Sábado, 20 de novembro de 2010 - 06h15
RONDÔNIA DE ONTEM
MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias
Antigo seringal, Machadinho do Oeste virou cidade após a consolidação de um projeto do Incra. Chamava-se apenas Machadinho. Foi ali que se reencontraram os agricultores paranaenses Aristides Pivetta, 46 anos, e Severino Pereira da Silva, 42. Moravam vizinhos no Paraná.
Severino, pernambucano de Arcoverde, pai de sete filhos, morava em Jaru desde 1981. Não se deu bem no Paraná, onde trabalhava em lavouras de café. Aqui, obteve um lote de 50 hectares, dos quais preparou sete com arroz, milho, feijão, banana, batata e café.
Aristides plantou cacau, mandioca e previu para mais tarde o cultivo de guaraná e grandes fruteiras. Vivia com o governo na cabeça e na ponta da língua:
– Não escondo de ninguém que me filiei ao PDS para conseguir esse lote mais rápido, com facilidade – confessava, sem disfarçar o riso. Alguns colonos vindos dos estados da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo também demonstravam semelhante grau de esperteza. PDS era a sigla do Partido Democrático Social, sucedâneo da Aliança Renovadora Nacional (Arena). Ambos apoiavam o governo.
“Ponta de lança da fronteira humana brasileira, onde não há nem a miséria do pessimismo nem a abundância proclamada pelos otimistas, o mais novo estado possui hoje cerca de um milhão de habitantes” – registrava o Jornal do Brasil, em matéria deste repórter e do fotógrafo Rosinaldo Machado.
Entre janeiro e junho de 1984 haviam chegado mais 82 mil pessoas e até dezembro elas seriam 130 mil. Para assentar apenas um terço desse contingente, o governo estadual estimava investimentos de 12 bilhões de cruzeiros apenas para os projetos do Incra. Desse total, oito bilhões seriam consumidos pela abertura de estradas vicinais.
O inchaço desafiava o Incra, que foi responsável pela titulação de 3,4 milhões de ha em Rondônia entre 1979 e 1983. Até junho de 1984 alcançavam-se mais 358,9 mil ha. Só se tornavam proprietários dessas terras os maiores de 21 anos.
O Núcleo Estadual Responsável por Migrações recebia do IBGE a confirmação da taxa de crescimento de 15,80% da população rondoniense, superando as médias de outros estados, especialmente os do Centro-Oeste.
A situação ficava delicada para o coordenador especial do Incra, Ernani Carvalho Coutinho, que defendia o direito constitucional de ir e vir. Os novos projetos eram a única saída, embora ele reconhecesse que a extensão de todos eles seria insuficiente para o assentamento desses migrantes.
– Segurar essas pessoas quando elas estão prestes a realizar o seu sonho, não dá. É preciso orientá-la nas suas cidades de origem, antes de viajarem para Rondônia – opinava o então líder do PMDB na Assembléia Legislativa, Amir Lando.
O Incra dava o seu jeito, expedindo AOS (autorizações de ocupação), apesar de o Banco do Brasil e os bancos particulares – Bradesco e Bamerindus principalmente – penhorarem sucessivamente as terras de inadimplentes em Ji-Paraná, Ouro Preto do Oeste e Jaru.
Entristecidos, muitos agricultores não tinham dinheiro para pagar o financiamento agrícola. Quando via algum colono esperançoso demais, o motorista de ônibus da Eucatur, Eugênio Gonçalves, brincava:
– Tá chegando mais um iludido pra voltar um desesperado.
Contudo, essa recessão não desanimava o lavrador cearense João Roque Moreira, também oriundo da lida de um grande cafezal em Nova Aurora (PR). Corajoso, anteriormente ele percorrera os estados de Minas Gerais e São Paulo, com êxito. Mãos calejadas e com catarata (perda da transparência do cristalino) no olho direito, João Roque embarcaria num ônibus rumo a Ouro Preto, na BR-364. Buscava mais uma empreitada na vida, talvez a mais certeira. Plantaria cacau para um nissei, depois receberia do Incra um lote no Projeto Urupá. Uma frase breve traduzia o seu contentamento:
– Estou me sentindo rico e já penso até que posso ser feliz.
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