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Montezuma Cruz

Historiador explica polêmica das datas de criação de Rondônia

Se a criação do estado é analogicamente comparada à obtenção da maioridade civil, como foi possível trocar de nome antes da maioridade?


Sede administrativa da Universidade Federal abrigou secretarias no extinto território federal - Gente de Opinião
Sede administrativa da Universidade Federal abrigou secretarias no extinto território federal

O primeiro governador de Rondônia, coronel Jorge Teixeira de Oliveira, obrigou-se a assinar sucessivos decretos durante o primeiro ano, porque o Poder Legislativo ainda não estava instalado para elaborar leis. Ele fora o último governador do extinto território federal e o primeiro do novo estado, apelidado como “a nova estrela no azul da União”.     

A Constituição Estadual só seria promulgada em 6 de agosto de 1983, em ato realizado no Ginásio de Esportes Cláudio Coutinho, prestigiado pelo então presidente da Assembleia, José de Abreu Bianco, pelo governador Jorge Teixeira e pelos ministros Ibrahim Abi-Ackel (Justiça) e Mário Andreazza (Interior) e pelo então superintendente do desenvolvimento do centro-oeste, Renê Pompeo de Pina.

O estado inteirou 40 anos no dia quatro de janeiro.    

Nomeado duas vezes pelo ex-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, Teixeirão governou o ex-território entre 10 de abril de 1979 e o Estado, a partir de 4 de janeiro de 1982. Depois, com o advento da chamada Nova República, ele foi substituído pelo deputado estadual e professor Ângelo Angelim, que exerceu um mandato tampão de 10 de maio de 1985 a 15 de março de 1987, por indicação do ex-presidente José Sarney. 

O novo estado [“a nova estrela no azul da União”, de acordo com o marketing da época] é bem jovem se retomarmos o período Capitanias Hereditárias*, um sistema administrativo adotado pela Coroa Portuguesa no Brasil em 1534.

Um olhar sobre as províncias imperiais** facilita enxergar a situação dos 237,5 mil km² rondonienses [equivalentes ao território da Romênia e quase cinco vezes maior que a Croácia] que fazem parte da Amazônia Ocidental Brasileira. Basta observar o antigo pertencimento ao Amazonas e a Mato Grosso.

Províncias foram subdivisões do território brasileiro, criadas no Reino do Brasil e herdadas pelo Império do Brasil. Após a proclamação da República, em 1889, as províncias imperiais passariam a ser intituladas como Estados.

 

“IDADE E CERTIDÃO, PARTO E REGISTRO”

 

“A criação de um Estado e o nascimento de uma criança são fenômenos de naturezas completamente diversas”, acredita o historiador Dante Fonseca. E polêmicos, conforme os estudos dele. Segundo Fonseca, não há um critério exato para o estabelecimento de datas magnas. “E de nenhuma data histórica, pois o assunto é questão polêmica, envolve valores, paixões políticas e identitárias”.

Exemplifica com o próprio ser humano: “O nascimento de uma criança, é ato natural, condição sine qua non para a existência do estado civil, seu registro; o outro, a criação de um estado, é ato puramente civil”, explica.

Historiador Dante Fonseca: “Criação de um estado é diferente  do nascimento de uma criança - Gente de Opinião
Historiador Dante Fonseca: “Criação de um estado é diferente do nascimento de uma criança

“Mesmo que fossem de mesma natureza, difere em diversas sociedades o critério para estabelecer a data de nascimento. Em alguns grupos humanos é considerada a partir de determinada idade, onde o indivíduo assume realmente responsabilidades com a sua coletividade. Isso pode se dar aos 15 anos, por exemplo. Nesse último caso o fato que nos dá a data é variável, não é mais o nascimento e sim a entrada na vida adulta”.

Dante Fonseca acredita não haver um critério único em todas as sociedades humanas para determinar a data do nascimento das pessoas: “Até isso, que nos parece tão certo, é variável; em outras palavras, se o parto é um ato natural, o nascimento é uma construção social”.

