Quarta-feira, 31 de julho de 2024 - 11h12
Ele
convidava a todos, mas quem cozinhava era Lucimar, a esposa. O advogado e
vereador José Itamar Moreira Dantas, um potiguar-carioca que chegou a Porto
Velho nos anos 1960 costumava levar amigos para almoços e churrascos em sua
casa, mas também convidava vizinhos, pobres e moradores de rua. “Fazia isso com
frequência e com alegria”, ela conta ao lembrar a vida do ex-advogado e
vereador falecido aos 85 anos em 10 de novembro de 2018.
A mudança da família para o Rio de Janeiro aconteceu ainda nos anos 1950. A mãe Athalia Câmara Moreira Dantas era do lar, e o pai, Oscar Dantas Cardoso, trabalhava numa fábrica de tecidos.
Ninguém o via diferente: estudante, promotor de justiça ou profissional do Direito, tudo se ajustava à pessoa única, conforme demonstram as fotos guardadas no baú das lembranças por Lucimar Rodrigues do Nascimento Moreira Dantas, viúva dele.
Das hostes da Faculdade Nacional do Direito e os célebres movimentos no Largo do Caco, no Rio de Janeiro, Itamar Dantas ofereceu o seu trabalho ao velho Estado de Mato Grosso. Ainda no Rio de Janeiro, serviu por um período a Aeronáutica, mas deu baixa.
“Ele sempre quis me levar para rever Aparecida do Taboado, lugar que eu conheci só pelas fotos”, comenta Lucimar.
Com vagas lembranças da terra onde nascera – Lages (RN) – ele gostava se ser carioca. Só saiu do Rio em 1960 para estrear no Júri de Aparecida do Taboado, hoje com 26 mil habitantes na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Em 1961, participou de comícios em prol da candidatura a prefeito do conhecido Vital e do vice Totonho à Prefeitura de Aparecida, onde exerceu o cargo de promotor público em 1962.
A eloquência era seu forte nos discursos e nos apartes ouvidos no Salão Bohemundo Álvares Afonso, no antigo prédio da Câmara, na Ladeira Comendador Centeno, em Porto Velho.
Dentro do Salão brilhava o político, fora dele existia o “amigo de todos”. “Eu fazia paneladas de carneiro e auxiliava nos churrascos no quintal; vinha político, médico, e gente da rua – para todos ele abria tranquilamente a porta de casa, cativando eleitores jovens e até os mais antigos”, conta Lucimar.
“Ele me dizia que nunca teve medo de nada, e isso talvez tenha sido pela vivência no Rio de Janeiro e em todos os lugares que ele frequentava desde os tempos de estudante”, ela diz.
“Ele me levava para os comícios do MDB naquele terreno da rodoviária antiga, ali na 7 de setembro, e lá ia eu com a bebê Lenita. Às vezes dava confusão, e aí ele saía abraçado comigo e com a filha no colo”, lembra-se.
Num dos finais de concentração popular, um carro do Corpo de Bombeiros esguichou água contra a multidão na Rua Joaquim Nabuco. A oposição liderada pelo deputado federal e advogado Jerônimo Santana era tratada no chicote, mesmo na presença de celebridades políticas nacionais – Evandro Carreira, do Amazonas; Ulysses Guimarães, de São Paulo; Antonio Pontes, do Amapá, entre outros.
Sobravam discursos contra a ditadura militar e as condições precárias do anômalo território federal.
Na memória deste repórter ficou a imagem daquele terreno com milhares de pessoas, e da carroceria de um caminhão lotada de vereadores, deputados federais, senadores e militantes que se acotovelavam debaixo de duas únicas lâmpadas acesas.
O casal morou no Bairro Areal por 11 anos. Inicialmente instalado numa sala da Rua D. Pedro II, onde funcionava o Sindicato dos Estivadores, Itamar atendia em seu escritório numa casa antiga da Rua José do Patrocínio. Tinha boas relações profissionais com o advogado Abílio Nascimento e sempre se consultavam antes de Nascimento associar-se ao advogado Oto Swami Barbosa.
Na primeira eleição para vereador, em 1976, Itamar dirigia um Fusca azul claro que o levava para todos os cantos da cidade que ainda não passava de cem mil habitantes. Eleito com 1.767 votos, Itamar e a professora Marise Castiel (Arena) foram os dois mais bem avaliados pela população.
“Quando ele disputou uma vaga na Assembleia Constituinte pelo PDS, o cenário mudou completamente: aquela paixão pelo partido, e não por ele, foi se acabando”, relata Lucimar.
Situação que se agravou pelas brigas internas no MDB; a chegada de José Múcio Athayde Froes e outros políticos trazidos por Jerônimo Santana; e ao coronel Teixeira, que lançou dezenas de candidatos a deputado estadual. A pulverização de votos impediu o sonho de Itamar, então no PDS, de ser um dos primeiros 24 deputados estaduais.
“Ele chorou muito, quando viu a multiplicação de candidatos e passou meses amargando a derrota”, conta ainda a viúva.
Uma única vez, em 1976, Itamar voltou a Natal (RN), e outra vez a Recife (PE), onde estudou teologia. Dos irmãos dele – Carlos Alberto, Rui e Oscar, esses dois também estudaram Direito.
Quando veio de Aparecida do Taboado para Porto Velho aqui chegou divorciado da primeira mulher. Conheceu Lucimar e com ela criou as filhas Aline e Lenita, respectivamente terapeuta e advogada. Lucimar criou ainda Márcia, psicóloga, e James, falecido.
“Os vereadores recebiam poucos subsídios, não me lembro quanto, e ele buscou no Rio Grande do Norte a legislação que serviu de modelo para regulamentar esses vencimentos e valorizar os vereadores, e todos eles representavam quase o estado todo”, relata Lucimar.
Até 1976, apenas Porto Velho e Guajará-Mirim tinham eleições, porém, apenas para as câmaras municipais e para a Câmara dos Deputados (federais).
Governadores eram nomeados por Brasília, prefeitos nomeados pelos primeiros, e os três senadores – Claudionor Roriz, Odacir Soares Rodrigues e Reynaldo Galvão Modesto – se elegeram por força da máquina administrativa de Teixeirão, que se gabava em repetir: “Vim com a missão de transformar Rondônia em estado.”
A exemplo de outras, as lembranças desse advogado e político não se encontram mais nos arquivos da Câmara Municipal de Porto Velho, que foi uma das mais importantes do País, pois suas atividades estendiam-se de Porto Velho a Vilhena.
Em tempos territoriais, a Câmara era uma espécie de Assembleia Legislativa, pois reunia representantes interioranos e da Capital. O repórter andou lá dentro, visitou seis departamentos, e nada encontrou do período que antecedeu ao estado. Infelizmente, o Poder Legislativo de Porto Velho perdeu documentos, jornais e fotos, sepultando assim a memória dos anos 1960 e 1970, muito ricos e proveitosos.
Quando Itamar se foi, em 2018, o então presidente da OABRO, Andrey Cavalcante, manifestou o pesar da classe: “Ele foi um cidadão que muito contribuiu para a advocacia rondoniense, um grande profissional do Direito. Deixa um legado de exemplo como pai de família, amigo, profissional, homem público”.
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