tropical do sudeste do Peru (Madre de Dios), nordeste da Bolivia (Beni ou Pando) ou noroeste do Brasil (Acre, Rondônia ou Mato Grosso), capital de um reino chamado Moxos (em castelhano, Mojos) ou Grande Paitíti (em castelhano, Gran Paititi), governado por um soberano conhecido como Gran Moxo, descendente de um irmão mais novo de Huáscar e Atahuallpa.
■ Outros nomes dados à cidade oculta em alguma parte do sul da Amazônia ou norte do Prata incluem Waipite, Mairubi, Enim, Ambaya, Telan, Yunculo, Conlara, Ruparupa, Picora, Linlín, Tierra dos Musus, Los Caracaraes, Tierra de los Chunchos, Chunguri, Zenú, Meta, Macatoa, Candiré, Niawa, Dodoiba e Supayurca.
■ O mito é semelhante ao de Manoa ou Eldorado, que também seria uma cidade cheia de riquezas que teria servido de refúgio a incas que escaparam da conquista espanhola, mas costuma ser localizada muito mais ao norte, entre a Colômbia e as Guianas. Os dois mitos têm origem comum no sonho de conquistadores de enriquecer repetindo a façanha de Francisco Pizarro, o conquistador dos incas, e influenciaram-se mutuamente, mas o de Paitíti associou-se, em tempos mais recentes, com a nostalgia de povos andinos pelo antigo Império Inca, ganhando conotações nativistas e associando-se ao mito de Inkarri. (Da Wikia)
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião
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