Na solidão do Guaporé,
sem escola e sem computador
ANA MARIA MEJIA e
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
BAÍA DA FUMAÇA, Vale do Guaporé, RO – Um computador e uma escola. É só isso o que pedem os jovens isolados da Baía da Fumaça, no Vale do Guaporé, a cerca de 50 quilômetros de Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com o Beni, a Amazônia Boliviana. Na solidão da floresta, eles sonham. E o sonho tem instantes de tristeza. Ao completar a quarta série, não têm mais escola. Qual será o destino do menino Fabrício, dois anos, que foi picado por insetos, sofreu forte inflamação e as feridas estão bem visíveis? Enquanto a escola não vem para a Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto, mãe, irmãs e tias do menino cuidam dele com carinho. Fabrício será um futuro aluno.
|
Crianças da floresta cconhecem o fogão a lenha que a cidade não tem mais /M.CRUZ |
Algumas casas têm antena parabólica. Mas o computador é outro sonho e eles pagam caro o preço da desinformação. Um grupo de jovens não desgrudou dos repórteres da Agência Amazônia durante toda a permanência deles na Baía das Índias. Fizeram perguntas, pediram conselhos, falaram de suas ansiedades e deram uma clara demonstração de que não querem ver novela, mas aprender sobre o mundo lá fora.
Cadê o computador, cadê o ensino a distância? Alguém na Secretaria de Educação do Estado de Rondônia se lembrou que os meninos e jovens da floresta também querem ver a internet? Computadores fornecidos pelo Ministério da Educação, desses que a maioria das escolas brasileiras vêm recebendo, ainda não chegaram a esse território isolado de um Estado que deveria estar numa das mais importantes estatísticas socioeconômicas: a da freqüência escolar.
|
Falta só o computador /M.CRUZ |
O que fazer?
"Olha, a gente passa o dia vendo a farinha no forno, até ajudamos um pouco o pessoal. Andamos de canoa, banhamos no rio, lemos alguma coisa, mas o vazio é muito grande", conta Edna, 14 anos. Ao lado dela, duas crianças brincam com o gato e o periquito. "Se tivesse pelo menos um computador, a gente nem precisava ir para a cidade", relata a menina. Alguns jovens da Baía da Fumaça e adjacências já viram computador e o utilizaram por alguns momentos quando foram passear em Guajará-Mirim. Mas os passeios são raros, porque, de segunda a segunda a maioria auxilia os pais, tios e amigos na produção da farinha e nos serviços domésticos.
O Brasil atualmente ocupa a 70ª posição no ranking mundial do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A educação foi um dos requisitos para que o País fosse elevado à categoria de Nação desenvolvida, segundo o IDH. São 87,5 % de pessoas em idade escolar matriculadas nas escolas do País. Porém, o índice apenas contempla a quantidade de alunos e não a qualidade do ensino nas escolas. E os computadores passam perto da Reserva Extrativista, seguindo para todos os cantos, inclusive para as reservas indígenas do Acre.
|
Hatirson e Helton, gêmeos, 9 anos: consciência do que ocorre ao redor |
Felicidade na Floresta
O céu brilha forte ao entardecer na Serra dos Pacaas-novos. O verde e o azul são impressionantes em toda Amazônia Ocidental. As águas do rio subiram e baixaram. O rio comanda a vida, ensina o escritor acreano Leandro Tocantins. Até março, os rios foram as principais estradas para os seringueiros e ribeirinhos na região fronteiriça à Bolívia. Novamente as águas são a única estrada para o transporte de famílias e mercadorias até o barracão denominado Pompeo, um enorme casarão de madeira onde eles passam a noite em redes para seguir viagem até Costa Marques ou Guajará-Mirim. Ali há iluminação fornecida por um pequeno sistema de energia solar e um velho fogão a lenha para os usuários esquentarem comida e o cafezinho.
