Quinta-feira, 17 de julho de 2008 - 18h55
MONTEZUMA CRUZ
Ah! bem. Penso que entendi: rico não pode ser preso de pijama, mas ladrão de comida, traficante de drogas e brigões negros e pobres podem sim, serem levados no camburão, vestidos apenas com um short. Algumas de Suas Excelências podem exercer o mandato, porque seus crimes foram cometidos anteriormente ao período em que haviam sido escolhidas pelo povo para representá-las. Lista suja de candidatos a cargos eletivos? O TSE diz que teme cometer injustiças. Continuaremos assim? Logo eu, um sujeito esperançoso, há 37 anos nesta prostituída profissão tão carente de alegria, de criatividade e de construção de algo melhor.
A Corte Eleitoral transfere a decisão tão aguardada por tanta gente preocupada em ver um País mais decente. E assim não barra candidatos com a ficha suja, alguns até condenados em alguma instância. Alegam os magistrados que só podem fazer isto quando o candidato estiver definitivamente julgado e se esgotarem os seus recursos. A Constituição garante esse direito. Queixas ao bispo, então.
Não há como não crer que a população brasileira estaria se enveredando para apoiar organizações não-governamentais, associações e assemelhadas, em vez de confiar no Parlamento e até mesmo na sua mais alta Corte de Justiça, sob cujo manto o crime altamente organizado e cheio de cúmplices vigia juízes e desmoraliza as instituições.
Pesquisa nacional revelou que apenas uns 10% dos eleitores sabiam que em outubro próximo teremos uma eleição municipal. A eleição está próxima! De que maneira esse eleitor vai se interessar em saber se o seu candidato tem vida pregressa um tanto borrada de maus feitos?
Estaríamos recebendo os fluídos do fenômeno mundial da despolitização da população? Ou seja, vergando diante do rolo compressor que leva as pessoas a se interessar cada vez menos pela tradicional política? A própria, que já não é mais partidária e onde a sem-vergonhice campeia aos quatro ventos, não importando a luz do Sol ou o clarão da lua cheia? Meu primo Nilson Silva diz: só agora sua ficha caiu? Vivo fosse, meu septuagenário irmão Luiz José repetiria a pergunta.
Pelo andar desse bonde, muita gente correrá novamente o risco de votar em condenados judicialmente ou a caminho disso. E aí prevalece aquela bondade da lei segundo a qual o cidadão "não pode produzir provas contra si". Combinando em gênero, número e grau com outra: "a punição vem quando houver sentença transitada em julgado".
Dois aspectos se destacam: um é o amplo e sagrado direito de defesa; outro é a execrável manobra protelatória. E assim a meninada da escola, os velhinhos da praça e dos asilos, as senhoras dos grupos de oração, todos sabem que o sujeito não vale um décimo do mandado conquistado, entretanto, terão que suportá-lo no Congresso Nacional, no cargo executivo, ou em outros poderes. Uma lástima.
Divulgou-se, mas não aparece a tal lista do Tribunal de Contas da União (TCU) com cerca de três mil nomes de pessoas envolvidas com a prática de algum tipo de desvio na gestão de negócios públicos. A propósito, recordo-me de um telefonema dado ao ex-senador Amir Lando (PMDB-RO) por um prefeito preso numa cadeia lá na fronteira com a Bolívia, em Rondônia. Desviara dinheiro de um fundo nacional de educação e queria libertar-se antes da próxima eleição. Só depois, muito depois, ocorreram as prisões dos presidentes da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Justiça.
Testemunhei isso porque assessorava o senador em Brasília. Prefeitos, principalmente, arrumam sempre um jeito de escapulir ao crivo da lei. E voltam à passarela, estimadas e estimados leitores. Deixo de comentar aqui aqueles que mandam eliminar adversários a tiros.
Poderiam perguntar se já não o fizeram: os partidos, essas catedrais, não estariam dispostos a moralizar, negando registro aos portadores de ficha suja? Que nada! Os objetivos das agremiações político-partidárias não apenas permitem uniões as mais indigestas como fazem a platéia engolir sapos. Diretórios não negam legendas aos portadores de ficha corrida. O caso dos suplentes, então, é admirável.
Não basta repetir que os códigos são ultrapassados, acreditar na eficácia de seminários ou debates rotineiros. Democracia nesse aspecto implica marchar nas ruas, até mesmo com nariz de palhaço, para conquistar a adesão dos demais envergonhados. As raras boas mudanças que tivemos recentemente na legislação criminal surgiram depois de clamores populares. Recordam-se das barbáries praticadas nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo?
Fosse mais ágil, a Justiça Eleitoral teria evitado que os comprovadamente criminosos continuassem eternamente impunes. Para mudar a Lei, o Poder Judiciário poderia ter assumido uma campanha pública em todo o País. Passou ao largo da sua história.
Se pouco ou nada ocorreu até aqui, é improvável que o eleitor se mobilize para impedir a avalanche de prefeitos e vereadores safados que vão se empoleirar no poder a partir de 2009, sem muitas dificuldades. E com aquele velho e surrado marketing, aliado a repetidas promessas: são "empreendedores, pais de família, realizadores etc etc etc".
MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br
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