Quarta-feira, 14 de agosto de 2024 - 08h07
Os primeiros advogados enfrentaram muitas agruras para atender suas demandas na Zona da Mata. Recém-chegado a Rolim de Moura, a 483 quilômetros de Porto Velho, o juiz de Direito Sérgio Nogueira Lima trouxe o martelo da Lei para uma cidadezinha ainda sem recursos. No entanto, sofrimento maior teve seu antecessor, Aldemir, que permaneceu menos de um ano no cargo. “Até para telefonar, ele tinha que ir à Prefeitura, onde estava instalado um dos poucos aparelhos em repartições oficiais; andava de bicicleta” – conta o advogado gaúcho Adi Baldo, que em 1983 participou do primeiro júri no salão de um clube.
Esse é um dos capítulos do início da
justiça no interior de Rondônia, que foi elevada a estado ainda dependente do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, onde acumulavam milhares
de processos sem julgamento.
A cidade que mais teria governadores,
vices, um senador e uma deputada federal com longos mandatos, só facilitaria o Poder
Judiciário ao construir duas casas que deram origem ao primeiro Fórum, na Avenida
Florianópolis.
“Aqui não tinha ninguém” – diz Adi
Baldo referindo-se ao preenchimento de cargos no Poder Judiciário.
“Precisávamos encontrar um rumo.”
Atualmente, mais da metade das ações
existentes na comarca são previdenciárias.
Em 1982, o advogado Miguel Roumiê
candidatava-se a presidente da Seccional, enfrentando o então já poderoso
Rubens Moreira Mendes, que nos anos 2000 seria senador da República.
Com muito mais posses financeiras e influência
no governo, Rubinho – como era chamado pelos íntimos amigos – conseguiu
um avião para levar advogados votantes de Rolim de Moura à Capital. Eles foram,
mas votaram em Roumiê.
Em 1984 a inauguração da comarca inteirava um ano, mas o juiz titular, um ex-funcionário do Incra vindo de Cacoal só assumiria o cargo um ano depois.
CORRENDO ATRÁS DO JUIZ
Segundo conta Adi Baldo, a rotina do advogado não era fácil. “Estava tudo certo para eu receber dele o despacho a uma petição que possibilitaria o pagamento de uma fiança para libertar um preso denunciado por lesões corporais, quando o juiz embarcou de avião para Vilhena (a 249 km de Rolim); não tive dúvida, fui de ônibus atrás dele e ele me atendeu, e assim fui até o delegado Heliodoro, que soltou o preso.”
Quando necessário ajuizar ações, o mais prático era fazer elas não acontecerem, encontrando a solução em casa.
PRIMEIRO JÚRI
Quarenta anos atrás, o primeiro júri em Rolim começou numa terça-feira às 9h, encerrando-se às 15h, no salão social do Clube Tropical, construído de madeira. O juiz foi Sérgio de Lima Nogueira, o promotor Jaime Ferreira, e o advogado de defesa Adi Baldo.
O réu foi o jovem Aparecido Morais Xavier foi absolvido. “A tese de homicídio culposo prevaleceu; ele defendeu-se do ataque de um amigo armado que prometera ‘acabar com a vida dele’ no meio do mato durante uma pescaria.”
Na mesma semana Adi Baldo teve dois julgamentos marcados, ambos de réus homicidas, tendo que pedir ajuda ao colega recém-chegado Jarbas José Custódio. Desta maneira, conseguia realizar o primeiro numa terça-feira e o segundo na quinta.
Nesse caso o réu fora sentenciado à pena de 22 anos, e na sequência os advogados obtiveram novo júri, no qual o juiz baixaria a sentença para oito anos.
Adi Baldo presidiu a subseção da OAB no triênio 2004-2006.
PARAIBANOS CHEGAM
Reviver o passado dá importância ao presente moderno. “Em 1985 éramos poucos quando uma famosa aviãozada trouxe de uma só vez 20 advogados do Estado da Paraíba, tempos do ex-secretário de segurança pública Walderedo Paiva, que também veio de lá” – conta o ex-presidente da subseção, Airton Pereira de Araújo.
Alguns dos advogados foram designados delegados de política.
Airton, que chegou em 1984 e presidiu a subseção de 2001 a 2003 lembra-se do lendário advogado João Lucena Leal, ex-agente da Polícia Federal em Fortaleza. “Ele e Cristóvão Coelho Carneiro trabalhavam bem área criminal, Lucena foi delegado-chefe de Homicídios.”
Com o aval do governador Jorge Teixeira, Lucena comandou a “Operação caça-pistoleiro” – ele próprio assim a denominou – no interior das glebas de Ji-Paraná (a 367 km de Porto Velho). Nela, entre outros, capturou o famoso bandido Berto, condenado por dezenas de homicídios.
Ele compara a atuação de Lucena a outra protagonizada pelo ex-delegado em Mauriti (CE): “Tocava terror mesmo: chegava à cidade, ligava o alto-falante e avisava: cheguei!”
