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Montezuma Cruz

Na Pantamazônia, coroa Divino viaja de batelão


 

ANA MARIA MEJIA
AGÊNCIA AMAZÔNIA


GUAJARÁ-MIRIM, RO – O vento carrega o som das vozes dos foliões – meninos entre nove e 14 anos – que entoam cânticos anunciando a chegada do barco trazendo a coroa do Divino Espírito Santo. Na margem, atento à movimentação e ao horário, o salgueiro (fogueteiro) dispara um foguete para confirmar a chegada da procissão. Romeiros se atiram na água para acompanhar a volta em forma de meia lua que o barco percorre antes de atracar, crianças vestidas de anjos se aproximam, acendem velas, entram na água, se ajoelham pagando promessas.

É a procissão do Divino Espírito Santo, celebrada anualmente em maio ou junho na Pantamazônia, a já conhecida transição entre as regiões do Vale do Guaporé e a Amazônia Ocidental. Em Rondônia, ela ganha contornos especiais pelas distâncias percorridas: 1.350 quilômetros nos rios Guaporé e Mamoré durante os 40 dias de peregrinação. 

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Peregrinação por água dura 40 dias e alcança 1,3 mil quilômetros /IGREJA DA AMAZÔNIA


A cerimônia exige um ano de preparação. Logo no final de uma celebração, um sorteio entre os membros da irmandade define aqueles que assumirão o papel de imperador e imperatriz. O imperador escolhe o encarregado do batelão – barco parcialmente coberto de palha que transporta a comitiva do Divino: os foliões, 12 remeiros (remadores), um caixeiro que toca caixa acompanhando os cânticos, a coroa.

Os homens que se dedicam a remar nessa ocasião, geralmente estão pagando promessa e se esmeram no remo. Além do movimento regular do remo, fazem uma bela coreografia girando os remos e jogando água para frente. O encarregado do batelão que visitará as casas pedindo doações para o dia da festa. E os remeiros têm o privilégio de cantar a saudação de boas-vindas à coroa. 

Bois, porcos, galinhas e ovos. Todos contribuem. 

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Preparando a cantoria /FRANCISCA MEJIA
No interior, as contribuições são em geral em produtos da propriedade – bois, galinhas, porco, ovos, arroz etc – com os quais se prepara a comida dos peregrinos. Paralelamente ocorre a festa profana com organização de bingos, jogos, danças, marretagem, venda de bebidas. Em terra, o Imperador e a Imperatriz atendem aos romeiros que se aproximam, beijam a bandeira, se ajoelham e recebem a bênção do Divino.

Vestidos em "roupas domingueiras" os peregrinos se aglomeram no porto. Os homens que participam diretamente da celebração se vestem de branco e mantêm um lenço branco amarrado na cabeça. Tiago Ramos, 59 anos, é mestre de melodia. Ele conduz o som do tarol (caixa) e do violão acompanhando os pequenos cantores, que alteram orações e cânticos.

O Divino em Guajará

Em 1945, segundo o casal Melquíades e Carmem de Oliveira, hoje residentes em Guajará-Mirim, a festa chegou pela primeira vez em São Miguel do Guaporé. Já percorreu Ilha das Flores, Laranjeiras, Santa Rosa, se estendeu para Costa Marques, Rolim de Moura do Guaporé, Versalles (Bolívia) e Pedras Negras. "Cem anos depois, a coroa chegou até Guajará", conta emocionada Carmem. Ela considera uma das mais belas festas religiosas que se fortalece na partilha e oração. Em Guajará, a celebração é coordenada pela Igreja que promove um arraial com venda de comidas e bebidas arrecadadas durante os dias de peregrinação. 
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Milagres emocionam Carmem e Melquíades /M.CRUZ


"São 45 dias de peregrinação pelos bairros da cidade, relata orgulhosa de ser mãe do ex-imperador, Leonardo de Oliveira. É o imperador quem carrega a coroa, a imperatriz o cetro e o alferez, a bandeira – das 8 às 18 horas quando a coroa é entregue na igreja. "Embora discreta, a cidade já tinha tentado ter a sua própria festa", conta Isabel de Oliveira Assunção, professora, e uma das mais antigas participantes da festa. A origem está ligada ao milagre feito pelo Divino.

Em Guajará-Mirim não foi diferente. Segundo Dona Isabel, uma mulher de nome Zuleide que vivia de marretagem subiu o barranco para vender seus produtos e deixou a filha dormindo no toldo do barco. De repente, sentiu vontade de descer e viu que o barco se incendiara. Gritou pedindo auxílio e prometeu ao Divino que se a filha escapasse ilesa criaria a festa no município. "A menina se salvou, mas a festa não permaneceu". Só em 1977 quando Maria Angelina Gomes Serratti, ex-moradora do Guaporé, decidiu morar no bairro São José começou a mobilização, primeiro para construir uma igreja no bairro que até então não tinha nem uma capela.

Dona Angelina pediu autorização ao padre Alcides Finardi, o pároco, e propôs ao proprietário de um terreno vazio – Francisco Torres – que o alugasse para promover arraiais e arrecadar fundos. Ele doou o terreno para a construção da capela. Na mesma ocasião, D. Didi organizava rezas para o Divino Espírito Santo em sua residência. Então, durante o mutirão de limpeza do terreno e construção da obra, grande parte dos moradores do bairro era de devotos do Divino. Em 1997, se confeccionou a primeira bem ornamentada, e começaram os festejos. "A cada ano a participação triplica. 

A missa campal que marca o final da festa é maravilhosa", afirma. Hoje, com o dinheiro arrecadado, o bispo D. Geraldo Verdier destina 30% para a compra de alimentos e confecção de cestas básicas que são distribuídas para famílias carentes e o restante vai para a conta da igreja matriz e D. Geraldo auxilia os pobres com distribuição de telhas, material de construção etc. 

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Momento de oração em Guajará-Mirim /F.MEJIA
Uma história que vem da realeza


GUAJARÁ-MIRIM, RO — Conta a tradição oral que quando D. Diniz subiu ao trono, D. Afonso, incitado por alguns fidalgos descontentes protestou contra a legitimidade do irmão que o considerava bastardo. Irritado, o pai D. Afonso convidou o próprio filho para duelar. 

Dona Isabel vendo que os dois duelariam por ciúmes prometeu ao Divino Espírito Santo que se eles se apaziguassem e a paz voltasse à família, ela faria uma coroa para peregrinação. No dia marcado, em vez de duelar, o pai lançou-se nos braços do filho e chorou. A partir daí anualmente houve missa de ação de graças e ações em prol da pobreza. (A.M.M.) 

Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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