Sexta-feira, 19 de abril de 2019 - 06h00
Agruras e alegrias caminham juntas: de um lado, os Suruís organizam cooperativas para vender produtos extraídos legalmente, plantam e colhem café de qualidade; de outro, necessitam apoio para não perder conhecimentos tradicionais de pajés.
Há conhecidos casos de miscigenação na história. Na obra Genealogia Paulistana, Luiz Gonzaga da Silva Leme, lembra o casamento do náufrago português João Ramalho com a índia Bartira (Isabel Dias) como ponto de referência para a descrição genealógica de dezenas de destacadas famílias que ocuparam São Paulo e deram origem aos bandeirantes que iniciaram a colonização das terras do interior do Brasil.
Também menciona lendário náufrago português, Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que se uniu, na Bahia, à índia Catarina Álvares Paraguassu, filha do chefe dos tupinambás da região, deixando larga descendência. Para a preservação tribal, homens e mulheres de povos diferentes se casam em Rondônia.
O trágico: em 1977, Oreia Suruí se apaixonou pela capixaba Norminda Dias, e não aceito pela família dela foi morto, resultando em outra tragédia: seus parentes, revoltados atacaram os Dias, dizimando os cabeças.
A felicidade: Gasoda Suruí, de Cacoal, e Maria Leonice Tupari, de Guajará-Mirim, se casaram no início da década e têm um casal de filhos. Dessa maneira, indígenas de Rondônia conseguem preservar etnias.
A união Suruí-Tupari deu certo também na cafeicultura: a empresa Três Corações, de Minas Gerais, lançou o concurso Tribos, em Cacoal (a 500 quilômetros de Porto Velho), para premiar os melhores cafés nas Terras Indígenas 7 de Setembro (Suruís) e Rio Branco (Tuparis).
Setembro de 2018: indígenas Suruís conquistam o 8º lugar, com 80 pontos, no Concurso de Qualidade e Sustentabilidade de Café de Rondônia (Concafé).
Luan Suruí ficou feliz. Em três hectares colheu 28 sacas na primeira safra e soube que o seu café seria vendido à Suíça. Cada saca (60 quilos) estava cotada a R$ 750” no final do ano, enquanto o preço médio no mercado rondoniense variava entre R$ 280 e R$ 300.
Valdir Aruá, da Comunidade Rio Branco, a 80 quilômetros de Alta Floresta d’Oeste (Zona da Mata) surpreendia-se com o 2º lugar. Em 236 hectares vivem aproximadamente 1.150 famílias, entre as quais, a dele.
Outros povos manifestaram-se dispostos a produzir da mesma forma: Tuparis, Jabotis, Aruás, Kanoés, Ajurus, Sacarabiás, Iaricapus, Macurape e Kampés.
Em 2016, o professor indígena Luiz Weymilawa Suruí obteve o 2º lugar no Prêmio Professor Nota 10 com o trabalho de geografia Lap Gup: nossa casa, nosso lar. Luiz dá aulas na Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental Sertanista José do Carmo Santana, em Cacoal, a 500 quilômetros de Porto Velho.
O professor concorreu com outros 4.199 de todo o País. A premiação é feita pelas Fundações Roberto Marinho e Victor Civita, com objetivo de valorizar o trabalho docente e disseminar projetos pedagógicos de sucesso em todo o Brasil.
Já a professora nota dez Dell-Armelina Suruí foi vítima de um atentado a tiros em seis de dezembro de 2018, quando voltava de moto, com o marido Naraymi Suruí, de Cacoal para a T.I. Sete de Setembro.
O casal caiu no chão e não se feriu. Por sorte, um irmão de Naraymi, noutra moto, socorreu-os. Eles pediram abrigo numa casa perto da estrada, telefonaram para a polícia civil e, em seguida, para a polícia federal, em Ji-Paraná.
Os Paiter-Suruís não têm dúvida a respeito desse atentado, cuja autoria atribuem a pistoleiros a serviço de madeireiros denunciados por extração ilegal de árvores castanheiras na área demarcada como terra indígena.
Eles criaram a Coopaiter, uma cooperativa que legaliza a comercialização dos produtos extraídos nas aldeias. “A cooperativa pretende dar ferramentas aos indígenas, para que eles produzam e lucrem com as terras”, comentou Naraymi.
Segundo ele, a população Paiter começou a fiscalizar muito mais a atividade ilegal de intrusos, e desta maneira começaram as ameaças. Ainda em 2018, os Suruís flagraram quatro caminhões carregados com castanheiras.
Nervoso, o cacique acertou um dos condutores dos veículos com uma vara, e danificou um caminhão com golpes de facão. Um deles prometeu que mataria o cacique e sua família.
Em 2017, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) anotou 96 casos de invasão, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos às terras indígenas no Brasil – um aumento de 62% em relação ao ano anterior, quando ocorreram 59 casos.
Alguns dos casos registrados em 2019 referem-se a terras indígenas cujos povos – Uru-eu-au-au e Karipunas, por exemplo – têm denunciado de forma recorrente invasões e conflitos com madeireiros ou fazendeiros.
