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Montezuma Cruz

GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA




(AGENCIAAMAZONIA) -
Acompanhe, a partir de hoje, a série de reportagens sobre a mais forte CPI que investigou o sistema fundiário brasileiro.  A maior grilagem de terras do mundo, na Amazônia Brasileira, foi desnudada há 30 anos pela Câmara dos Deputados. Em 30 de setembro de 1977 o Diário do Congresso Nacional publicou o parecer dos relatores, deputados Jerônimo Santana (MDB-RO), Jorge Arbage (Arena-PA) e Walber Guimarães (MDB-PR), com aprovação da maioria dos membros, à exceção de Arbage.

MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br  
 

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Jorge Arbage não assinou/CD
A CPI do Sistema Fundiário ficou conhecida por CPI da Terra. Fez brotar a semente da Justiça Agrária Brasileira e incentivou movimentos sociais. Quase dois meses depois, em outubro de 1977, o general Ernesto Geisel (1974-1979), quarto presidente da República no regime militar, assinava a divisão do Estado de Mato Grosso.

Por decisão do Conselho Nacional de Justiça, em 2007 retornaram ao domínio da União, quatro áreas de terras no Estado do Amazonas, totalizando mais de meio milhão de hectares (ha), equivalentes à área do Distrito Federal. 

O País tem atualmente 150 mil famílias acampadas e 300 mil famílias assentadas. 

No primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Plano Nacional de Reforma Agrária previa o assentamento de 480 mil famílias. 

Agência Amazônia revê os documentos — mais de mil páginas — nos arquivos do Parlamento e extrai parte da história daquele período. A ele adiciona outros capítulos que se passaram nos estados amazônicos e resultaram nas medidas mais tarde tomadas pelo
governo e pelo Poder Judiciário.

Terras devolvidas

Sem holofotes e sem internet, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar as atividades ligadas ao sistema fundiário em todo o território nacional foi um marco significativo, no entanto, seus efeitos práticos só apareceram três décadas depois.
Em agosto de 2006, já haviam sido devolvidos ao patrimônio da União 485 mil ha grilados no município de Lábrea, também no Amazonas. 

As terras recuperadas nesse Estado são as da Fazenda Seringal Palhal, em Canutama, com de 365 mil hectares, a maior, próxima ao Estado de Rondônia; e outras três áreas registradas no município de Tapauá: Fazenda Jacutinga, com 94,2 mil ha; Fazenda São Jorge, com 37,5 mil ha; Fazenda Riozinho e adjacências, com 96 mil ha.
O nortão mato-grossense, que faz parte da Amazônia Legal, viu suas terras leiloadas a preços módicos, a partir de 1973. 

GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA - Gente de Opinião
Geisel manteve militares no Incra/ARQUIVO

Incra militarizado
No ano dessa CPI, Geisel fechou o Congresso Nacional por 14 dias, em virtude da rejeição da aprovação da proposta de reforma do Poder Judiciário encaminhada pelo governo. Para assegurar a maioria governista no Legislativo. Em seguida instituiu-se o chamado pacote de abril, que incluía uma série de medidas, entre as quais a manutenção de eleição indireta para governadores; a eleição indireta de um terço dos membros do Senado, que resultaria na criação da figura do senador biônico; e a extensão do mandato do sucessor de Geisel para seis anos.

Desde 1976 apoiados em duas resoluções (005 e 006) da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, os militares decidiram assumir a concessão das terras devolutas na Amazônia. Contrariando os princípios da legislação em vigor, assumiram a legalização de grandes áreas e tomaram conta dos principais cargos de primeiro e segundo escalões nas coordenadorias regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em Cuiabá mandava o coronel de Exército Clóvis Barbosa; em Rondônia, o capitão de Exército Sílvio Gonçalves de Faria; e no Acre o general de Exército Fernando Moreno Maia.
 
Êxodo
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1977, pela primeira vez a população urbana (59 milhões, 56%) superava a rural (41,6 milhões, 44%). Os critérios do IBGE, em contradição com a Organização das Nações Unidas (ONU), consideravam urbanas até as populações que viviam em povoados e vilas tipicamente rurais. 

Mesmo com os dados do IBGE, o relatório demonstrou que, das cinco regiões do País, apenas no Sudeste a população urbana superava a rural. Em termos estaduais, apenas São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco contavam com população urbana superior. Nesses estados e também no Paraná havia um número muito grande de trabalhadores rurais morando em cidades: os bóias-frias e volantes. 

 
GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA - Gente de Opinião  Meireles incentivou empresários em Mato Grosso/GOVERNO SP

"Venham todos"
A conquista do Oeste e o foco da reforma agrária apontavam para Rondônia, a Canaã brasileira. Famílias deixavam o Oeste do Paraná rumo aos projetos de colonização. Mesmo sem a garantia do título definitivo da terra, essas famílias abandonavam aquele estado, viajando de ônibus e caminhão durante pelo menos quatro dias. Antes de produzir, plantar, semear, lutar pelo crédito no banco e enfrentar a malária, "comiam" barro ou poeira na BR- 364, a partir de Cuiabá. 

O governo insistiu no seu modelo de reforma agrária e quis também colonizar ao longo da BR-230 (Rodovia Transamazônica). Não deu certo. A própria Associação dos Empresários da Amazônia, dirigida na época por João Carlos de Souza Meireles, tinha dor de cabeça, porque via nas terras da Amazônia "a solução para o problema da reforma agrária inteligente". A entidade contava com 342 projetos agropecuários aprovados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).
Fascínio
A força de trabalho ocupada na agricultura crescera de 12,5 milhões em 1972 para 18,2 milhões em 1970, incluindo patrões e seus dependentes. Isso representava mais de 50% da força de trabalho do País. 

A Amazônia fascinava mesmo. Antes mesmo da divisão do Estado de Mato Grosso, Meireles, que se tornara o maior incentivador da criação de cidades na Amazônia, defendia que arrendatários, meeiros, minifundiários e posseiros do Nordeste e do Sul do País se transferissem para a região.
 
GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA - Gente de Opinião  Conselho de Justiça  recupera 500 mil ha em Canutama e Lábrea (AM)/SEBRAE 
Testas de ferro assumiam o grupamento de lotes nos projetos de licitação. Tantas eram as irregularidades que a Justiça afastou do cargo um juiz e uma escrivã na comarca de Lábrea, no Sudoeste Amazônico. 

Canutama acumulava casos de grilagem. Diante da impossibilidade de transporte dos volumosos livros de registro de terras para Brasília, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, desembargador Azarias Menescal de Vasconcelos, sugeriu que um emissário da CPI fosse consultá-los em Manaus. A tarefa coube aos deputados Mário Frota (MDB-AM) e Jorge Arbage (Arena-PA), que para lá viajaram.

Advogados a serviço do Incra permaneciam pouco tempo na região. Não chegavam a adquirir experiência na luta contra a grilagem. Assim ocorreu em Humaitá (AM), perto de Porto Velho. Poucos profissionais deixavam a elite técnica do instituto, em Brasília, para ir trabalhar na selva. 

As grandes desapropriações dependiam dos estudos por parte dos procuradores. A outra parte, a desapropriada, procurava os professores de Direito mais capacitados para advogar contra o Incra. Nesse ritmo, a grilagem prosperava. 

NOTAS:
1) MDB era a sigla do Movimento Democrático Brasileiro; Arena era Aliança Renovadora Nacional.
2) Vieram outras CPIs, nenhuma, porém, tão rica em apuração. A CPI do Sistema Fundiário teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). 


Fonte:   montezuma@agenciaamazonia.com.br  -
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