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Montezuma Cruz

Licença de ocupação não coloniza Amazônia


MONTEZUMA CRUZ - Os bancos só davam financiamentos até o limite de 60% do valor da terra. Um lote de 100 hectares na Rodovia Transamazônica valia no máximo 50 mil cruzeiros. O teto dos financiamentos para colonos portadores de licenças de ocupação era de apenas 30 mil cruzeiros. A demarcação do lote custava-lhes em média 10 mil cruzeiros.

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Como obter o acesso à terra sem escoamento da produção, transporte, armazenamento e comercialização? /MONTEZUMA CRUZ
Até 1976, em 18 estados, 42 mil pessoas haviam sido assentadas nos projetos do Incra. Esse volume pouco representava, já que a documentação expedida foi pequena. Sobravam cartas de anuência e faltavam títulos definitivos. Essa ladainha exposta aos deputados por sucessivos depoimentos de advogados, funcionários do Incra, religiosos, sociólogos, jornalistas e até por governadores de estados amazônicos, fez ver que a reforma agrária ainda se distanciava daqueles conceitos propostos ainda na década de 1960.

Dois anos antes da CPI da Terra, o Incra declarou ter distribuído 11,8 mil títulos em seus projetos fundiários na Amazônia Legal. Na verdade, só 2 mil eram definitivos. Causou espanto naquele ano, o fato de Conceição do Araguaia não ter recebido um só título definitivo, enquanto o Estado do Pará obtinha apenas cinco.
 
Como promover o acesso à terra de milhares de colonos, sem dimensionar o escoamento, o transporte, o armazenamento e a comercialização da produção? O colono produz arroz, milho e, depois, não tem para quem vender”, questionava o deputado Jerônimo Santana (MDB-RO), relator da CPI.

Era comum os colonos trocarem sacos de arroz por açúcar ou latas de leite em pó. Trezentos antes os índios guaranis ensinavam a lição do escambo no Sul do País. E ele foi muito praticado na Amazônia ainda inóspita e aberta para gente do sul, sudeste e centro-oeste do País.


Amarrado

Em 1975, o Incra no Pará estava de pires na mão. Seus funcionários em toda Amazônia irritavam-se com as críticas. Uma delas, ouvida de populares pelo bispo de Marabá, dom Alano Maria Penha, traduzia jocosamente o significado da sigla para: Incra: Infelizmente Nada Conseguimos Realizar na Amazônia.

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Transamazônica: a demora do título definitivo, a falta de crédito e as indefinições do Incra impediram assentamentos /GOV. PARÁ
Os cinco projetos fundiários pertencentes à coordenadoria do instituto no Pará e Amapá receberam pouco mais de 271 milhões de cruzeiros para distribuir 116 títulos definitivos de propriedade, dos quais, 111 no ex-território federal de Rondônia.

O processo de arrecadação e venda de terras foi intenso. A partir dessa época, preso ao seu próprio gigantismo, o instituto já não conseguia sequer dar destinação, por mais espúria que fosse, às terras discriminadas. Elas foram logo invadidas e o processo de discriminação se tornava inócuo por falta de destinação econômica.

Só licença provisória

Cada título expedido nesses projetos teria custado 2,3 milhões de cruzeiros. A coordenadoria distribuiu ainda 3 mil licenças de ocupação, a um custo unitário de 88 mil cruzeiros. Custo elevado e poucos resultados, concluiu a CPI. Mais grave é que o Incra não conseguira substituir as licenças de ocupação – com validade de quatro anos – concedidas aos lavradores por títulos definitivos.


Entre 1975 e 76 o Incra distribuiu 9,4 mil licenças de ocupação e apenas 21 títulos definitivos no Pará. Em conseqüência, os lavradores só conseguiam obter financiamentos bancários para despesas de custeio, sem acesso ao investimento.

Especulação

Para o período 1975-79 o Incra pretendia instalar 4 mil propriedades-famílias (110 hectares), 1,2 mil médias empresas (até 3 mil ha) e 120 grandes empresas até 72 mil ha, perfazendo um total superior a 10 milhões de ha. E venderia áreas a preços baixos à Cooperativa de Ijuí (RS), no Pará, para onde iriam 1,5 mil famílias de gaúchos.


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Dom Moacyr Grechi desconfiava que a propalada experiência das cooperativas camufasse a exploração dos migrantes /GENTE DE OPINIÃO
Munido de documentos oficiais, dom Moacyr Grechi, na época bispo da Prelazia Acre-Purus, alertava que as cooperativas podiam conseguir até a extensão até 500 mil ha de terra para cada projeto. “Resta saber se a propalada experiência delas nesse tipo de empreendimento não camufla o processo típico da exploração dos migrantes, sendo uma das causas da própria migração”, advertia.

Empresas colonizadoras do Estado do Paraná estavam na época readquirindo terras por elas vendidas aos colonos atraídos do Sul ou do Norte e oferecendo-lhes novas terras na Amazônia. “Isso é normal?”, perguntava. As pequenas propriedades paranaenses estavam cada vez menores no início da década de 70. Aquelas com até 25 ha perfaziam 72% do total, porém, ocupavam apenas 20% das terras estaduais. Enquanto isso, os outros 80% das terras estavam nas mãos de apenas 22%.

Dom Moacyr sugeriu que se investigasse o funcionamento das colonizadoras particulares e das cooperativas que faziam amplas campanha de incentivo para que os pequenos proprietários vendessem suas terras e se transferissem para Mato Grosso, Rondônia, Acre e Pará.


NOTA
A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
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* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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