“Além do mais nem sempre comemoramos o aniversário das pessoas no dia em que ela viu a luz pela primeira vez. Algumas pessoas são registradas dias, e nos sertões desse país até meses, após o seu nascimento.

Assim, o aniversário dessa pessoa poderá não ser comemorado no dia do seu nascimento natural, e sim no dia do seu nascimento civil, quando realmente nasceu para a sociedade civil, ou vice-versa, dependendo da decisão dos pais.

O fenômeno do nascimento é o mesmo da certidão? – Não, um é natural e o outro é civil. Mas, se entre um e outro houver diferença de data, a família pode escolher quando comemorar: se no dia do parto ou no dia do registro”.

Na situação de Rondônia, o historiador observa que a Lei Ordinária nº 2731, de 17 de fevereiro de 1956, mudou sua denominação para Território Federal de Rondônia, em homenagem ao sertanista marechal Cândido Rondon. Seria esse registro outra certidão de nascimento, ou apenas troca de nome? Aqui a desigualdade dos fenômenos novamente é encontrada. Se a criação do Estado de Rondônia é analogicamente comparada à obtenção da maioridade civil, como foi possível trocar de nome antes da maioridade?

Ibrahim Abi-Ackel (Justiça), Andreazza (Interior) e Jorge Teixeira: Constituição entregue - Gente de Opinião
Ibrahim Abi-Ackel (Justiça), Andreazza (Interior) e Jorge Teixeira: Constituição entregue

“De outro modo, se desconsiderarmos tudo o que foi argumentado até aqui e utilizarmos a lógica intrínseca do argumento, poderemos invertê-la. Podemos considerar que, ao contrário do registro do nascimento das crianças, a certidão de nascimento, a lei que cria o estado é o parto, e a data de sua instalação o momento da ida dos pais ao cartório para tirar a certidão de nascimento. De outro modo: como o registro pode anteceder ao parto? O dia do aniversário é o dia da certidão de nascimento, nesse caso, o em que foi expedido o documento legal que lhe dota de cidadania”.

E conclui:

“Essa analogia entre o nascimento de uma criança e o surgimento de um estado conduz, pelo que vimos, muito mais à confusão do que fornece um critério histórico indiscutível para o estabelecimento da data magna do Estado de Rondônia. Devemos chamar atenção inclusive para o fato de que dentre todos os estados brasileiros dificilmente encontraremos um critério único para o estabelecimento de suas datas magnas”.

“ No Ceará é o dia 25 de março. Essa data foi estabelecida no parágrafo único do Art. 18 da Constituição daquele estado em razão das comemorações oficiais da libertação dos escravos naquela então província (a primeira e libertar os escravos no Brasil). Em São Paulo, comemora-se no dia da deflagração da Revolução Constitucionalista de 1932 (9 de julho). Em Pernambuco, é no dia em que irrompeu a Revolução Constitucionalista de 1817 (6 de março). No Rio Grande do Sul, é no dia do início da Revolução Farroupilha (20 de setembro). Em Minas Gerais é o dia do Enforcamento de Tiradentes (21 de abril). Há mesmo estados, como o Rio de Janeiro e Goiás, que não possuem data magna.

“Portanto, que a data magna dos estados não precisa coincidir necessariamente com a data da lei que os criou, nem com o dia em que foram instalados. Aliás, se assim o fosse todos esses estados acima citados teriam sua data magna comemorada no mesmo dia. Isso porque eram províncias no Império e passaram ao estatuto jurídico de Estados com a criação dos Estados Unidos do Brazil, instituído pela República.

“ATESTADO DE MAIORIDADE”

Para o historiador, da mesma forma Rondônia, antes era território, mudou seu estatuto jurídico e, a exemplo desses estados, praticou uma data simbólica de sua “maioridade” [novamente a analogia entre o natural e o social], cabe também lembrar:

“Se a data “certa” de nascimento de qualquer unidade federada fosse a lei que a instituiu, o “certo” seria comemorar a data magna de Rondônia na data de criação do Território Federal do Guaporé. Essa certeza se daria por considerar, continuando com a analogia entre fatos naturais e fatos civis, que a criação do Estado foi apenas seu atestado de maioridade”. 

