Sexta-feira, 12 de outubro de 2007 - 13h30
MONTEZUMA CRUZ - No sul de Rondônia, 2 milhões de hectares de terras não saíram das mãos de seringalistas. AI-5 cassa juiz. No final da década de 1970, Rondônia possuía 23 milhões de hectares, dos quais cerca de 2 milhões de hectares (ha) nas mãos de seringalistas. O seringalista ganhava terras e o seringueiro era expulso. Antes de ser medido o grupamento familiar já existia corretor vendendo a terra. A especulação corria solta.
As licitações de velhos seringais e de terras na faixa de fronteira contemplaram a Cooperativa Mista dos Criadores do Estado de São Paulo, Moisés de Freitas, Agapito Lemos em sociedade com Firmino Rocha, Ovídio Brito e Fazenda Reunidas Corumbiara, entre outros, com áreas superiores a 40 mil ha e 50 mil ha e vigiadas por jagunços armados.
Conforme a documentação da CPI da Terra aberta em 1976 e encerrada em 1977, os lotes eram oferecidos ao preço médio 650 cruzeiros o ha, muito acima das condições financeiras do lavrador comum — o posseiro, o seringueiro e o homem do campo de modo geral.
Tiveram sorte e privilégio os grupamentos familiares de seringalistas. Técnicos e engenheiros viajavam de helicóptero para vistoriar e medir as áreas. Quando se tratava de dar títulos definitivos de terra a mais de uma centena de famílias, o processo emperrava na burocracia.
Em banho-maria
Áreas com títulos legítimos e efetivamente exploradas estariam fora. A Comissão de Discriminação de Terras Devolutas, representada por seu único membro, Amir Lando, excluiu uma com 12,3 mil ha, o Seringal Rio Preto, cujo dono, Francisco Braga de Paiva, possuía título definitivo. Poupou ainda áreas de títulos provisórios do Seringal 70, de Aldemir Cantanhede (título Ubirajara, com 36 mil ha) e de Joaquim Pereira da Rocha.
Abunã, próxima à fronteira brasileira com a Bolívia, não teria recebido ações desapropriatórias “por entendimento superior”. Para o então presidente da comissão de terras, todo recuo “representava um precedente grave e inconveniente, sujeito à desmoralização do instituto da desapropriação”.
Decretos descumpridos
O Incra declarara de interesse social, para fins de desapropriação, um polígono superior a 1,3 milhão de ha em Ariquemes e Nova Vida, no qual estavam envolvidas as empresas Frey Rondônia Florestal e Gainsa, a 196 quilômetros de Porto Velho. Estranhamente, depois descumpria os decretos presidenciais de desapropriação.
A Frey chegou a ser expropriada em 5,8 mil ha de títulos definitivos em Rio Branco e Triste Vida. “Nos decretos a que deu seguimento promoveu acordos e transações com aqueles que, anteriormente, denominou de grileiros”, acusava o deputado Jerônimo Santana (MDB). Tinha razão: a ação inicial movida pelo presidente da Comissão de Terras, Amir Lando, fora contestada. Com o acordo, a Frey Florestal recebeu 30 mil ha, uma área quase seis vezes maior que a expropriada. A empresa pertencia ao empresário catarinense Hugo Frey. Lando ingressou com as ações no período em que deixava o Incra. Ele considerava o grupo idôneo.
AI-5 cassa juiz que enfrentou o Incra
BRASÍLIA — No tiroteio da primeira peleja pela reforma agrária no Território Federal de Rondônia, o juiz de Direito da Comarca de Porto Velho, Antônio Alberto Pacca, seria o primeiro magistrado cassado pelo AI-5 (*) na Amazônia. Só havia duas comarcas: Porto Velho, às margens do Rio Madeira, e Guajará Mirim, às margens do Rio Guaporé, na fronteira com a Bolívia.
O decreto da ditadura militar permitia cassar a cidadania, os direitos políticos. Até juízes poderiam perder o cargo. A punição afetou o juiz rondoniense, já falecido. Pacca entrava em férias e, no retorno, associava-se a um advogado dono de imobiliária.