Num pequeno salão coberto de palha de palmeira ainda estão pendurados os enfeites de Natal. Meninos e os vira-latas magros que perambulam ao redor fazem parte da paisagem. Perto deles, o verdejante campinho de futebol é o palco das disputas que renderam ao sugestivo Esporte Clube Floresta diversos troféus de campeão e vice-campeão dos torneios entre os times formados por integrantes das associações da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto.
|
Cotidiano é também marcado pelo banho de rio /M.CRUZ |
Zezinho e Nonato são bons nadadores e se exibem falantes e sorridentes para os repórteres. Bem próximo à casa do seringueiro Napoleão Rodrigues, 59 anos, se destaca a lavoura de quatro mil pés de café da variedade arábica. "O Natal aqui foi muito bonito", conta Hatirson, que completou 9 anos naquele feriado, junto com o irmão gêmeo Helton.
Os meninos amam o lugar. Tem consciência do que se passa ao redor. Refletem, por exemplo, sobre as derrubadas próximas à Reserva Extrativista. "Estão criando gado, muito gado aí perto", comenta Zezinho. "Deve ter umas trezentas cabecas", arrisca. É verdade: a menos de 30 quilômetros da Resex, árvores seculares vêm abaixo, sob ameaça da ganância desenfreada do homem. Entre elas, as castanheiras, impiedosamente derrubadas e até queimadas no município de Nova Mamoré. O Ibama poderia punir rigorosamente esse crime, porque conhece bem os infratores. Mas não tem fiscais e a tendência é aumentar ainda mais a clareira em torno desse tesouro pouco conhecido pelos rondonienses. Reserva com pecuária certamente não combinam.
|
Osmar: 11 filhos e um destino na Baía da Fumaça /M.CRUZ |
Osmar sonha com a
educação dos filhos
RESERVA EXTRATIVISTA DO RIO OURO PRETO – Mais algumas horas percorrendo o Rio Ouro Preto de barco, cortando caminho através de furos (braços do rio abertos durante a cheia), depois de uma curva se avista uma árvore repleta de japiins, pássaros barulhentos e imitadores que dão vôos rasantes sobre a água. Em frente fica a moradia de Osmar Lourenço, 61 anos, que há 23 anos vive com seus 11 filhos na colocação Baía da Fumaça. No entanto, da referência à borracha só restou o nome. Cético, Osmar não acredita na técnica de produção APL. "O preço não ajuda", diz.
O financiamento de R$9,4 mil por família lhe permitiu investir na construção da casa de 90 metros quadrados de área construída, na compra de um carro para transportar mercadorias e do gerador de energia elétrica movido a diesel.
A família planta arroz, mandioca, milho e cria galinhas e patos. A principal produção é da farinha puba vendida na feira de Guajará-
|
Esporte Clube Floresta, o campeão da Reserva, só dá alegria aos meninos /M.CRUZ |
Mirim ou aos comerciantes da cidade. Seu Osmar cuida da família do jeito antigo. Quer ver os filhos estudando, mas se preocupa com o risco de envolvimento com prostituição e drogas, por isso junto com outros membros da comunidade listou 14 jovens maiores de 15 anos que concluíram a 4ª série e reivindicam a criação de um núcleo de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na escola local.
Eles já encaminharam ofício ao secretário de Educação de Guajará-Mirim e ao diretor da Organização dos Seringueiros de Rondônia. "Em 2006, participamos de uma sessão da Câmara no Pompeo (barracão onde seringueiros de várias comunidades esperam sua condução). A única alternativa oferecida foi o Projeto Recomeçar, mas no final faltou dinheiro para o ônibus", lamenta.
Geografia da região
▪ O Vale do Guaporé é a zona de transição entre o Pantanal Mato-Grossense e a Amazônia.
▪ O rio Guaporé nasce numa altitude de 1.800 metros, na Chapada do Parecis em Mato Grosso, e se estende por 1.224 quilômetros até desaguar no Rio Mamoré, no Sudoeste de Rondônia. Percorre 1.716 Km. Já em território rondoniense encontra-se com o rio Mamoré.
▪ O Mamoré vem da Cordilheira Real dos Andes, naBolívia, onde se chama Grande La Plata, e vai se encontrar com o rio Beni, vindo do Altiplano Boliviano, para formar o rio Madeira. Tem 1.100 quilômetros de extensão.
▪ Desde Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso (região aurífera nos tempos de colônia) até Guajará-Mirim, o Guaporé e o Mamoré formam uma hidrovia com 1.400 quilômetros de extensão.
Fonte: Montezuma Cruz - Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.