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Montezuma Cruz

Isolamento de famílias no Acre é de fazer dó


 

Isolamento de famílias no Acre é de fazer dó  - Gente de Opinião

Macaúba: em casa, Cleide e Cleiton aguardam o professor, 
que só virá em maio /Fotos M.CRUZ


 

MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
 


RIO ESPALHA, Acre – Dezoito tambores cheios de feijão carioquinha com 180 quilos cada um estão guardados desde 2009 no casarão de madeira conhecido por Centro de Florestania, na Comunidade São José, do Seringal São Francisco do Rio Espalha, no interior do município de Rio Branco. Fazem parte da safra de 2,5 toneladas colhidas em quatro tarefas (um hectare) na Colocação Macaúba pelo agricultor José Augusto da Cunha Pereira, 49 anos e seus companheiros.

Em lotes vizinhos, eles também armazenaram dezenas de sacos de arroz agulhinha. Só depois do inverno amazônico poderão levar com segurança esses produtos para as bancas da recém-inaugurada Central de Abastecimento (Ceasa) de Rio Branco, porque estão completamente isolados pelas águas, mesmo a distâncias entre 20 e 30 quilômetros da Rodovia Transacreana.

— A Ceasa (recém-inaugurada) pode ajudar a gente no transporte, porque tem muito caminhão lá — opina João Eustáquio Sena, 47. Ele soube que a frota da empresa cresceu. Duro, segundo ele, é fazer a produção sair dos lotes na floresta e alcançar a rodovia. Fabricantes artesanais de farinha de mandioca estão entre as principais vítimas.

Mais de 500 quilômetros de ramais estão intransitáveis. Na verdade, “sumiram”. Nesta época do ano, canoas de madeira e lanchas voadeiras com potentes motores de pôpa ou rabetas (pequenas hélices movem a embarcação) ultrapassam na marra os  arbustos amontoados sobre os rios. Alguns se acidentam ao chocarem com troncos levados pela correnteza.

Galinhas em liquidação 

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Babilônia: famílias contemplam as águas que saem do leito do Rio Espalha e "furam" a floresta

No Centro de Florestania existe uma escola com duas salas de aula e uma cozinha sem merendeira. Mães se cotizam para alimentar as crianças. O sacrifício se dá também na área educacional: já no terceiro mês do ano não há professores indicados, nem perspectiva de que as aulas sejam retomadas com regularidade para cerca de 80 crianças dos arredores.

O Programa Luz Para Todos ainda não chegou. Um motorzinho a óleo diesel fornece energia para garantir a TV e o rádio ligados, mas só até às 23h. A placa de energia solar ao lado da escola aciona baterias, mas está sem manutenção desde 2008.

A vida é assim nos confins do município de Rio Branco, a capital acreana. O povo produz, mas as dificuldades de escoamento são obstáculo à comercialização dentro dos melhores padrões. Isso exige rápida intervenção do poder público.

O plantel de cem cabeças de galinha, galinha capote (angola) frango e galo caipiras pertencentes a José Augusto consome uma lata de 18 kg de milho a cada manhã e outra lata com ração à tarde. Quando vão à cidade, uma vez por mês, ele, os parentes e os demais assentados fornecem cada unidade a R$ 10 – uma bagatela, considerando-se que frangos e galinhas são revendidos acima de R$ 14 na capital.

Rios transbordam, produção não sai 


UM DRAMA DE TODOS

Lideranças de extrativistas e pequenos produtores rurais participaram das reuniões com o Simpasa, Secretaria Municipal de Agricultura e Floresta, de Rio Branco, e o deputado Fernando Melo. 

COMUNIDADES 

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Galinha caipira criada na floresta custa apenas R$ 10; 
em Rio Branco é vendida acima de R$ 14


Amélia
Babilônia
Bom Jardim
São José
Macaúba

ASSOCIAÇÕES

A Vitória vem de Deus
Associação Fé em Deus
Sorriso 

RIOZINHO DO ROLA e VAI SE VER, Acre – Os ramais (pequenas estradas) estão submersos. Além do Riozinho do Rola, principal afluente do Rio Acre, tansbordaram outros oito rios de sua bacia hidrográfica: Bom Futuro, Caipira, Espalha, Jiqui, Nimita, Novo, São Raimundo e Vai se Ver. Porcos, galinhas, patos, castanha, milho, feijão, arroz e frutas ficaram estagnados. As viagens se reduziram, constatou na semana passada o presidente do Sindicato dos Extrativistas e Trabalhadores Assemelhados de Rio Branco (Sinpasa), Raimundo Souza da Silva, 49, Raimundinho, ao visitar áreas alagadas, em companhia do coordenador da Bancada Federal Acreana, deputado Fernando Melo (PT-AC) e do representante da Secretaria Municipal de Agricultura e Floresta de Rio Branco, Antônio Luiz Ferro de Aragão, Didi. 

