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Montezuma Cruz

Informação sonegada em 1964: Jango se reelegeria


 Informação sonegada em 1964: Jango se reelegeria  - Gente de Opinião
Ibope constatou apoio popular ao presidente deposto no golpe militar, mas a maioria dos jornais fez uma cortina de silêncio /ARQUIVO SF

MONTEZUMA CRUZ
De Brasília

Até 16 de dezembro de 2014, a Comissão Nacional da Verdade apresentará seu relatório final a respeito do período ditatorial no País. Antes disso, porém, começam a emergir fatos que a maioria dos brasileiros desconhecia. Por exemplo, em 1964, espalhou-se a notícia segundo a qual o ex-presidente João Belchior Marques Goulart,Jango, estava só quando foi derrubado do poder pelo golpe militar.
 

Mentira. Jango recebera apoio popular, sim, o que ficara demonstrado em pesquisas feitas pelo Ibope, porém sonegadas pela imprensa na época, conforme revelaram no final de 2013 o Núcleo Piratininga de Comunicação, o jurista Marcelo Semer, entre outros.
 

Em junho de 1963, Jango era aprovado por 66% da população de São Paulo, desempenho superior ao do governador Adhemar de Barros (59%) e do prefeito Prestes Maia (38%). Pesquisa de março de 1964 revela: caso fosse candidato no ano seguinte, Goulart teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais pesquisadas. Apenas em Fortaleza e Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek tinha percentuais maiores. Havia amplo apoio à reforma agrária, com um índice superior a 70% em algumas capitais. Pesquisa na semana anterior ao golpe, em São Paulo a pedido da Federação do Comércio, apontava que 72% da população aprovava o governo Jango.
 

Entre os mais pobres, Jango alcançava 86% de popularidade. E 55% dos paulistanos consideravam as medidas por ele anunciadas no Comício da Central do Brasil, em 13 de março, como de real interesse para o povo.Apenas 27% avaliavam o governo como “ruim” ou “péssimo” na capital paulista – percentual muito inflado pelas manchetes da grande mídia.
 

À exceção do jornal Última Hora, na época os demais órgãos de imprensa ajudaram a legitimar o golpe de 1964, divulgando versão contrária. Mostraram que “Jango estava só”. Em 12 de março de 1964, O Estado de S. Paulo alardeava “o aprofundamento do divórcio entre o governo da República e a opinião pública nacional”. De maneira tímida, diversas vezes o jornal Folha de S. Paulo confessou ter apoiado o golpe militar. Já O Globo, fez em 2013 um mea culpa pelo apoio ao regime militar.
 

Empossada em maio de 2012 pela presidente Dilma Roussef, a Comissão Nacional da Verdade tem, entre outras missões, algumas difíceis, outras nem tanto, esclarecer a morte misteriosa de Jango no Uruguai. Seus restos mortais foram exumados em Brasília no final do ano passado, para apurar suspeitas de homicídio.
 

A imprensa brasileira está em débito com o País, pois difundiu a tese falaciosa que negava ao presidente deposto o apoio popular devidamente comprovado. Esse aspecto então sonegado veio à tona pouco tempo atrás. Também no final de 2013, solenemente o Congresso Nacional devolvia simbolicamente o mandado presidencial a Jango, anulando ao mesmo tempo a esquisita sessão na qual a presidência da República havia sido declarada vaga.
 

Em recente entrevista à revista Carta Capital, o historiador Luís Antonio Dias mencionou a pesquisa do Ibope, contrariando tudo aquilo que fora divulgado em 1964. Sob todos os aspectos falaciosa, a tese divulgada pela imprensa fez valer um desprestígio inexistente de Jango. O historiador recorda: “Reportagens e editoriais enfatizavam o isolamento de Goulart e a oposição da população às reformas de base, consideradas demagógicas. (...) É interessante, pois os militares, em seus livros de memória, usam esse apoio como justificativa: eles só agiram porque a população pediu. As pesquisas do Ibope provam o contrário”.
 

Nos anos 1980, o coronel de Exército Jorge Teixeira de Oliveira, Teixeirão, último militar a governar do extinto Território Federal de Rondônia, costumava trombetear aos repórteres que o procuravam: “No Brasil, não existe opinião pública, existe opinião que se publica”.  Teixeirão, gaúcho de General Câmara, apaixonado por Macaé (RJ), criador do Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus (AM), não estava errado.
 

Brasileiros conhecem um pouco de Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista na Alemanha, porém, tardiamente percebem que o abuso inapropriado da titularidade da “opinião pública” consegue alterar importantes decisões políticas. Conforme faz lembrar o historiador Dias, o golpe de 1964 ocorreu em momento de restrição a opiniões de classe média urbana, “fortemente sensibilizada por discursos propositadamente catastrofistas”.
 

Seria outra a história nacional. Por isso, a verdade escamoteada deve ser agora reposta.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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