Domingo, 30 de setembro de 2007 - 10h19
(AGENCIAAMAZONIA) - Acompanhe, a partir de hoje, a série de reportagens sobre a mais forte CPI que investigou o sistema fundiário brasileiro. A maior grilagem de terras do mundo, na Amazônia Brasileira, foi desnudada há 30 anos pela Câmara dos Deputados. Em 30 de setembro de 1977 o Diário do Congresso Nacional publicou o parecer dos relatores, deputados Jerônimo Santana (MDB-RO), Jorge Arbage (Arena-PA) e Walber Guimarães (MDB-PR), com aprovação da maioria dos membros, à exceção de Arbage.
MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br
Incra militarizado
Desde 1976 apoiados em duas resoluções (005 e 006) da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, os militares decidiram assumir a concessão das terras devolutas na Amazônia. Contrariando os princípios da legislação em vigor, assumiram a legalização de grandes áreas e tomaram conta dos principais cargos de primeiro e segundo escalões nas coordenadorias regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em Cuiabá mandava o coronel de Exército Clóvis Barbosa; em Rondônia, o capitão de Exército Sílvio Gonçalves de Faria; e no Acre o general de Exército Fernando Moreno Maia.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1977, pela primeira vez a população urbana (59 milhões, 56%) superava a rural (41,6 milhões, 44%). Os critérios do IBGE, em contradição com a Organização das Nações Unidas (ONU), consideravam urbanas até as populações que viviam em povoados e vilas tipicamente rurais.
Mesmo com os dados do IBGE, o relatório demonstrou que, das cinco regiões do País, apenas no Sudeste a população urbana superava a rural. Em termos estaduais, apenas São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco contavam com população urbana superior. Nesses estados e também no Paraná havia um número muito grande de trabalhadores rurais morando em cidades: os bóias-frias e volantes.
"Venham todos"
O governo insistiu no seu modelo de reforma agrária e quis também colonizar ao longo da BR-230 (Rodovia Transamazônica). Não deu certo. A própria Associação dos Empresários da Amazônia, dirigida na época por João Carlos de Souza Meireles, tinha dor de cabeça, porque via nas terras da Amazônia "a solução para o problema da reforma agrária inteligente". A entidade contava com 342 projetos agropecuários aprovados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
A força de trabalho ocupada na agricultura crescera de 12,5 milhões em 1972 para 18,2 milhões em 1970, incluindo patrões e seus dependentes. Isso representava mais de 50% da força de trabalho do País.
A Amazônia fascinava mesmo. Antes mesmo da divisão do Estado de Mato Grosso, Meireles, que se tornara o maior incentivador da criação de cidades na Amazônia, defendia que arrendatários, meeiros, minifundiários e posseiros do Nordeste e do Sul do País se transferissem para a região.
Canutama acumulava casos de grilagem. Diante da impossibilidade de transporte dos volumosos livros de registro de terras para Brasília, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, desembargador Azarias Menescal de Vasconcelos, sugeriu que um emissário da CPI fosse consultá-los em Manaus. A tarefa coube aos deputados Mário Frota (MDB-AM) e Jorge Arbage (Arena-PA), que para lá viajaram.
Advogados a serviço do Incra permaneciam pouco tempo na região. Não chegavam a adquirir experiência na luta contra a grilagem. Assim ocorreu em Humaitá (AM), perto de Porto Velho. Poucos profissionais deixavam a elite técnica do instituto, em Brasília, para ir trabalhar na selva.
As grandes desapropriações dependiam dos estudos por parte dos procuradores. A outra parte, a desapropriada, procurava os professores de Direito mais capacitados para advogar contra o Incra. Nesse ritmo, a grilagem prosperava.
NOTAS:
1) MDB era a sigla do Movimento Democrático Brasileiro; Arena era Aliança Renovadora Nacional.
2) Vieram outras CPIs, nenhuma, porém, tão rica em apuração. A CPI do Sistema Fundiário teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Fonte: montezuma@agenciaamazonia.com.br - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião
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