— Foi bom que o deputado veio aqui, ficou uma semana na floresta, se arranhou na taboca, levou picadas de caba (tipo de marimbondo), até naufragou. Assim, ele sentiu as dificuldades de transporte, de saúde pública e de educação desses trabalhadores — comentou Raimundinho. Reunidos com dirigentes de associações, eles debateram a emenda individual do parlamentar que obteve R$ 1,9 milhão do Ministério da Pesca e Aqüicultura para a desobstrução de lagos e igarapés no Acre. 

— O Imac dará o parecer ambiental para o serviço e toda a mão-de-obra necessária poderá ser contratada aqui mesmo na região — comprometeu-se Melo. 

O risco da má comercialização é grande: com a cheia, um criador de suínos na Colocação Amélia avaliou em R$ 1,4 mil um lote de porcos levados para Rio Branco, mas depois de três dias de viagem, só recebeu R$ 900. Essa colocação tem filiados à Associação Sorriso. Além de colher grãos e castanha, eles criam bois, ovelhas, patos, galinhas, cabritos e cavalos. Ironicamente, a sorte não sorriu desta vez para o criador ludibriado. 

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Ex-dentista prático, Dioclécio lamenta a falta de professores nas comunidades ao longo do rio



No Seringal São Bernardo, o casal Edimar Vasques Cavalcante e Ana Maria, e a filha Marina não parecem desolados, mas lamentam que as águas tenham invadido o pequeno barraco onde fabricam cinco toneladas de farinha de mandioca por mês, numa das margens do Rio Vai se ver. Já enfrentaram o problema outras vezes. 

— A vida toda, há mais de 20 anos, esta é a primeira vez que vemos tantos “furos” (passagens) na floresta e quase não navegamos no leito do rio — comenta Antônio Evangelista da Silva, Antônio do Bil, 47, três filhos. Ele tira duas toneladas/mês, que lhe rendem R$ 12 mil brutos. O produtor mora no alto de um morro, de onde confere suas 46 cabeças de gado tucura e nelore e avista toda área encharcada.

Ex-dentista prático lamenta vazio nas escolas

RIO ESPALHA, AC – Gelildo Santos Dioclécio, 30 anos, dedicou-se durante algum tempo à prática de emergências odontológicas. Treinado nos fins de semana pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), ele se habilitou a extrair dentes de pessoas sem condições de ir à cidade. Mas não pôde prosseguir na ilegalidade profissional, apesar de ver diariamente a dor estampada no rosto das pessoas.

— Visitei até os varadouros de Xapuri e atendi muita gente em casa, mas tive que parar — conta, fitando entristecido o repórter. Rio Branco, o maior centro populacional, comercial, cultural e industrial do estado, estende também seus limites a Xapuri, a conhecida “terra de Chico Mendes”.

No momento, ele está mais preocupado com o vazio na educação das crianças da 5ª à 8ª séries.

— Os professores vêm de Xapuri, ganham em média R$ 500, e ainda precisam pagar a própria comida. Eles andam de moto, porque têm que receber o plano de aula na cidade — relata. Dioclécio ouviu a previsão de que, até maio próximo, as aulas serão retomadas à tarde e à noite. Ainda sem usufruir do Programa Luz para Todos, o jeito será usarem a energia produzida por um motorzinho a óleo.

Por sorte, vez ou outra um professor consegue hospedar-se com seu José Augusto, que atende como administrador dos problemas da área. 

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Canoa a gás: por R$ 40 o botijão, ela viaja entre os rios Vai se ver e Acre, para chegar em Rio Branco

 

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Suínos embarcam para Rio Branco, ao lado de cargas de castanha



 

   
   

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