 

 MAUSOLÉU GUARDA 350 PEÇAS

 

O prédio do Memorial Jorge Teixeira, no centro histórico de Porto Velho, foi instalado na antiga residência oficial dos governadores do Território e do Estado, por Lei da Assembleia Legislativa homologada pelo ex-governador José de Abreu Bianco.

Segundo a professora e historiadora Yêdda Pinheiro Borzacov, da Academia de Letras de Rondônia e do Instituto Histórico e Geográfico, ali repousa um acervo de 350 peças, entre objetos pessoais do ex-governador, mapas, jornais, revistas, fotos e documentos que registram a elevação do Território a Estado.

“Que outra forma haverá de assumir-se compromisso com o futuro, senão nas lições do passado?”, ela costuma perguntar. Aqui temos lembranças que reforçam o nosso ânimo e nos fornecem elementos para reflexões que, sem dúvida, nos conduzem o caminhar pela retomada da trilha aberta por pioneiros como Cândido Mariano da Silva Rondon e Aluízio Pinheiro Ferreira e alargado pelo administrador público Jorge Teixeira de Oliveira”, acrescenta.

HISTÓRIA ATRÁS DA HISTÓRIA

* Juliana Bezerra, professora de história, lembra que as terras brasileiras, pertencentes a Portugal, foram divididas em faixas de terras e concedidas aos nobres de confiança do rei D. João III (1502-1557). Essas poderiam ser passadas de pai pra filho e por isso, foram chamadas de hereditárias.

Os principais objetivos eram povoar a colônia e dividir a administração colonial. As Capitanias Hereditárias tiveram vida curta e foram abolidas 16 após sua criação.

Mais:

O sistema de capitanias hereditárias foi implantado a partir da expedição de Martim Afonso de Sousa, em 1530. Os portugueses tiveram receio de perderem suas terras conquistadas para outros europeus que já estavam negociando com os indígenas e buscavam se fixar ali. Para tanto, a Coroa Portuguesa imediatamente adotou medidas para povoar a colônia, evitando, dessa maneira, possíveis ataques e invasões.

 O sistema de capitanias havia sido implementado pelos portugueses na Ilha da Madeira, nos Arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde. Assim, ficou estabelecido a criação de 15 capitanias e seus 12 donatários, uma vez que uns receberam mais que uma porção de terra e as Capitanias do Maranhão e São Vicente foram divididas em duas porções.

O QUE FORAM PROVÍNCIAS

Rondônia nasceria dentro do antigo Mato Grosso - Gente de Opinião
Rondônia nasceria dentro do antigo Mato Grosso

** Províncias foram instituídas após a transformação das capitanias em províncias ultramarinas, pelas Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, ocorrida em 28 de fevereiro de 1821, ainda no âmbito do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

A Constituição de 1824 criou o Conselho Geral de Província o legislador das províncias que substituiu o extinto Conselho dos Procuradores das Províncias. Este conselho era composto por 21 ou 13 membros eleitos, dependendo do tamanho da população da província. Todas as “resoluções” (leis) criadas pelos conselhos precisavam da aprovação da Assembleia Geral, sem direito de recurso.

Os Conselhos Provinciais também não tinham autoridade para aumentar as receitas e os seus orçamentos eram debatidos e ratificados pela Assembleia Geral. As províncias não tinham autonomia e eram inteiramente subordinadas ao governo nacional.

Com a emenda constitucional de 1834, conhecida como Ato Adicional, os Conselhos Gerais de Províncias foram suplantados pela Assembleias Legislativas Provinciais. As novas Assembleias gozavam de uma autonomia muito maior em relação ao governo nacional.

A Assembleia Provincial era composta por 36, 28 ou 20 deputados eleitos, número que dependia do tamanho da população da província. A eleição de deputados provinciais seguia o mesmo procedimento usado para eleger deputados gerais para a Câmara dos Deputados. Após a proclamação da república, em 1889, as províncias imperiais passariam a ser intituladas como Estados.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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