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Montezuma Cruz

Navegar é preciso. De que jeito?


 

 
 
MONTEZUMA CRUZ
Amazônias
 
Urbanos e urbanóides acostumados com o automóvel imaginam o que é navegar na Amazônia em tempos de cheia e inundações?
 
Há dias, pouco antes de me safar de um naufrágio de lancha voadeira no transbordado Rio Espalha, percebi o modus vivendi de extrativistas, pescadores, castanheiros, farinheiros e pequenos agricultores acreanos. Uma dureza.
 
Esses habitantes da floresta ficam ilhados quatro meses por ano e para navegar no inverno amazônico, têm que desviar de troncos e galhos no caminho das águas. Conseguindo isso, precisam olhar para cima e podar imensas tabocas, cujos espinhos fazem o corpo sangrar.
 
 Aí mora algum perigo: as folhagens de algumas árvores — felizmente nem todas — são o lar de uma infinidade de insetos, entre os quais, formigas, marimbondos, escorpiões e aranhas. Quando ocorrem, o inchaço, a coceira e o possível envenenamento são curados só no final da viagem, que chega a demorar de dois a quatro dias, conforme a distância. 
 
Dos galhos mais baixos das árvores e da vegetação “fechada” caem também sobre o leito do rio inofensivos louva-Deus e joaninhas, mas isso é uma exceção. Regra mesmo são os aracnídeos.
 

Teste de resistência
 
Navegar é preciso. De que jeito? - Gente de Opinião

O funcionário da Secretaria Municipal de Agricultura e Floresta, Antônio Luiz de Aragão (de costas),retira galhos que impedem a passagem da voadeira /M.CRUZ

Das 40 mil espécies de aranhas existentes no Brasil, cinco saíram velozmente dos galhos sobre nossas cabeças, durante seis horas de viagem entre um portinho no Rio Acre, na capital acreana, e o Rio Espalha. Cada curva ou cada reta sob essa densa vegetação implica o cuidado do piloto. Um vacilo na condução da canoa ou da lancha significa atravessar “de cabeça” alguns metros de espinhos e ninhos de insetos.
 
Imagine o quanto sofrem os usuários diuturnos dessas “estradas” aquáticas, pagando seus pecados e purgando ainda pela indiferença dos órgãos governamentais que deveriam suprir-lhes a existência, com a manutenção do tráfego em canais limpos.
 
Mas a floresta não tem DNIT, esse departamento nacional encarregado de promover a infraestrutura do transporte. Assim, nos rios Bom Futuro, Caipora, Espalha, Jiqui, Nimita, Novo, São Raimundo e Vai se ver, quem prestar atenção ao que vem de cima se dá bem. E do alto vem picadas e espinhos certeiros.
 
Esse cotidiano dos rios e “furos” (passagens) permite constatar quanto é irrisória a política aquaviária na região. Funcionar, ela não funciona, principalmente para os pequenos.
 
O ministro da Pesca e Aqüicultura, Altemir Gregolin, vem aplicando cerca de R$ 2 milhões na limpeza de lagos pesqueiros e de rios. A maioria desses recursos foi indicada pelo coordenador da Bancada Acreana e membro da Comissão de Amazônia, deputado Fernando Melo (PT), no que também contribuiu o senador Tião Viana (PT-AC).

Em seis dias de viagem pela Bacia do Riozinho do Rôla, o maior afluente do Rio Acre, o deputado constatou a necessidade de desobstrução do que ele classifica de “ramal do ribeirinho”. No Acre, ramal é quase uma estrada. Ao longo de décadas, leitos dos rios sujeitos ao acúmulo diário de grandes galhos e troncos nunca foram limpos.
 
Há muita desinformação. Até hoje ainda se confunde uma poda racional com o desmatamento ciliar, este sim, preocupante e motivo de multas aplicadas implacavelmente pelo Ibama. 

Navegar é preciso. De que jeito? - Gente de Opinião

O piloto Manoel Vidal de Oliveira, o Batata, e o passageiro Pedro Lima verificam uma avaria no motor em trecho do Rio Espalha /M.CRUZ


É preciso chegar
 
Do biólogo ao extrativista, não há como misturar alhos com bugalhos, mesmo assim, a limpeza indicada pelos parlamentares ao ministro Gregolin deverá ser acompanhada pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado do Acre (Imac). O aval dos técnicos permitirá tão importante serviço em mais de 50 quilômetros de rios.
 
Se tudo correr bem, a cabra, o porco, o pato, a galinha, os ovos, o milho, o feijão, o arroz, a castanha e a farinha de mandioca chegarão às “pedras” da Ceasa, em Rio Branco.
 
As regiões do Purus e do Juruá já executam a limpeza de lagos e igarapés no padrão previsto para a Bacia do Riozinho do Rôla. A natureza agradecerá esse próximo mutirão com a participação das associações de moradores das comunidades dos antigos seringais. Homens, mulheres e crianças dependentes do transporte em canoas, barcos, batelões e lanchas voadeiras, também.
 
Só quem vive do rio e conhece a sua realidade, sabe muito bem onde aperta o calo.
 
O problema e o desafio estão no alto, não na mata ciliar, insubstituível.
 
 
 
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