Segunda-feira, 14 de setembro de 2009 - 22h02
MONTEZUMA CRUZ
Falo obviedades e não tenho gabarito algum para dar receitas balanceadas às grávidas amazônicas. No entanto, curvo-me aos fatos: repercutiu o resultado de pesquisa feita pela enfermeira Raquel Maia a respeito do nascimento de bebês abaixo do peso lá em Cruzeiro do Sul, na fronteira brasileira com o Peru.
Se até no rico Estado de São Paulo, o drama desafia a saúde pública, os programas de combate à fome, os prefeitos, o que fazer? Na semana passada a Câmara dos Deputados aprovou o aumento de vagas de vereadores, mas não se viu a Frente Parlamentar da Saúde, nem a Comissão de Amazônia ou o próprio Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome se pronunciarem a respeito desse drama amazônico.
É que a pesquisa foi concluída em meados do ano, prezados leitores. E o próprio governo estadual acreano não moveu uma palha para socorrer uma cidade na qual quase 10% dos partos resultam em crianças abaixo de 2,5kg.
Quando se fala em sucessão presidencial, defecções nos partidos, pré-candidaturas, é inadiável debater a fome que nos rodeia. Levantamento feito pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo apontou que cerca de 80% das adolescentes grávidas se alimentam de maneira inadequada durante a gestação. A pesquisa, feita no Ambulatório de Nutrição do Hospital Maternidade Interlagos, indicou também que apenas 10% conseguem mudar os hábitos alimentares na gravidez.
E no Acre, Deus do céu? Mesmíssima coisa. É isso, você acertou em cheio.
O levantamento paulistano foi feito com 200 adolescentes gestantes, com até 17 anos, atendidas no ambulatório no primeiro trimestre deste ano. Entre os problemas, o principal é a ingestão excessiva de alimentos altamente calóricos e com grande teor de sódio. Os que lideram a lista dos mais consumidos pelas jovens na gestação são os salgadinhos industrializados, bolachas doces recheadas, hambúrguer, macarrão instantâneo, chocolate, sucos de saquinho e batata frita.
A nutricionista do ambulatório, Marta Del Porto Pereira, disse que esses problemas alimentares são prejudiciais tanto para a mãe quanto para o bebê. “Consumir comidas assim durante a gestação provoca alterações sérias nos níveis de glicemia da mãe, além de causar pressão alta. E para o bebê, o sofrimento é inevitável, interferindo até mesmo na sua formação e no ganho de peso”.
E na terra que produz a melhor farinha do Brasil? Em Cruzeiro do Sul, consome-se farinha de qualidade a preço acessível, mas ainda não se adotou nem se difundiu a cultura de que o caldo de macaxeira é um ótimo alimento. Há notícia de que apenas a Prefeitura de Sena Madureira promoveu a distribuição desse suco numa escola do Ensino Fundamental. E ficou nisso. Da Secretaria Estadual de Educação do Acre não se tem notícia a respeito da possibilidade de se adotar um programa que inclua na alimentação da criançada, sucos e beijus coloridos, por exemplo.
Pré-natal? A pesquisadora Raquel Maia constatou baixo índice nesse município da região do Juruá. A pesquisa detectou ainda que as jovens mães pouco se importam se o que fizerem errado hoje refletirá no amanhã.
Complicado, mas nem tanto. É uma questão cultural também. Cultural e que impõe hábitos. Por que não praticá-los, tornando o Acre um laboratório amazônico?
Fácil falar, duro de fazer? Nem tanto. Parlamentares amazônicos (sim, porque não apenas o Acre tem bebês abaixo do peso) poderiam se unir à Frente Parlamentar da Saúde, a fim de buscar alternativas alimentares para essas meninas. Suco de macaxeira, farinha de castanha, queijo de castanha por exemplo. São riquezas acreanas. Tanto quanto a soja e a cana-de-açúcar o são em outras regiões brasileiras.
A distribuição desses produtos? Ora, isso é obrigação do governo estadual estudar, fazer acontecer. É algo viável! A pesquisadora da Embrapa-AC Joana Souza tem estudos e uma tese bonita a respeito. E o Acre produz muita castanha.
Quanto ao suco de macaxeira, mães indígenas na Transamazônica foram flagradas no início dos anos 1990 pelo pesquisador da Embrapa Biotecnologia, Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho, alimentando seus bebês com suco de mandiocaba (a mandioca açucarada do Pará).
Paralelamente às doutrinações da Igreja, essa mulherada precisa se alimentar melhor, para dar à luz bebês robustos e com chance de vida. Será que o Fome Zero poderia adotar uma vertente de resultados para Amazônia?
Boa semana, senhores médicos, enfermeiros, secretários de saúde e ministros responsáveis por resolver ou, ao menos atenuar o problema. Espero que o tema tenha o mesmo peso da gripe suína.
Por fim, a surrada frase, muito ouvida de parlamentares da região em reuniões nas diversas comissões da Câmara: “A Amazônia também tem gente”. E daí, cara-pálida, o que faz por essa gente?
Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião
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