Depois de alguns desvios e da devida cautela exigida pelo figurino revolucionário, Lucena reencontrou em Porto Velho dois algozes dele nos porões da ditadura na capital cearense: José Sales de Oliveira, o último preso político do Brasil, e o advogado Nilton Gurgel.
O primeiro fora libertado em 7 de outubro de 1980 e escolhera Rondônia para viver. Condenado à prisão perpétua e mais 84 anos, por “crime contra a segurança nacional” (assalto a banco), Sales teve a pena foi reduzida para 16 anos, oito meses e 16 dias. Com a metade cumprida, ele deixava o cárcere aos 38 anos de idade. Gurgel, em Porto Velho, atendia em seu escritório clientela sem recursos, notadamente pessoas sem terra e sem teto. Ambos já faleceram.
A subseção de Rolim é a maior em território (1,47 mil Km²) e tem inscritos mais de quatrocentos profissionais. Sua sede própria foi construída durante a gestão do presidente Sílvio Vieira Lopes, e inaugurada em 24 de outubro de 1997.
“A MAIS BONITA”
A conversa descontraída com antigos militantes do Direito na sede da subseção também fez pontificar o papel da mulher na advocacia.
Regiane Strukel é “a mais nova” entre os mais antigos na cidade. “Penso que hoje reclamamos de algumas situações, mas olhando para trás a realidade era outra bem mais forte”, ela diz.
Verdade: o primeiro computador a funcionar na subseção foi levado pelo advogado Jarbas Custódio. Nele, o advogado Airton redigiu um recurso de apelação, quando faltou energia elétrica e apagou todo o texto. Inconformado e embravecido, ele teve que fazer tudo de novo.
“Em 1988 eu voltava a Umuarama (PR) para fazer a Faculdade de Direito; ainda estagiária na Defensoria daquela comarca eu vi o doutor Airton fazendo um júri e falei com ele, foi uma alegria”, lembra-se.
“Pois é, o primeiro juiz andava de bicicleta e eu também usei uma bike para ir do escritório ao Fórum” – comenta Airton.
“Oitenta por cento dos crimes menos graves prescreviam” – conta o advogado Nivaldo Vieira de Melo. “Quando cheguei, em 1985, havia mais de trezentos inquéritos policiais sujeitos à incineração por decurso de tempo.
O mandato de Nivaldo foi de1989 a 1990. “Minhas viagens de Rolim a Pimenta Bueno e vice-versa duravam cinco horas”, ele conta.
As primeiras visitas da diretoria da Seccional de Rondônia também estão em sua memória: “Algumas vezes fomos até a balsa do Rio Machado aguardar a chegada dos nossos colegas Arquilau de Paula, Edelson, Heitor Lopes, Orestes Muniz e Pedro Origa.”
Regiane, reconhecida: “Se eu tenho participação na Ordem me inspirei neles; ficando experiente decidi concorrer à presidência e fui eleita para o período de 2016 a 2018.”
Ela acredita ter desempenhado bem o seu papel em defesa da classe. Bem-humorada, brinca: “Bem, contra os fatos não há argumentos: sou a mais competente e a mais bonita – única no cargo – até hoje.”
PENHORA DO “ELEFANTE”
Durante 15 anos, o juiz – e mais tarde desembargador – Valter Waltenberg foi o titular da comarca em Rolim.
Certa vez, o advogado Airton havia solicitado a penhora de uma motocicleta Agrale Elefant, mas faltou o termo exato no documento, que foi trocado por caminhão.
Com isso o juiz brincou: “Vai ser um problema tirar o elefante daqui hem?
OUTRAS AGRURAS DE JUÍZES EM RONDÔNIA
A vida do juiz, nas décadas passadas era dificílima.
● Praticamente a justiça era feita no núcleo dos municípios, porque não tinha condição do juiz judicar em relação à Comarca de Vilhena, distante mais de 700 quilômetros. “Os juízes não iam para estas localidades, mas os processos vinham”, relata Nilza Menezes, no Centro de Documentação Histórica do Tribunal de Justiça.
Fatos lembrados por ela:
● O governador do Estado, na época, tinha uma função na justiça, ele trazia os processos. Lá em Guajará-Mirim, traziam do interior para a sede da comarca, mas não havia possibilidade de trazer as testemunhas (Desembargador César Montenegro, 1999).
● Com relação à observação que fizemos quanto à quantidade ou até qualidade das ações, o Desembargador Montenegro traz uma informação importante. Antes vale observar que quando nos referimos à qualidade, não estamos nos referindo aos critérios sobre o conteúdo ou a capacidade jurídica dos magistrados, e sim aparência dos documentos quanto a sua forma. Desde a caligrafia dos servidores, a rapidez no andamento dos feitos, a gramática, a quantidade de informação carreada aos autos e, principalmente, o alcance jurisdicional que demonstra a estrutura judiciária fragilizada.
● Sobre isso Montenegro afirma: “Praticamente a justiça era feita no núcleo dos municípios, na cidade. A justiça não alcançava seus objetivos, só se formavam processos com relação aos conflitos da sede do município.
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Fotos: Montezuma Cruz e Arquivo Pessoal de Adi Baldo. Vídeo por ele cedido a esta série.
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