Mesmo com alta tecnologia de localização à base de imagens de satélite, a dilapidação de terras indígenas em Rondônia ainda é grande. Delas saem ilegalmente espécies nobres, entre as quais, o mogno. Tanto nesse território quanto em unidades de conservação, eles disfarçam a derrubada, promovendo o corte seletivo de cedro, maracatiara (ou aroeira), faveira, cerejeira, ipê, angelim, capiúba, roxinho e castanheira.
De 52 povos indígenas com clientela escolar, em 2014, assumiu a Coordenadoria de Educação Indígena na Secretaria Estadual de Educação (Seduc), agora totaliza 60. “Houve reconhecimento étnico e de localização de aldeias”, informou o coordenador Antonio Puruborá. Ele está no cargo há dois anos.
No mais recente relatório de atividades, a coordenadoria relaciona 4.030 alunos em 118 escolas.
Vinte escolas receberam recursos de compensação ambiental do consórcio construtor da Usina Hidrelétrica Santo Antonio. As mais recentes obras beneficiam os povos Uru-eu-au-au, Kaxarari (em fase final no distrito de Extrema), e na área terrestre Guajará-Mirim/Nova Mamoré. Algumas escolas terão investimentos do próprio estado.
O governo entregou um barco para o transporte da equipe pedagógica e da alimentação escolar a escolas próximas a rios de Guajará-Mirim, na fronteira Brasil-Bolívia, outro para Vilhena e dois para Alta Floresta d’Oeste.
No entanto, o maior objetivo em 2019 será o rendimento dos alunos. “A prioridade do governo nos dois semestres deste ano é o acompanhamento pedagógico in loco, o que facilita a melhoria do índice de aprendizagem”, disse Puruborá. A equipe responsável pelas visitas está sendo formada.
Nos dias 14 e 15 de maio, a Seduc promoverá curso para formação de professores em dois polos. Em Porto Velho serão mobilizados professores do 1º ao 5º ano. Ainda será definida data para o 2º polo, em Ji-Paraná.
A Escola de Ensino Fundamental Pedro Azzi, no Posto Indígena Deolinda, no rio Mamoré, é exemplo de conservação da língua* materna. Seus alunos aprendem Oro Nao no período da manhã.
Com a professora Rosinete, nascida bem perto dali, na Aldeia Tanajura, eles aprendem a falar em português, mas também se dedicam aos estudos de geografia, história, português e matemática.
Segundo o professor Erivaldo Souza Santos, formado em letras em Guajará-Mirim, a inclusão de uma língua indígena no currículo escolar lhe atribui o status de “língua plena”.
“Aqui, ela ocupa o mesmo espaço da língua portuguesa, um direito previsto pela Constituição Brasileira”, observa.
Dois anos atrás, a professora Elizângela Suruí, da Escola Sertanista Francisco Meireles, produziu material didático que mescla o estudo das línguas portuguesa e Suruí. Sua fonte foi aldeia Nabekod Abadakiba, na linha 12, em Cacoal, onde ocorreu o primeiro contato de indígenas Paiter Suruí, em 1969.
O projeto de alfabetização Mamug Koe Ixo Ti, de Elizângela, destina-se a alunos do Ensino Fundamental I e ficou entre os dez melhores do País nessa área. “Em sala de aula, nós sentíamos a necessidade, ao repassar os conhecimentos aos alunos, que eles entendessem tudo, também, em sua língua materna”, ela disse.
Segundo o professor doutor em História, Marco Antônio Domingues Teixeira, atualmente 280 indígenas estão matriculados e cursam diferentes áreas na UNIR: administração, agronomia, arqueologia, ciências biológicas, ciências contábeis, ciências sociais, comunicação social, direito (9 alunos), Educação Do Campo – Ciências Humanas e Sociais, educação física, enfermagem, engenharia civil, engenharia elétrica, engenharia florestal, gestão ambiental, história, Licenciatura em Educação Básica Intercultural (218 alunos), medicina, medicina veterinária, pedagogia, psicologia e química.
O curso de Licenciatura em Educação Básica é supervisionado no campus de Ji-Paraná pelo Departamento de Educação Intercultural, e visa formar e habilitar professores indígenas em Licenciatura Intercultural para lecionar nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.
Essa habilitação atende à demanda das comunidades indígenas nas áreas de concentração: Educação Escolar Intercultural no Ensino Fundamental e Gestão Escolar, Ciências da Linguagem Intercultural, Ciências da Natureza e da Matemática Intercultural, Ciências da Sociedade Intercultural.
“Ao longo de toda a sua história, a UNIR mantém diálogo constante com os Povos Indígenas, por meio das pesquisas de diversos professores pesquisadores, publicação de livros, organização de eventos, seminários e fóruns, e, principalmente, pela presença de estudantes indígenas nos diversos cursos”, assinala documento da Pró-Reitoria de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis (Procea).
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* O Ano Internacional das Línguas Indígenas (International Year of Indigenous languages – IYIL2019) será comemorado pela Unesco e seus parceiros ao longo do ano. Estima-se que existam por volta de seis a sete mil línguas indígenas no mundo. A Unesco entende que o idioma é fundamental nos âmbitos da proteção dos direitos humanos, da boa governabilidade, da consolidação da paz, da reconciliação e do desenvolvimento sustentável.
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