A atuação do juiz Antônio Pacca é defendida por desembargadores e advogados no estudo O Judiciário no período militar, de Nilza Menezes e Célia Lino, do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Para o advogado Pedro Origa Neto, ex-presidente da OAB, a cassação do juiz pelo regime militar ocorreu “por meio de um procedimento completamente inquisitorial”.
“Não houve um processo com ampla defesa. Eu digo, aquilo não foi defesa. Você responder as indagações de um inquisitor, preparado para punir (conseguir a confissão) não pode ser processo legal”, declarou Origa, em 1999, ao estudo do TJ.
Quem era Pacca?
Origa o via como uma pessoa que pensava nos pobres, que ficava do lado dos mais fracos. “Logo, desagrava aos interesses dos grandes proprietários”, opinou. Segundo o advogado, não se sabia da existência de depoimentos e documentos contra o juiz. “Ninguém assistia os depoimentos; eles eram feitos de forma secreta, quer dizer, inquisição mesmo”.
Pacca chocou-se com o Incra. “Com a chegada do desenvolvimento, o Incra entendia que não havendo o título, ele podia fazer o assentamento. O Dr. Pacca entendia que a posse tinha de ser respeitada, que o Incra não podia chegar como dono. Então, ele tinha noção que o papel dele como magistrado era o de preservar o direito individual, mesmo estando num período autoritário, altamente autoritário, Veja bem: ele era um homem de origem da direita, mas que resolveu preservar valores que aprendeu na vida e se tornou aquilo que todos os perseguidos da revolução tornaram”, disse Origa.
Brasília mandava nos juízes
No mesmo estudo do TJ, o desembargador aposentado José Clemenceau Pedrosa lembra o período militar como um tempo em que, se os juízes não fizessem a vontade dos grandes sofreriam a degola. “Naquele tempo do AI-5, a magistratura não tinha estabilidade e ficava-se à mercê da simpatia do Poder; não havia garantias para o magistrado, que no geral acabava fazendo o jogo do poder”.
O desembargador Aldo Alberto Castanheira e Silva também lembra o Judiciário no período militar: ”Os juízes eram vinculados ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal”. Sobre os processos de cassação: “Na época havia a Comissão Geral de Investigação (CGI). No âmbito da justiça, cada Estado tinha uma sub CGI, geralmente comandada por um militar. Eram processos sigilosos, eles faziam coletas de depoimentos; às vezes, nem isso, e era mandado para Brasília. É claro que isso era negócio de regime forte. Muitas cassações talvez tenham sido até corretas, mas desta forma eram absurdas”.
Por esses depoimentos, se deduz que o coordenador regional do Incra, capitão-de-Exército Silvio Gonçalves de Faria (leia matéria nesta série) tinha os poderes da CGI em Rondônia. E Pacca o encarou de frente.
NOTAS
(*) O Ato Institucional nº 5 foi o quinto de uma série de decretos emitidos pela ditadura militar nos anos seguintes ao golpe militar de 1964 no Brasil. Redigido pelo presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, respondeu a um episódio menor: um discurso do deputado Márcio Moreira Alves pedindo às jovens brasileiras que não namorassem oficiais do Exército. Mas o decreto fortaleceu a chamada linha dura do regime instituído pelo golpe. O AI-5 foi um instrumento de poder que deu ao regime poderes absolutos e cuja primeira e maior conseqüência foi o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano.
1968 ficou marcado pelas atividades antigovernamentais, entre as quais se destacaram as revoltas estudantis, mas a economia continuava a crescer a passos largos. Em agosto de 1969, Costa e Silva caiu gravemente doente e em outubro o general Emílio Garrastazu Médici o sucedeu. O regime de Médici intensificou a repressão e os grupos revolucionários se tornaram mais ativos. A economia do país continuou crescente e o progresso chegou aos cantões do país, mas tornavam-se cada vez mais graves a crise energética, o descontrole da inflação e o déficit na balança comercial. A Igreja Católica aumentou as críticas diante dos fracassos do governo para melhorar as condições de vida das camadas mais pobres da população.
Fonte: MONTEZUMA CRUZ - montezuma@agenciaamazonia.com.br - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião
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