MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
CRUZ DAS ALMAS, BA – A mandioca se urbanizou, chegou à mesa das famílias, mas o tamanho do seu mercado é anda uma incógnita. Contratos e experiências malsucedidas contaminam o processo. Ao projetar o cenário dessa cultura no País e analisar a chance do seu resgate em estados amazônicos e a construção de agroindústria na região norte, o agrônomo Carlos Estevão Leite Cardoso, pesquisador da Embrapa Mandiocultura e Fruticultura Tropical, alertou na semana passada o deputado Fernando Melo (PT-AC), membro da Comissão de Agricultura da Câmara, de que essa possibilidade só ocorrerá quando houver também fartura de matéria-prima. "Isso hoje está restrito por falta de variedades que permitam ampliar o período da safra nas maiores regiões produtoras", explicou.
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Cardoso: preço justo /M.CRUZ |
Melo visitou a Embrapa em Cruz das Almas (Recôncavo Sul da Bahia) para conhecer novas tecnologias do setor e obter informações sobre a comercialização da mandioca. Acre, Rondônia, Pará e Amazonas, principalmente, há muitos anos vêm se abastecendo com farinha e fécula produzidas na região noroeste do Estado do Paraná, a mais de 3,6 mil quilômetros de distância. Entre 1990 e 2006, o mercado da fécula cresceu 8,3% ao ano, em conseqüência de uma melhora no consumo. "Mas isso ocorreu com alguma instabilidade, devido à organização inadequada da cadeia produtiva e da acirrada concorrência", explicou Cardoso. Lembrou que as fecularias trabalharam com ociosidade de 30% a 40%, no entanto, afirma que essa instabilidade não é causa, mas efeito da organização do setor.
Cardoso lembra que o maior consumo per capita de farinha de mandioca está no Acre. Mas lamenta o preconceito contra a cultura: "Chamam a mandioca de maionese de pobre e de alegria de farofeiro". Para o pesquisador, é incontestável a possibilidade de expansão da cultura, desde que o mercado seja corrigido o quanto antes. "O produtor deve obter preço e ganhar o justo. Não existe mais essa história dele encostar o caminhão carregado na porta da indústria e indagar: quanto o senhor me paga?".
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Um mercado, uma incógnita |
Contratos unilaterais Segundo Cardoso, os contratos de compra são unilaterais e há um conflito entre as regiões produtoras no Paraná, em Mato Grosso do Sul e São Paulo, que não são reconhecidos como grandes consumidores de farinha. "É tal qual a Tailândia, que fabrica amido e não o consome. Mas a raiz não tem carimbo e atualmente a Bahia consome 25% da produção nacional de farinha", observou.
O agricultor necessita estímulo para atender mais à produção de farinha que fécula, observou o pesquisador. Ele recomendou cuidado e análise correta do setor: "Até há pouco tempo Paranavaí (noroeste paranaense) tinha 150 casas de farinha; hoje elas se reduziram à metade". Na safra anterior, o preço unitário variou de R$ 106,43 a R$ 149,30 por tonelada naquela região.
"Agora temos a indicação de 75,5% de probabilidade de esse preço ser maior que R$ 120. Uma pesquisa da Embrapa a respeito da adição de fécula à farinha de trigo destinada à panificação constatou que a probabilidade de o preço da fécula de mandioca ser menor ou igual ao preço da farinha de trigo foi igual a 58,3%. No ano passado, somente a Central de Abastecimento de Salvador adquiriu uma média mensal entre 13 e 15 toneladas de mandioca, ao preço de R$ 250 a tonelada. "A mandioca é parecida com o boi, mas é bem melhor, porque dela nada se perde: sua raiz alimenta seres humanos e animais; é utilizada para a fabricação de farinha, raspa e álcool. Em quatro grupos ela é usada na fabricação de alimentos, papel, têxteis e químicos", afirmou o técnico.
Cardoso defendeu a formação de estoques razoáveis para a agroindústria e alertou: "A faixa consumidora não suporta muitos aumentos que lhe são repassados". Conforme explicou, esses estoques só serão possíveis se a expansão das lavouras vier acompanhada da mecanização: "Não é fácil colher uma tonelada de mandioca". Feitos os cálculos, o pesquisador estima que a produção de cem toneladas de mandioca exige mão-de-obra de cem pessoas. A transferência do ônus trabalhista para os produtores pode torná-los responsáveis pela entrega do produto.
Ele propõe: 1) o estabelecimento de modernos sistemas de previsão de safra; 2) e redução dos custos de produção, processamento, gestão, rastreabilidade e certificação. Lembrou os picos de safra entre maio a dezembro para ilustrar: "Quando tudo está bem e os preços reagem, do delegado ao padre todos entram no mercado. Mas o pico de 2004 pode não se repetir em 2008", alertou. Em resumo, Estevão defende "pés no chão" em tudo.
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Fernando Melo (d) conhece a mandiocaba em Santa Isabel do Pará /DIVULGAÇÃO |
Deputado incentiva parceria
entre Universidade e Embrapa
BRASÍLIA — Na concepção da sua proposta para a criação do Pólo Sociomandioqueiro do Chandless (Região do Vale do Purus), em Sena Madureira (AC), o deputado Fernando Melo (PT-AC) sugere a inserção da inteligência acreana no ramo. "Faço isso, porque sei que sem a pesquisa a cultura corre o risco de não evoluir adequadamente, a exemplo do que ocorreu com a cana-de-açúcar", justificou.
Por isso, Melo já se reuniu com o reitor da Universidade Federal do Acre (UFAC), Jonas Filho, com o chefe da Unidade da Embrapa no Acre, assessores e pesquisadores de ambas as instituições. "Parece-me que será um trabalho inédito", prevê o parlamentar.
Sonho à parte, Melo incentivou o Departamento de Química da UFAC a adquirir aparelhos para pesquisar e identificar a mandiocaba, a variedade açucarada que faz a alegria dos produtores brancos e índios no Pará, segundo revelou-lhe recentemente o pesquisador da Embrapa Biotecnologia, Luiz Joaquim Castelo Branco. A mandioca ainda é pouco estudada no País. (M.C.)
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Sérvulo Costa: programa de incentivo governamental /M.CRUZ |
"É a salvação da Amazônia"
BRASÍLIA – O empresário Sérvulo Costa, que pretende com o sócio Wilson Alvarenga instalar uma agroindústria de mandioca, lembrou à Agência Amazônia que na semana passada participou em Botucatu (SP) da reunião de trabalho promovida pelo Centro de Raízes e Amidos Tropicais na Universidade Estadual Paulista para debater tecnologias em agroindústrias de tuberosas tropicais. Lá estava, segundo ele, o diretor-proprietário da Halotek Fadel, Antônio Fadel, que fez um retrospecto da atividade. "Nos anos 1970, o Estado-indutor incentivou o Proálcool. Após o primeiro passo, se retirou e deixou a iniciativa privada levar em frente, com êxito", ele dissse. Naquela época, numa pequena farinheira, a família dele trabalhava com a mandioca da variedade roxinha, substituída pelas IAC três décadas depois.
Antônio, que hoje dirige com o seu irmão Vitório a maior indústria de amido industrial do Estado de São Paulo (com capacidade de moer até 800 toneladas/dia) afirmou que a mandioca "é a salvação da Amazônia em termos de biocombustível". Ao que o empresário Sérvulo Costa questionou: "Por que, então, não se fomentar um programa de incentivo para que a mandioca abasteça regionalmente os estados do norte brasileiro? Por que os governos estaduais não deixam a "fome" por impostos de lado? Por que o presidente da República não é chamado a esta causa? (M.C.)
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Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.